Gaza

Ministro da Defesa de Israel ordena ao exército para preparar expulsão de Gaza

06 de fevereiro 2025 - 14:38

Enquanto altos responsáveis dos EUA tentam fazer passar a versão de que a expulsão proposta por Trump era só “temporária” e para permitir a “reconstrução”. O governo israelita anuncia que vai avançar perante o entusiasmo da extrema-direita.

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Destroços do hospital Al-Shifa na cidade de Gaza.
Destroços do hospital Al-Shifa na cidade de Gaza. Foto de HAITHAM IMAD/EPA/Lusa.

Depois de Donald Trump ter afirmado querer uma limpeza étnica na Faixa de Gaza de forma a criar uma “Riviera do Médio Oriente” e da condenação unânime que as suas declarações geraram, no topo da administração norte-americana tenta-se uma espécie de recuo.

Como sublinha a Al Jazeera, vários altos responsáveis dos EUA tentam matizar as afirmações, avançando com a versão de que se tratar-se-ia uma saída temporária e voluntária para permitir um processo de reconstrução. Marco Rubio, o chefe da diplomacia dos EUA, negou estar-se perante uma iniciativa “hostil”, mas sim uma “ação generosa” que era uma “oferta para reconstruir e estar no comando da reconstrução”.

As histórias não estão assim tão alinhadas entre si nem em termos de coerência interna, já que a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, garantiu que nem os EUA iriam financiar a reconstrução nem o projeto de Trump significaria “botas no terreno”, ou seja, presença norte-americana em Gaza. Mas ao mesmo tempo insistiu no carácter “temporário” da deslocação de população “para que nós possamos reconstruir a sua casa” [sic].

Do lado israelita, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu parece ter tomado as palavras de Trump pelo seu valor facial, considerando o plano como “uma ideia notável”. Numa entrevista à Fox News, na noite desta quarta-feira, diz que é “a primeira boa ideia que ouviu” que iria “criar um futuro diferente para toda a gente”.

O seu ministro da Defesa, Israel Katz, vai mais longe e ordenou já ao exército para se preparar para as saídas “voluntárias” da população de Gaza. Em comunicado, informou que “instruí o exército para permitir que qualquer residente de Gaza que deseje sair o faça, para qualquer país que esteja disponível a aceitá-lo”.

Ao Canal 12, acrescentou a sua ideia de futuro da reconstrução de uma “Gaza desmilitarizada, esvaziada de ameaças na era pós-Hamas”. E se os ajudantes falam num processo temporário, o governante israelita contrapõe claramente que este é “um projeto que levará muitos anos a ser completado”.

As declarações sobre saídas voluntárias de Gaza chocam com as vontades expressas no terreno. Quer a Al Jazeera quer o Haaretz fizeram reportagens em que ouviram os habitantes da Faixa de Gaza e em que estes afirmam que se recusam sair da sua pátria.

Ministro da Defesa israelita quer expulsar os palestinianos para Espanha

Katz também já tem ideias sobre como contornar a recusa dos países vizinhos de aceitar a população expulsa da Faixa de Gaza. Estas passam por tentar pressionar os países ocidentais a fazê-lo. Para ele, Espanha, Irlanda e Noruega, países que reconhecem a Palestina como Estado ou que apoiaram a acusação de crimes contra a humanidade perpetrados por Israel estariam “legalmente obrigados a permitir que qualquer residente em Gaza entre nos seus territórios” e de serem “hipócritas” se o recusarem”

Na sua versão da realidade, é o Hamas que continua a manter os habitantes de Gaza como “reféns, chantageando-os com ajuda humanitária e impedindo-os de sair de Gaza”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Jose Manuel Albares, já veio dizer esta quinta-feira que o seu país recusa esta manobra porque “Gaza é a terra dos palestinianos de Gaza e eles devem permanecer em Gaza”.

De acordo com o Times of Israel, a extrema-direita israelita juntou-se a estas declarações. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, deu os parabéns ao seu colega de governo, considerando que tudo isto confirma “o que temos vindo a dizer há muitos anos e ainda mais desde o início da guerra, que não há outra solução realista” para o conflito.

O seu rival neste campo político e também ex-ministro de Netanyahu, que quis sair do Governo por causa do acordo de cessar-fogo em Gaza, Itamar Ben-Gvir, concorda que é “um passo importante que reconhece que a solução real para Gaza já não são os sonhos de reconstrução e um regresso à situação anterior mas uma mudança fundamental na realidade”. Este insta o governo a “avançar com determinação, remover qualquer obstáculo burocrático e assegurar que esta opção se torne realidade assim que possível”. Se isto acontecer, estaria disponível para regressar ao governo.

Guterres diz que “é essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica”

Em sentido diverso, conta o Haaretz, o ex-primeiro-ministro trabalhista e fundador do Partido Democrata Israelita, Ehud Barak, considera o plano de Trump uma “fantasia”, justificando que “este não parece ser um plano que alguém considere a sério. Parece mais uma tentativa de lançar o barro à parede ou talvez de assinalar apoio a Israel”, sugerindo tratar-se de uma forma de negociar com os países árabes para que estes contraponham “um caminho prático para Gaza e ajudem a remover o Hamas do poder.”

Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, não conjetura sobre intenções mas alerta que é “essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica” em Gaza, afirmando que “não se deve tornar os problemas piores”, que os habitantes de Gaza têm o direito de “viver simplesmente como seres humanos na sua própria terra” e que qualquer paz duradoura na região implicaria um progresso “tangível, irreversível e permanente” a caminho de um “Estado independente palestiniano com Gaza como uma parte integral”.

E Israel decidiu seguir os EUA na sua retirada do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O enviado especial deste país, Danny Danon, diz que esta instituição é “enviesada”.

Entretanto, em Gaza, o Ministério da Saúde confirma que Israel matou 47.552 pessoas e feriu mais 111.629. Para além das mortes confirmadas, o governo local contabiliza milhares de desaparecidos nos escombros que elevam o número de pessoas assassinadas a 61.709. Com o cessar-fogo na Faixa, o exército sionista passou a concentrar os seus esforços guerreiros na Cisjordânia, tendo lançado uma ofensiva desde o mês passado. Desta resultaram, pelo menos, 26.000 deslocados dos campos de refugiados de Jenin e Tulkarm. O campo de Jenin está cercado há duas semanas, sofrendo com raids e bombardeamentos que se estendem às suas imediações. Desde o início do ano, ou seja em pouco mais de um mês, o exército israelita matou pelo menos 70 pessoas na Cisjordânia, de acordo com o ministro da Saúde palestiniano.