Violência policial

Milhares desfilaram na Avenida para exigir justiça para Odair Moniz

26 de outubro 2024 - 17:02

Por entre cartazes contra a violência policial e bandeiras de Cabo Verde, a palavra de ordem mais ouvida na manifestação deste sábado foi “Justiça para Odair”.

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Primeira linha da manifestação "Sem Justiça Não há Paz"
Primeira linha da manifestação "Sem Justiça Não há Paz". Foto de António Pedro Santos/Lusa

Milhares de pessoas participaram este sábado na manifestação “Sem Justiça não há Paz”, encabeçada  por uma faixa com a fotografia de Odair Moniz, segurada por familiares e vizinhos do cidadão baleado mortalmente por um agente da PSP na Cova da Moura, mas também por Cláudia Simões, a cidadã agredida por um agente da PSP na Amadora e que acabou condenada por morder o agente em causa, que por sua vez foi condenado por agredir outras pessoas que levou para a esquadra na sequência da mesma situação.

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“Nós queremos uma manifestação pacífica, não viemos aqui provocar distúrbios”, afirmou à RTP uma das mulheres negras da primeira linha da manifestação do Vida Justa. “Mataram um cidadão. Independentemente do que ele foi ou deixou de ser, era uma pessoa honesta e trabalhadora. Queremos justiça para não ficar impune como aconteceu das outras vezes”, acrescentou. Outra jovem negra que empunhava um cartaz com a frase “pensar para melhor agir”, afirmou estar feliz por ver tanta gente a pedir justiça para Odair. “A violência policial é um caso comum. Há várias formas de abordar os cidadãos e o que aconteceu não tem explicação, é inadmissível o que aconteceu”.

Entre os manifestantes ouvidos pela RTP estava outra mulher negra, vinda da margem Sul, que disse estar ali “numa manifestação de descontentamento pela morte do Odair, mas não só por ele, por todas as pessoas que passam por situações de racismo. Não se espera num país de primeiro mundo que aconteçam estas diferenciações”. Junto a ela estava uma jovem branca, que afirmou ter participado em 2020 nas manifestações aquando do assassinato de George Floyd pela polícia dos EUA e por isso “achei que era uma hipocrisia da minha parte não vir marchar por uma coisa que aconteceu na minha cidade”. Mas também porque “sou humana e nessa qualidade quando vejo injustiças a serem cometidas contra outros seres humanos acho ridículo que isso aconteça. E também acho ridículo que haja pessoas a manifestar-se contra quem quer justiça”, concluiu , referindo-se à manifestação realizada pelo Chega à mesma hora e que juntou pouco mais de uma centena de militantes e deputados daquele partido.

A CNN Portugal publicou imagens das duas manifestações à mesma hora que ilustram bem o fracasso da mobilização do Chega em apoio de Ventura e Pedro Pinto, já em São Bento, face às milhares de pessoas que desfilaram na Avenida da Liberdade.

Imagens em simultâneo da manifestação do Chega em São Bento (à esquerda) e da manifestação a exigir justiça para Odair na Avenida da Liberdade
Imagens em simultâneo da manifestação do Chega em São Bento e da manifestação a exigir justiça para Odair na Avenida da Liberdade. Imagem CNN

Na marcha esteve também Ana Gomes, uma das subscritoras da queixa-crime contra André Ventura e Pedro Pinto. A ex-eurodeputada e candidata presidencial afirmou à RTP que “todos temos que aqui estar porque todos queremos uma sociedade em paz, que celebre a nossa diversidade como portugueses com a história que temos e que celebre a democracia. E celebrar a democracia significa justiça para Odair e as outras vítimas desta tragédia, e aqui incluo o jovem polícia e o motorista do autocarro que pegou fogo”.

“Não queremos fazer o jogo das forças como o Chega que querem semear o ódio, a violência e a divisão entre portugueses. Este é o momento de estarmos unidos e celebrarmos a nossa diversidade. Os jovens dos bairros pobres têm de sentir que são parte da nossa sociedade, foi para isso que fizemos o 25 de Abril e é isso que é digno de uma sociedade democrática”, sublinhou Ana Gomes.

Fabian Figueiredo: “A direção nacional da PSP quando fala deve dizer a verdade”

O Bloco de Esquerda, que este fim de semana está reunido em Conferência Nacional no Porto, também marcou presença na manifestação com um grupo de militantes que incluiu a eurodeputada Catarina Martins e o líder parlamentar. Fabian Figueiredo disse aos jornalistas que “Portugal não pode continuar a tratar os bairros da periferia de Lisboa como tem acontecido, onde falta tudo. Falta a presença do Estado Social, falta a escola, falta o hospital, falta a presença do Estado como nós a sentimos no centro de Lisboa ou no centro do Porto. Nós não podemos continuar a ter um país onde a igualdade perante a lei não existe em todos os seus territórios”.

Fabian Figueiredo defendeu ainda que o pais “tem de enfrentar a realidade” que mostra que “a população negra tem 21 vezes mais probabilidade de ser mortalmente atingida pela polícia do que a média da população”. Para o líder parlamentar do Bloco, esse facto “não é culpa dos agentes da polícia individualmente, é do modelo de policiamento que está errado, propondo em alternativa “retomar os contratos locais de segurança, a confiança nas comunidades, o policiamento de proximidade”.

Por outro lado, acrescentou, é fundamental “fazer uma avaliação crítica da direção nacional da PSP” neste caso concreto, na medida em que as informações divulgadas no primeiro comunicado a explicar as circunstâncias da morte de Odair Moniz foram desmentidas nos dias seguintes na notícias da comunicação social. Assim, “se se provar em tribunal que o comunicado da direção nacional da PSP tem mentiras graves, eu creio que isso tem que merecer por parte do Governo e da direção nacional da PSP uma profunda reflexão sobre a continuidade" desses dirigentes, defendeu.

“A direção nacional da PSP quando fala deve dizer a verdade. Mas vale falar menos e dizer que se está a apurar os factos do que mentir”, prosseguiu Fabian Figueiredo, rejeitando as acusações de que os manifestantes deste sábado estejam contra a polícia. “Nós estamos do lado do Estado de direito democrático, da República democrática, da Polícia da Democracia. Não conheço ninguém aqui que esteja contra a polícia. Conheço muita gente aqui, o que une este mar diverso de gente, que está contra as violações ao Estado de direito”.

Fabian Figueiredo acusou ainda a extrema direita de procurar “instrumentalizar a polícia”, quando o seu líder parlamentar “incentivou a polícia para disparar a matar e que isso seria sinónimo de mais ordem. Isso é a polícia da ditadura”, respondeu o líder parlamentar bloquista, concluindo que “o que aqui sai é o grito pela democracia, pela igualdade e pela dignidade”.