Mesmo em confinamento, polacos protestam em defesa dos direitos das mulheres

15 de abril 2020 - 23:15

O Parlamento polaco vota esta quinta-feira iniciativas sobre a limitação do direito ao aborto e a criminalização da educação sexual, num momento em que as medidas de emergência em vigor no país proíbem protestos massivos nas ruas.

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Foto do Twitter da Amnistia Internacional

A legislação polaca em vigor sobre o aborto é já considerada uma das mais restritivas da Europa. O recurso à interrupção voluntária da gravidez só é possível em caso de violação, incesto, perigo para a vida da mulher, ou no caso de malformações ou doença irreversível do feto. Em 98% dos casos, a justificação á a malformação do feto e é precisamente esta uma das possibilidades que a lei em discussão visa proibir.

Não é a primeira vez que a proposta que é votada esta quita-feira chega ao parlamento polaco. Em 2016, uma proposta semelhante deu origem a um movimento de protesto de grandes dimensões, com greves feministas, às quais se juntaram ativistas dos direitos humanos, feministas e inclusivamente o Parlamento Europeu.

O momento agora escolhido não é inocente. Por um lado, visa contornar a mesma onda de protesto de há quatro anos, uma vez que as pessoas estão confinadas e os protestos públicos não só são proibidos como podem ser sancionados criminalmente. Por outro, serve para alimentar a campanha do actual Presidente da Polónia Andrezej Duda, do PiS (Partido da Lei e Justiça), para as eleições presidenciais de 10 Maio.

A própria realização das eleições já foi alvo de várias críticas e considerada em si mesma um rude golpe no Estado de Direito da Polónia. A lei eleitoral foi alterada a seis semanas da data da eleição, para estabelecer o voto por correspondência como única forma de participar neste ato eleitoral. Até ao momento, o voto por correspondência não estava sequer previsto. Piotr Buras, chefe do Gabinete de Relações Internacionais do Conselho Europeu em Varsóvia, explicou à Euronews: “O PiS quer aproveitar a oportunidade para assegurar a vitória do popular Presidente Duda antes que seja tarde. Se as eleições forem adiadas, por exemplo até ao Outono, as suas hipóteses serão mais reduzidas nessa altura, uma vez que a população já terá sido atingida pela crise económica, e será muito mais crítica relativamente ao governo (e a Duda) do que hoje”. E acrescenta: “Isto é profundamente imoral e anti-democrático”.

Mas as pessoas não desistiram de protestar. Marta Lempart, uma das organizadoras do movimento de protesto em 2016, e que integra o movimento feminista Greve Nacional das Mulheres, fez apelos a que as pessoas protestassem a partir das suas janelas, nas redes sociais e onde fosse possível. E a população trouxe os protestos para a rua dentro dos seus carros. Buzinaram, bloquearam uma das principais rotundas de Varsóvia - Rondo Dmowskiego, exibiram cartazes e partilharam nas redes sociais. Apesar da intervenção policial, lembrando com megafones aos manifestantes que podiam ser responsabilizados criminalmente por tal ação. Nas varandas e nas janelas há cartazes. Nas filas do supermercado há protestos.

Além do projeto de lei relativo ao aborto, está também em discussão e votação um outro que visa a criminalização da educação sexual, punindo-a com pena de prisão até 5 anos.

Organizações internacionais como a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Rede Europeia da Federação Internacional do Planeamento Familiar, entre outras, têm feito apelos e emitido comunicados condenando o ataque aos direitos das mulheres e a promoção da desinformação entre os jovens, e oportunismo da situação.

No Parlamento Europeu, vários deputados, entre os quais Marisa Matias e José Gusmão, assinaram uma carta dirigida à Presidente do Parlamento Polaco e aos deputados polacos a pedir que rejeitem estes dois projetos de lei e que se abstenham de novas tentativas de restringir ainda mais os direitos sexuais e de saúde reprodutiva das mulheres e jovens na Polónia.

Nas redes sociais, muitas pessoas têm aderido à contestação sob a hashtag #protestfromhome e #RatjumyKobiety (salvem as mulheres).