A legislação polaca em vigor sobre o aborto é já considerada uma das mais restritivas da Europa. O recurso à interrupção voluntária da gravidez só é possível em caso de violação, incesto, perigo para a vida da mulher, ou no caso de malformações ou doença irreversível do feto. Em 98% dos casos, a justificação á a malformação do feto e é precisamente esta uma das possibilidades que a lei em discussão visa proibir.
Não é a primeira vez que a proposta que é votada esta quita-feira chega ao parlamento polaco. Em 2016, uma proposta semelhante deu origem a um movimento de protesto de grandes dimensões, com greves feministas, às quais se juntaram ativistas dos direitos humanos, feministas e inclusivamente o Parlamento Europeu.
O momento agora escolhido não é inocente. Por um lado, visa contornar a mesma onda de protesto de há quatro anos, uma vez que as pessoas estão confinadas e os protestos públicos não só são proibidos como podem ser sancionados criminalmente. Por outro, serve para alimentar a campanha do actual Presidente da Polónia Andrezej Duda, do PiS (Partido da Lei e Justiça), para as eleições presidenciais de 10 Maio.
A própria realização das eleições já foi alvo de várias críticas e considerada em si mesma um rude golpe no Estado de Direito da Polónia. A lei eleitoral foi alterada a seis semanas da data da eleição, para estabelecer o voto por correspondência como única forma de participar neste ato eleitoral. Até ao momento, o voto por correspondência não estava sequer previsto. Piotr Buras, chefe do Gabinete de Relações Internacionais do Conselho Europeu em Varsóvia, explicou à Euronews: “O PiS quer aproveitar a oportunidade para assegurar a vitória do popular Presidente Duda antes que seja tarde. Se as eleições forem adiadas, por exemplo até ao Outono, as suas hipóteses serão mais reduzidas nessa altura, uma vez que a população já terá sido atingida pela crise económica, e será muito mais crítica relativamente ao governo (e a Duda) do que hoje”. E acrescenta: “Isto é profundamente imoral e anti-democrático”.
Mas as pessoas não desistiram de protestar. Marta Lempart, uma das organizadoras do movimento de protesto em 2016, e que integra o movimento feminista Greve Nacional das Mulheres, fez apelos a que as pessoas protestassem a partir das suas janelas, nas redes sociais e onde fosse possível. E a população trouxe os protestos para a rua dentro dos seus carros. Buzinaram, bloquearam uma das principais rotundas de Varsóvia - Rondo Dmowskiego, exibiram cartazes e partilharam nas redes sociais. Apesar da intervenção policial, lembrando com megafones aos manifestantes que podiam ser responsabilizados criminalmente por tal ação. Nas varandas e nas janelas há cartazes. Nas filas do supermercado há protestos.
Além do projeto de lei relativo ao aborto, está também em discussão e votação um outro que visa a criminalização da educação sexual, punindo-a com pena de prisão até 5 anos.
Organizações internacionais como a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Rede Europeia da Federação Internacional do Planeamento Familiar, entre outras, têm feito apelos e emitido comunicados condenando o ataque aos direitos das mulheres e a promoção da desinformação entre os jovens, e oportunismo da situação.
Fight the virus, not sex education and women's right to choose. We stand in solidarity with Polish protesters. pic.twitter.com/oXWZjPL38U
— Amnesty International (@amnesty) April 15, 2020
No Parlamento Europeu, vários deputados, entre os quais Marisa Matias e José Gusmão, assinaram uma carta dirigida à Presidente do Parlamento Polaco e aos deputados polacos a pedir que rejeitem estes dois projetos de lei e que se abstenham de novas tentativas de restringir ainda mais os direitos sexuais e de saúde reprodutiva das mulheres e jovens na Polónia.
Amanhã será votada a lei que promete tornar a vida das mulheres polacas ainda mais difícil. O ataque à saúde sexual e reprodutiva continua. Escrevemos hoje aos deputados para que fiquem ao lado dos direitos. #protestfromhome #FalaSprzeciwu #CzarnyProstest #PiekłoKobiet #Poland pic.twitter.com/0Oj2sN3jZ4
— Marisa Matias (@mmatias_) April 15, 2020
Nas redes sociais, muitas pessoas têm aderido à contestação sob a hashtag #protestfromhome e #RatjumyKobiety (salvem as mulheres).
If you haven’t joined the #protestathome against #Poland's attempt to criminalize sex education & virtually ban access to safe abortion, it’s not too late!#COVID19 means we can’t take to the streets but we can still protest! #CzarnyProtest #PiekłoKobiet #NieSkladamyParasolek https://t.co/KuZbesBlSL pic.twitter.com/mrLtaMXvha
— Stefan Simanowitz (@StefSimanowitz) April 15, 2020