Numa entrevista televisiva na TF1 na passada terça-feira, o presidente francês Emmanuel Macron defendeu que o seu país deveria “alugar” lugares de prisão no estrangeiro como medida para combater aquilo que é apresentado como um excesso de população prisional.
Frente a ele tinha o presidente de Câmara de Béziers, Robert Ménard, um ex-jornalista agora autarca independente, e o tema era a “segurança interna”. Foi este que avançou com a sugestão de “alugar lugares de prisão na Alemanha ou em Espanha” mas o chefe de Estado francês imediatamente concordou: “sim, alugaremos, se for preciso, lugares de prisão onde estiverem disponíveis”.
A ideia, claro, não foi inventada por Ménard, e mesmo no atual Governo já uma das figuras mais à direita, o ministro da Justiça, Gérald Darmanin, a tinha sugerido numa entrevista ao Journal du dimanche, no final de março, onde tinha afirmado: “Esta é uma solução que estou a estudar e para a qual não tenho, para já, qualquer opinião jurídica contrária”.
Mas não seria preciso o governante esforçar-se muito para encontrar opiniões contrárias. Os dois principais sindicatos de magistrados pronunciaram-se contra a ideia nas páginas do Le Monde, Judith Allenbach, presidente do Sindicato dos Magistrados, diz que é uma “proposta inepta” que “leva ao paroxismo uma lógica prisional cuja ineficácia em termos de reincidência e reinserção foi amplamente demonstrada”, para além de ter “repercussões diretas tanto na nossa soberania e na independência da justiça quanto no exercício dos direitos mais básicos – o acesso a um juiz, o direito a um advogado, a manutenção dos laços familiares”. Ludovic Friat, presidente da União Sindical dos Magistrados, também critica um “foguetório” de anúncios e pergunta em que é que isso se vai traduzir concretamente.
Ao mesmo jornal, uma fonte assegura que não se trata de fogo de vista mas que há já “discussões com vários países”, alguns dos quais da Europa do Leste.
Há alguns países europeus que se preparam para implementar a proposta, como a Suécia. No passado mês de janeiro, por iniciativa governamental, a medida foi aprovada no parlamento. Aguarda-se agora a existência de um acordo com um parceiro da União Europeia ou do Espaço Schengen.
Outros implementaram-na já. É o caso da Bélgica que “exportou” entre 2010 e 2023 prisioneiros para os vizinhos Países Baixos. Na prática, começou por alugar 650 lugares na prisão de Tilburg até 2016, o que depois alargou a outros estabelecimentos prisionais. Só que o caso está longe de ser um sucesso, apontando-se custos elevados e complexidades logísticas e jurídicas. O Observatório Internacional das Prisões, por intermédio da advogada Juliette Moreau, explicou ao Libération por que considera a ideia falhada. Invoca também os custos (cerca de 42 milhões de euros por ano em Tilburg) mas sobretudo o facto de se “desinserir completamente as pessoas que foram afastadas. Não havia política de reinserção possível. Nem visitas familiares”.
Manuel Lambert, conselheiro jurídico da Liga dos Direitos Humanos, que visitou Tilburg, admitiu que as condições seriam até melhores que “certas prisões belgas” mas todos os presos indicavam o problema da distância, e portanto do acesso à família mas também aos seus advogados e à rede de reinserção social belga, e os problemas de linguagem com os carcereiros. Isto resultava ainda em atividades educativas e de formação limitadas que constituíam na prática “uma forma de discriminação” relativamente ao presos que ficaram na Bélgica.
A Dinamarca é outro caso. Desde 2021 que envia presos a cerca de 2.000 quilómetros da sua fronteira para o Kosovo num contrato que prevê a disponibilização de 300 vagas até 2027 por 200 milhões de euros. O executivo daquele país justifica que se tratam de “criminosos estrangeiros”. Mas o Centro de Reabilitação de Sobreviventes de Tortura do Kosovo teme pela segurança destas pessoas. E, neste momento, o governo belga também equaciona enviar presos para esse país.
Em França, a ideia chegou em força ao debate político depois de o ministro da Justiça ter afirmado que a taxa de ocupação das prisões francesas em fevereiro tinha sido de 130,8%. Em 18 dos estabelecimentos prisionais era igual ou superior a 200%.