O antigo ministro socialista João Cravinho morreu esta quarta-feira aos 88 anos. Nascido em Angola em 1936, veio para Portugal no fim da II Guerra, aos nove anos. Formou-se em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, onde teve participação ativa na luta estudantil contra a ditadura. Pertencia então ao grupo de estudantes católicos que se aliaram ao movimento estudantil contra a ditadura. Em 1956 representou os estudantes do Técnico nas Reuniões Inter-Associações para organizar a luta contra o Decreto com que a ditadura queria sufocar as associações de estudantes. Após terminar o curso e cumprir o serviço militar, vai para Paris no verão de 1962 prosseguir os estudos de especialização na área da Economia, meses depois de ter sido preso pela PIDE nos protestos estudantis na cantina da Cidade Universitária, pois apesar já ser licenciado desde 1959 e trabalhar como funcionário público, participou no movimento como “consultor“ da Reunião Inter-Associações..
Com outros ativistas estudantis de várias gerações, como João Martins Pereira, Sottomayor Cardia, Nuno Brederode Santos ou Salgado de Matos, colabora com a revista Seara Nova nos anos seguintes. Volta a sair para estudar, desta vez na Universidade de Yale, nos EUA, de onde regressa em 1969. “Quando chego a Portugal disseram-me que ia ser mobilizado e que já não tinha autorização para voltar aos Estados Unidos. Fui mobilizado para capitão, fui apanhado, não tinha escolha”, recorda. Mas afinal teve, graças a antigos colegas com quem trabalhara e que o levam para a direção de planeamento da Secretaria de Estado da Indústria, afastando a ida para a guerra colonial.
Após a Revolução de Abril integrou o MES, tal como Jorge Sampaio, um dos protagonistas da crise de 62 em Direito. Ambos afastaram-se no fim de 1974 ao verem derrotada a proposta que se opunha à radicalização daquele partido. Decidiram conservar a sua autonomia política criando o Grupo de Intervenção Socialista, que aderiu em bloco ao PS já em 1977. Antes disso foi ministro num dos Governos Provisórios. Na entrevista dada a Anabela Mota Ribeiro em 2011 para o Jornal de Negócios, disse que foi convidado “para todos formalmente exceto para um, para o qual fui sondado”.
Recusados os primeiros três convites, quando ainda pertencia ao MES, que se opunha à entrada no Governo, conta que acabou por aceitar o convite para integrar o IV Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves, a seguir ao 11 de Março e semanas antes das primeiras eleições livres, “porque me pareceu que o PREC fazia um corte umbilical com o poder económico que, com vontade ou sem vontade, sustentou o fundamental do antigo regime em termos de base económica”. Naqueles dias de rotura, “as coisas entravam numa fase completamente nova, sem possibilidade de pré-determinar qual seria a trajectória. A única coisa que se sabia é que teria de haver uma consolidação posterior. A nossa aposta era numa evolução de um confronto, que era inevitável, que consolidasse uma versão de democracia avançada”. Para secretário de Estado da Indústria leva João Martins Pereira, outro antigo membro do MES e voz insubmissa da esquerda portuguesa nas décadas seguintes.
Foi este governo que avançou para as nacionalizações, que no entender de Cravinho “eram indispensáveis porque a alternativa seria o Estado sustentar os privados”. Em 2005, recordou ao Público que “curiosamente quando se anunciou a nacionalização da banca a primeira grande manifestação popular de apoio veio do PPD e não do PCP, como se esperava”.
João Cravinho regressa ao Governo vinte anos depois para a pasta do Equipamento, Planeamento e Administração do Território. No seu mandato ocorreram denúncias de corrupção na Junta Autónoma de Estradas, que acaba por mandar extinguir no final do mandato, estabelecendo limites para a derrapagem nos custos das obras aceites pelo Estado e proibindo funcionários públicos de trabalharem para empresas privadas envolvidos em obras públicas. Medidas para combater a corrupção, um tema que não viria a largar no futuro.
Já enquanto deputado socialista no primeiro Governo de Sócrates, entregou uma proposta anticorrupção que visava o enriquecimento ilícito, mas viu a proposta chumbada dentro do PS. Pouco depois sai do Parlamento para ocupar um lugar no Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento em Londres. Uma saída vista como uma forma de tentar silenciar vozes incómodas, o que Cravinho sempre negou: “o convite foi-me feito muito antes, e o convite não foi alterado – nada – depois de ter apresentado o pacote e de ele ter sido chumbado, com algum desassossego para a rapaziada. Ficou tudo na mesma, mas pelo menos andaram para ali aflitos”.
Em 2009, as suas propostas contra a corrupção e o enriquecimento ilícito dos titulares de cargos públicos foram recuperadas pelo Bloco de Esquerda, mas continuaram a ser chumbadas. Com outros economistas e personalidades de vários quadrantes, João Cravinho assinou também os manifestos pela restruturação da dívida portuguesa, pela rejeição da austeridade do Tratado Orçamental europeu e pelo resgate da Portugal Telecom, todos em 2014. Nas redes sociais, Francisco Louçã recorda o “homem generoso e empenhado” que foi “dos primeiros a propor medidas firmes contra a corrupção (e não conseguiu convencer o seu partido)”, além de ter sempre procurado diálogos à esquerda. “Não era homem de desistir e será lembrado como uma das grandes figuras da democracia”, diz o ex-coordenador do Bloco e agora candidato a deputado pelo círculo de Braga, lembrando também o trabalho de elaboração do manifesto pela restruturação da dívida “em que colaborámos intensamente”.
João Cravinho continuou a manter presença no espaço público, sobretudo nos temas ligados ao combate à corrupção. E viu o seu filho, João Gomes Cravinho, também integrar três governos socialistas nos últimos anos, nas pastas da Defesa e dos Negócios Estrangeiros.
O Esquerda.net e o Bloco de Esquerda endereçam sentidas condolências aos familiares, amigos e camaradas de João Cravinho e ao Partido Socialista.