Japão: do pânico ao caos do dia seguinte

12 de março 2011 - 11:34

A tragédia humana não tomou proporções maiores porque o tsunami não atingiu áreas densamente povoadas. Com a explosão na central nuclear de Fukushima, um desastre nuclear já ocorreu ou está a ocorrer. Relato do correspondente do Esquerda.net no Japão.

porTomi Mori

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Foto Cidade de Yamamoto, 11 Março 2011, LUSA/EPA/Kimimasa Mayama.

Tóquio – O pânico dominou o coração de milhões de japoneses e também estrangeiros numa grande área do arquipélago japonês quando o terramoto de magnitude 8.8 sacudiu a terra, casas, edifícios e tudo o que estava na superfície terrestre e marítima. Nas cenas divulgadas na televisão foi possível ver que, nos escritórios, as mulheres gritavam, os homens corriam, e nas lojas, também, mulheres e crianças gritavam em pânico ao ver as mercadorias caírem das prateleiras no que parecia ser o fim do mundo. Um amigo, que trabalhava no alto de um prédio, em Tóquio, contou-me que o edifício em frente balançava de um lado para o outro ameaçando tombar. O prédio onde estava tinha amortecedores e as gigantescas molas rangiam de maneira assustadora.

A energia da região metropolitana de Tóquio, coração do país, ficou cortada por várias horas e as únicas luzes acesas eram as dos edifícios mais modernos que possuem geradores de emergência. A interrupção da malha ferroviária foi extensa e atingiu várias províncias do país. Os trabalhadores não podiam voltar para casa e concentravam-se nas estações ou permaneciam nos seus locais de trabalho.

O terramoto e o tsunami foram devastadores nas províncias próximas ao epicentro, no Mar de Sanriku. As principais províncias atingidas foram Fukushima, Miyagi e Iwate. Na noite de sexta-feira, o número de mortos parecia ser pequeno dada a dimensão da tragédia.

O caos do dia seguinte

O período pós terramoto, ontem, foi enervante, já que os terramotos prosseguiram durante toda a noite. Após o stress do dia, cheguei à conclusão de que, na minha idade, não valia a pena preocupar-me se haveria outro da mesma proporção. Dormi profundamente, como não o fazia há vários dias.

Além do terramoto, vivemos o período da alergia do pólen do cedro japonês. Essa alergia é o resultado do desenvolvimento, que alterou o meio ambiente e afecta milhões de japoneses todos os anos. Ao acordar sentia dores de cabeça, que são raras na minha vida. Cheguei a pensar se a dor de cabeça era produto da alergia ou se se devia ao facto de o terramoto ter chocalhado, inclusive, o meu cérebro… 

Como faço todos os dias, dirigi-me à porta para recolher o jornal diário, em inglês, que assino. Ao contrário do que costuma ocorrer, ele não estava lá. Concluí, imediatamente, apenas por esse pequeno detalhe, que as coisas continuavam um pouco caóticas. Liguei o computador para obter mais informações.

Enquanto vasculhava vários sítios de notícias, o meu amigo Machan ligou a convidar-me para tomar café. Contou-me que o seu trabalho em Tóquio fora cancelado e estava de folga. Após tomar café e conversarmos sobre vários assuntos fomos comer comida okinawana. Já era quase 1h da tarde quando outro amigo ligou dizendo que só naquele momento havia conseguido chegar ao local de trabalho, mas o trabalho fora cancelado pelo caos no funcionamento das linhas de comboio, em Tóquio.

Em todos os locais, a única conversa era sobre o terramoto do dia anterior, cada um contando as suas sensações. Fui ao distribuidor de jornais para saber o que havia ocorrido com o meu exemplar. Ouvi a desculpa esfarrapada de que não havia dado tempo para ser embarcado e não havia chegado. Irá chegar amanhã, junto com o próximo jornal. Como precisava de notícias, deu-me um exemplar da edição em japonês.

As imagens de hoje, menos chocantes que as de ontem, permitem uma visão melhor da destruição causada. Este que vos escreve, há dois Invernos, passou alguns dias percorrendo a área costeira do Mar de Sanriku, epicentro do terramoto. Ao ver aquelas belíssimas paisagens, nunca poderia imaginar que, meses depois, seriam palco de uma das maiores tragédias japonesas. O Mar de Sanriku é conhecido pela sua beleza, pelo sabor dos seus peixes e frutos-do-mar. A população costeira vive, em grande parte, da pesca e das actividades derivadas. 

Uma das cidades afectadas, Kisennuma, era, até então, um local também de pesca predatória de tubarões. Em Kisennuma pescavam-se milhares de tubarões apenas para serem utilizadas as suas barbatanas, uma iguaria da cozinha chinesa e muita apreciada nas ilhas japonesas. Da minha parte, apesar de não nutrir simpatia pelos tubarões, tampouco sou a favor de que os matem, indiscriminadamente, apenas para arrancarem as suas barbatanas, deitando fora o resto do corpo. Uma atitude cruel, injusta e insensata, num mundo onde milhões passam fome. Mas essa é outra história. 

Uma parte das cidades e vilarejos de pescadores foram construídas numa estreita faixa de terra entre mar e montanhas. No noticiário de hoje, fiquei a saber que alguns vilarejos que percorri, que existiam até ontem, foram literalmente levados pelo furioso tsunami. 

Ao contrário do que parecia ser ontem, foi, sim, uma grande tragédia humana. Na localidade de Wakabayashi, na provincial de Miyagi, as informações da polícia apontam para duzentos ou trezentos mortos. Neste momento, as informações são de que quase quinhentas pessoas morreram e mais de setecentas se encontram desaparecidas. Alguns cadáveres estavam dentro dos carros. São vítimas que foram tragadas pelas águas, que levavam tudo no seu caminho: casas, barcos, carros, como se fossem folhas caídas de árvores. Não se sabe quantos barcos de pesca ficaram de pernas para o ar, tombados ou arrastados para terra firme ou, literalmente, afundados. Nas regiões atingidas pelo tsunami, quem não vive da actividade pesqueira vive da agricultura ou dos poucos empregos na área de serviços, poucas são as fábricas instaladas na região. Apesar de ser Inverno, o tsunami levou as instalações agrícolas encontradas no seu caminho.

A tragédia humana não tomou proporções maiores por não se tratar de áreas densamente povoadas, como a área de Kanto, onde está localizada Tóquio ou Yokohama.

Governo tem responsabilidade na tragédia

Baseado na minha experiência própria, estou convencido de que a tragédia não poderia ser evitada. Como impedir um terramoto de escala 8.8 aconteça? Obviamente, não é uma coisa possível. Mas a quantidade de mortos deixa-me convencido, também, que o governo e as autoridades locais não tomaram todas as medidas necessárias para minimizar a tragédia. 

Um dos indícios do que digo é que, na cidade onde moro, não houve nenhum aviso de que um tsunami se avizinhava, apesar de que todos o imaginavam.

Depois, pelo noticiário, fiquei a saber que na minha cidade, o tsunami foi de 1,6 metros. Numa situação em que as notícias alertavam para tsunamis de dez metros, o leitor me dirá que 1,6m não é coisa preocupante. Mas isso não é verdade. Imagine que uma parede de água dessa altura venha sobre você. Não há como escapar, ou há poucas hipóteses de escapar. Dois dias antes da tragédia, a região do Mar de Sanriku foi atingida por um terramoto de magnitude maior que sete. Mas isso não foi motivo suficiente para que tomassem as devidas precauções. O mais provável é que a população costeira, isolada completamente, não pôde conhecer a verdadeira força da tragédia que os atingiria. E as autoridades não efectuaram nenhuma evacuação preventiva, nem mesmo anunciaram nada do tipo. Em todas essas localidades existem microfones que anunciam o avizinhamento de tsunami. Mas, com a luz cortada, como aconteceu, esses auto-falantes funcionaram? Acredito que não. Dizer para alguém, no Inverno, deixar a sua confortável casa e refugiar-se nas montanhas é fácil. Mas para quem está no local dos acontecimentos, não parece ser uma medida razoável, principalmente no caso de não possuir informática nenhuma que o advirta do perigo iminente. 

Alguém poderá argumentar: quem manda morar num lugar desses? No fundo, há alguma lógica nesse argumento. Eu também penso que o sensato é não viver no Japão, país onde ocorrem alguns milhares de terramotos todos os anos. Assim como não é sensato viver aos pés do Vesúvio, na Itália, ou do vulcão Mayon, nas Filipinas, ou no deserto do Saara. Mas, ainda assim, é mais fácil falar do que tomar medidas concretas para evitar que os homens vivam em locais ou mesmo países onde não deveriam viver. Estamos a falar de uma sociedade futura, que não é a actual. Enquanto não chegamos ao futuro e temos de viver no presente, cabe às autoridades competentes tomar, com base no dinheiro que arrecadam da população, as medidas necessárias para amenizar tragédias, que, em muitos casos, são previamente anunciadas. 

As consequências

Ainda estamos a contabilizar as perdas, mas as consequências da tragédia ainda continuam. Milhares ou alguns milhões encontram-se desabrigados. É claro que o povo japonês tem grande nível de poupança, e a tragédia que atinge um japonês não é a mesma que atinge um filipino inundado pelas águas, em Manila, ou um birmanês em Myanmar. Uma parte da actividade pesqueira, um dos pilares económicos da região, foi literalmente tragada pelas águas, barcos e instalações industriais.

Segundo a JR, Japan Railways East Japan, 4 comboios das linhas costeiras estão desaparecidos e não se sabe a quantidade de passageiros no seu interior.

O governo anunciou, amenizando, que houve uma fuga numa das centrais nucleares, na província de Fukushima, mas ainda se discute quais as consequências disso.

No noticiário foi divulgada a possibilidade de racionamento da energia eléctrica, inclusive em Tóquio. E isso, claro, tem consequências económicas sérias num país que continua patinando e em decadência. Neste momento, ainda não é possível ter a dimensão completa da tragédia, que, sem dúvida, foi bem grande.

Desastre nuclear no Japão

Desde o terremoto de ontem, as autoridades governamentais tentavam minimizar a possibilidade de um desastre nuclear na província de Fukushima, uma das principais atingidas pelo terramoto.

Os factos: houve uma explosão este sábado. Tratando-se de uma central nuclear, o nome óbvio que podemos dar a isso é “desastre”, numa central nuclear, por consequência, “desastre nuclear”. 

A crise: a operadora da central onde ocorreu a explosão, a Tokyo Electricidade, não tem uma explicação para a explosão e afirma estar a analisar os motivos. Convenhamos, uma explosão numa central nuclear não é uma coisa que possa ocorrer. E mais do que isso, após ocorrer, os responsáveis não podem dizer que não sabem os motivos. 

A Tokyo Electricidade é uma empresa pela qual tenho grande respeito. Trabalhei em algumas ocasiões no seu interior e conheço o alto grau de profissionalismo e segurança que faz parte de seu dia-a-dia, mas acho que no que diz respeito às centrais nucleares, ela tomou riscos de maneira irresponsável. Acham que as centrais nucleares japonesas são seguras? Eu penso que não. Já houve antecedentes e agora este caso é bastante grave. O facto de não ter explicações para uma explosão que ocorre sobre a sua responsabilidade demonstra que a empresa perdeu completamente o controle da situação. 

As últimas notícias dizem que as coisas podem evoluir, e o pior cenário é a ocorrência de uma explosão. Não estamos aqui para fazer alarmismo, mas para procurar encontrar lógica numa situação caótica, que é a que vive a população em volta do reactor. 

O governo havia ordenado a evacuação num raio de 10 Km. Agora ordenou a evacuação para um raio de 20 Km. Então, pergunto: Por que 10Km, 20 Km e por que não 50Km ou mesmo 500 Km? Decidem estas distâncias com base em quê? Tanto a Tokyo Electricidade quanto o governo, não sabem, literalmente, o que ocorre na central…

O centro da discussão não é a existência de um desastre nuclear. Ele já ocorreu ou está a ocorrer. O que estamos a discutir agora são as proporções que este irá tomar e a quantidade de pessoas que já foram e serão afectadas por essa irresponsabilidade.



 

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Tomi Mori