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Índia proíbe exportações de trigo, aumentam receios de crise alimentar global

Na passada sexta-feira, a Direção-Geral de Comércio Externo da Índia divulgou através de comunicado que "a política de exportação de trigo está proibida com efeito imediato". Sublinhou, contudo, que irá garantir a continuação em casos "para os quais já foram emitidas uma carta de crédito irrevogável" e que manterá uma licença especial de exportação para países que correm o risco de sofrer com a escassez de alimentos.
Este anúncio é particularmente alarmante no contextto das lacunas no mercado mundial alimentar devido ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia. No seu conjunto os dois países representavam cerca de 30% das exportações mundiais de trigo e assumiam igualmente um papel relevante para outros bens alimentares como sementes de girassol, milho e cevada, bem como na exportação de fertilizantes.
A guerra, pelas dificuldades de produção e distribuição que impôs a ambos, aumentou os preços de bens alimentares essenciais. Desde o início da invasão que se teme uma crise alimentar, particularmente grave nos países em desenvolvimento que importem da Rússia ou Ucrânia.
A Índia preenchia até agora as falhas no mercado alimentar internacional
A Índia, por ser o segundo maior produtor de trigo, tem assegurado parte das necessidades entretanto criadas. O Ministério do Comércio indiano estima que anualmente colha cerca de 107 milhões de toneladas, o que representa 13,5% da produção mundial. No último ano fiscal 2021-2022, exportou sete milhões de toneladas deste cereal, no valor de mais de 2.000 milhões de dólares.
No entanto, pelo aumento do custo do trigo, bem como o de outros alimentos e do petróleo, a Índia registou um nível de inflação de 7,79% em abril, o mais alto desde 2014. Este mês, o Banco Central da Índia aumentou as taxas de juro pela primeira vez em quatro anos. Para além disso, as colheitas foram afetadas nas últimas semanas por várias ondas de calor severas, reduzindo o seu rendimento, e uma parte substancial do que produz de trigo é destinado a consumo interno. Por tudo isto, o governo indiano decidiu banir as exportações.
Esta segunda-feira, após este anúncio, o preço do trigo aumentou quase 6% nos mercados de contratos futuros, atingindo o valor mais alto nos últimos dois meses. Este ano o preço já aumentou mais de 60%. (Para uma breve explicação como os preços das matérias primas alimentares são estabelecidas em bolsa ler aqui e para o impacto da especulação financeira no agravamento de crises alimentares ver aqui).
Países exportadores alimentares adotam políticas protecionistas
A decisão do governo indiano parece ter chocado os mercados. No entanto, não foi a primeira política protecionista tomada recentemente por países exportadores de matéria-prima alimentar. Por exemplo, no final mês passado, a Indonésia, o maior produtor mundial de óleo de palma, anunciou o fim da exportação deste bem.
O Financial Times mostrou recentemente que as restrições deste género, onde se incluem impostos, tarifas aduaneiras ou cotas de exportação, são equiparáveis ao que se verificou aquando da crise alimentar de 2007-08. O think-tank International Food Policy Research Institute (IFPRI) regista que, desde o início do conflito, a percentagem de comércio internacional alimentar, medido em calorias, que foi afetado por este tipo de medidas foi 17%.
FAO e G7 reagem a anúncio da Índia
O Diretor Geral da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO, na sigla em inglês), Qu Dongyu, reuniu no sábado com os ministros da Agricultura do G7 para discutir estes eventos recentes. A FAO defende uma maior transparência no mercado internacional de matérias primas alimentares e que seja criado um mecanismo de financiamento de importação de bens alimentares para países em desenvolvimento que sejam particularmente afetados.
Annalena Baerbock, ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, após a conferência de três dias de ministros do G7 em que a crise alimentar foi discutida, apelou a que novas rotas de exportação fossem encontradas. Muitos dos cereais produzidos na Ucrânia continuam bloqueados e não aproveitados.
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