Num artigo publicado este sábado, o The Guardian refere que, em Portugal, “a tentativa de atrair dinheiro estrangeiro saiu pela culatra com o mercado de arrendamento a ficar 'louco'”.
O jornal britânico avança com vários exemplos de famílias que vivem “uma agonia mensal na hora de pagar as despesas” com a habitação. Esse é o caso de Margarida Custódio, com uma filha de três anos, que, apesar de ter “um bom emprego em recursos humanos”, çom um salário de 930 euros mensais, paga 700 euros de renda. “Aqui gastamos quase 90% do salário mensalmente com renda (…) O que sobrar vai para gás, água, eletricidade e comida. É como viver no limite”, explicou Margarida Custódio ao The Guardian.
No artigo temos ainda contacto com a realidade dos despejos, como acontece no Bairro da Jamaica, identificada como uma “urbanização degradada da cidade do Seixal”, onde Lizandro Batista de Sousa Pontes, que veio de São Tomé e Príncipe no final dos anos 90, e os seus filhos lutam pelo direito à Habitação, enfrentando a autarquia.
“Custódio e de Sousa Pontes sabem muito bem como é viver num país que escapou por pouco da crise financeira de 2008 apenas para rastejar, exausto, para as garras de uma crise imobiliária resultante”, assinala o jornal britânico, que destaca como a “recuperação económica de Portugal, alimentada pela desregulamentação e uma série de esquemas destinados a atrair investimento estrangeiro, distorceu o mercado imobiliário de forma irreconhecível num país onde o salário mínimo mensal é de 760 euros e onde 50% das pessoas ganham menos de 1.000 euros por mês”.
A liberalização do mercado de arrendamento, os vistos gold, o regime de residência não habitual, os visto de nómada digital, o alojamento local, todos eles são identificados como estando na origem do problema.
E, de acordo com o The Guardian, “a crise que agora se desenrola em Lisboa, no Porto e noutras cidades portuguesas não foi propriamente inesperada”, na medida em que, há seis anos, o relator especial da ONU para a habitação alertou que a “turistificação desenfreada” prejudicaria o direito à habitação dos portugueses mais vulneráveis e previu que a degradação da habitação e das condições de vida levaria ao surgimento de “novos pobres”.
Agustín Cocola-Gant, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, realçou que “a situação é louca” e “afeta a todos agora – não apenas a população vulnerável”. “Algumas famílias não estão a mandar os seus filhos para a universidade porque não podem pagar-lhes um quarto, e jovens profissionais que ganham 1.000 euros por mês – que é o salário médio – estão a concluir que é impossível viver”, referiu.
A ativista pelo direito à Habitação Rita Silva alertou que “o mercado tornou-se descontextualizado na medida em que é um mercado que já não está virado para as pessoas que vivem e trabalham em Portugal. É um mercado que, mediante as políticas do governo, está voltado para o investimento estrangeiro”.
Mesmo quem vem para Portugal beneficiar das medidas do Governo reconhece os seus efeitos perversos.
O engenheiro francês Baptiste Cumin, de 26 anos, mudou-se para Lisboa com a namorada. “Antes, as pessoas gentrificavam bairros. Agora, com o trabalho remoto, gentrificam-se os países”, assume.
Iva Divic-Baetens, uma consultora de marketing freelance da Croácia que está em Lisboa desde maio passado, assinalou que “existe uma enorme discrepância entre o que os portugueses podem pagar” e o que ela e outros estrangeiros podem pagar. “Talvez sejamos um problema neste momento, mas acho que podemos encontrar uma solução, e acho que o governo está a fazer um péssimo trabalho ao não impor um limite ao mercado”.
As reivindicações de ativistas e moradores são claras, e passam por medidas como a imposição de tetos e regulamentação de rendas, travão a grandes aumentos nas taxas de juros, disponibilização das casas vazias, suspensão dos despejos.
“Não acho que o que estamos a pedir seja impossível, radical ou irreal. Estamos apenas a pedir coisas que ajudariam a resolver a crise imobiliária”, frisou Rita Silva.
Margarida Custódio é perentória ao afirmar que “o problema é que não dá para resolver o problema com medidas como essas do governo”. "Precisa de ser resolvido estruturalmente, caso contrário, apenas colocamos um curativo numa ferida aberta", alertou.
Lizandro Batista de Sousa Pontes só deixou um pedido: “Tudo o que peço é para ser tratado como um cidadão normal, ter os mesmos direitos que todos os outros e ter um lugar decente para morar”.