O “policy paper” A crise da habitação nas grandes cidades – uma análise, da autoria de Rita Fradique Lourenço, Hugo de Almeida Vilares e Paulo Rodrigues, refere que o aumento dos preços das casas em Portugal a partir de 2017 traduziu-se numa “deterioração na acessibilidade ao mercado de habitação, tanto na aquisição como no arrendamento, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”.
No documento é assinalado que as famílias se veem obrigadas a gastar uma maior percentagem do seu rendimento para comprar ou alugar uma casa. Nomeadamente, “o rendimento necessário para adquirir uma habitação mediana aumentou consideravelmente nos últimos anos”, escrevem os autores.
De acordo com o “policy paper” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o próprio capital inicial que é necessário dar de “entrada” aumentou, para uma casa mediana, de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022.
Os autores avançam que, “além do agravamento dos requisitos de rendimento, em muitos casos as poupanças necessárias para aquisição duplicaram, exigindo um esforço de vários anos para acumular capital; as próprias avaliações bancárias, mais prudentes, impactam decisivamente nesses valores”.
O retrato traçado é preocupante: “Hoje, um jovem (ou casal), para adquirir ou arrendar casa, tem de estar inserido com muito sucesso no mercado de trabalho; no caso de aquisição, tem de ser capaz de acumular poupanças a um ritmo acelerado, ou obter financiamento particular, muitas vezes proveniente do seu contexto familiar”, lê-se no estudo.
Mas a degradação da acessibilidade à habitação no caso de agregados familiares com apenas um sujeito ativo, onde se incluem as famílias monoparentais, é ainda mais gravosa. Rita Fradique Lourenço, Hugo de Almeida Vilares e Paulo Rodrigues alertam que “temos hoje uma realidade de quase impossibilidade de acesso tanto ao arrendamento como à aquisição, para grande parte da população em toda a extensão das áreas metropolitanas”.
E o futuro não é auspicioso, já que, conforme destacam os autores, "no imediato, é provável que a situação se continue a degradar".
AIL pede travão para rendas de 2024
Em comunicado, a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL) expressa a sua preocupação face à expectável atualização das rendas em 7% ou mais em 2024, “valor que os representantes dos senhorios já vieram reclamar”.
A AIL defende que “não é aceitável atualizar as rendas em 7% ou aproximado”.
No documento, os representantes dos inquilinos lembram que “a taxa de esforço das rendas, em termos médios, é superior a 40%, mesmo nos contratos antigos, porquanto os respetivos inquilinos têm, em regra, rendimentos reduzidos”. E frisam que “haverá ainda que ter em conta a enorme especulação nos valores de arrendamento praticados no mercado livre, já em situação de sobreaquecimento há pelo menos uma década, pelo que não é aceitável que as rendas dos contratos mais recentes - os celebrados em 2023 – sejam atualizadas”.
Acresce que, conforme enfatiza a AIL, “mesmo com a taxa de inflação a decrescer um pouco, continuam a verificar-se aumentos significativos em diversos bens e serviços de primeira necessidade, bem como as dificuldades crescentes de muitas famílias em satisfazer compromissos, incluindo as rendas e prestações aos bancos, em adquirirem os bens necessários e suficientes, designadamente para a sua alimentação, e o crescente número de famílias que recorrem aos apoios sociais”.
Neste contexto, a AIL exorta o Governo a ter em conta todos estes fatores para decidir um “coeficiente razoável e suportável”. O valor a ser aplicado deve, nesse sentido, estar em linha “não com a inflação registada mas, por um lado, em linha com as atualizações das pensões e salários e, por outro, considerar a necessidade de garantir às famílias a disponibilidade suficiente para satisfazer os seus compromissos com a habitação e adquirirem os outros bens e serviços indispensáveis”, consideram os inquilinos.
A AIL insiste também na necessidade de, no Orçamento do Estado para 2024, se atualizarem as deduções de todas as rendas habitacionais, independentemente do ano da celebração do contrato ou do valor da renda, em sede de IRS.
Em vez dos ”insuficientes e parcos 15% e o limite de 502,00 euros na dedução atual”, a AIL propõe que “se atualize a dedução para 20% com o limite de 2 vezes o IAS-Indexante dos Apoio Sociais (2x480,43 euros em 2023), no mínimo”.
“Não cremos que esta medida seja incomportável para as finanças públicas. Inclusivamente pode ser um incentivo ao arrendamento bem como, decerto, poderá também contribuir para a redução da informalidade e clandestinidade que grassa neste ‘desregulado e selvático mercado de arrendamento’”, escreve a AIL.
Para a Associação não é concebível que os múltiplos incentivos e benefícios fiscais sejam apenas concedidos à propriedade e aos senhorios, bem como a estrangeiros. “Os inquilinos em Portugal também devem ter direito e acesso a incentivos e benefícios”, remata.