"Não esperávamos sobreviver naquele dia. "Quando nos puserem naquela lancha insuflável, fizeram-no sem nenhuma piedade", contou Aden, uma das requerentes de asilo que aparece nos vídeos publicados pelo New York Times e que o jornal encontrou semanas mais tarde num centro de detenção em Izmir, na Turquia.
Aquele dia foi a 11 de abril, pouco depois de terem chegado em botes de contrabandistas a Lesbos e passarem a noite escondidos no mato. Alguns vieram da Somália, Etiópia e da Eritreia a fugir da guerra e passaram pelo menos um ano na Turquia a tentar conseguir dinheiro para pagar a passagem para a Grécia e pedir asilo na União Europeia. Foram apanhados por homens mascarados que lhes disseram trabalhar para os Médicos Sem Fronteiras e que lhes roubaram todos os pertences. Em seguida foram postos numa carrinha branca, que as imagens mostram a chegar à beira-mar e de onde saem para entrar numa lancha a motor. É nessa lancha que se fazem ao mar e depois são transferidos para um barco da Guarda costeira grega. Este prossegue viagem até ao limite das águas territoriais, onde são obrigados a entrar num bote sem motor e aí deixados à deriva.
Segundo o jornal, poucas horas depois chegaram dois barcos da patrulha turca, avisados pelos congéneres gregos da presença da embarcação. A viagem termina de regresso à Turquia, ao centro de detenção onde ainda se encontram.
A prática ilegal das devoluções a quente (pushbacks) em alto mar por parte da guarda costeira grega já era bem conhecida, mas esta é a primeira vez que se documenta essa prática quando os refugiados já estão em solo da União Europeia, tendo por isso o direito a requerer asilo.
Questionada sobre estas imagens, a Comissão Europeia diz ter ficado "preocupada" com o que viu e que iria pedir explicações às autoridades gregas. A Grécia "deve respeitar plenamente as obrigações decorrentes das regras de asilo da UE e do direito internacional, incluindo a garantia de acesso ao procedimento de asilo", afirmou ao New York Times Anitta Hipper, porta-voz da Comissão Europeia para a migração.
O Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados lembrou esta sexta-feira que o primeiro-ministro grego e candidato às legislativas deste domingo, Kyriakos Mitsotakis, foi esta semana fazer campanha a Lesbos e afirmar-se "excecionalmente orgulhoso" quando à sua política "firme mas justa" quanto à migração. "Protegemos as fronteiras do nosso pais por terra e por mar e reduzimos as chegadas ilegais", disse o líder da Nova Democracia, comparando as 11 mil pessoas que chegaram a Lesbos desde que o seu governo tomou posse em 2019 com as "640 mil durante os governos do Syriza".
Nas redes sociais, a jornalista Matina Stevis-Gridneff, uma das autora da reportagem, conta como foi o processo de verificação destes relatos.
On April 13th I got an email from a stranger, @FayadMulla
He was on Lesbos & had footage from 2 days prior showing migrants getting rounded up on land & ditched in the Aegean by the coast guard
Did I want to see it?
If you think the answer was an easy "yes," you're wrong.— Matina Stevis-Gridneff (@MatinaStevis) May 19, 2023