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Governo italiano dificultou acesso ao aborto diz Human Rights Watch

A ONG diz que a inação governamental aumentou os obstáculos já existentes no país à interrupção voluntária da gravidez “colocando a saúde e vida” de muitas mulheres em causa.
Cartaz afixado em Bolonha a exigir a alteração da lei do aborto italiana. Foto de Comune di Bologna Rete Civica Iperbole/Flickr.
Cartaz afixado em Bolonha a exigir a alteração da lei do aborto italiana. Foto de Comune di Bologna Rete Civica Iperbole/Flickr.

Num texto publicado na sua página de internet esta quinta-feira, a Human Rights Watch considerou que “o fracasso do Governo em garantir vias para assegurar cuidados médicos essenciais e sensíveis durante a pandemia causou interrupções nos serviços de aborto e impediu algumas mulheres de realizarem o aborto dentro do prazo legal, exacerbando as antigas barreiras ao aborto legal e seguro em Itália”.

A ONG classifica o sistema italiano de acesso à interrupção voluntária da gravidez como “labiríntico” e com “restrições desajustadas”. Com a pandemia, os problemas acentuaram-se e as restrições “causaram danos, em vez de fornecerem proteção”. Assim, os obstáculos “para aceder a cuidados de saúde sexual e reprodutiva de que precisavam durante um período de crise” tornaram-se “ às vezes insuperáveis ", destaca Hillary Margolis, investigadora sénior da organização.

Em Itália, o aborto é legal por razões de saúde, económicas, sociais ou pessoais nos primeiros 90 dias mas para aceder persistem “requisitos onerosos e o uso alargado de 'objeções de consciência' por parte do pessoal médico” que deixam mulheres adultas e adolescentes “em dificuldades para encontrarem serviços dentro do prazo legal”. Estas dificuldades são contornadas, por quem pode, através de acesso a serviços no estrangeiro. Também aí a pandemia não ajudou com a proibição de viagens.

Para além disso, muitas unidades de saúde suspenderam os serviços de aborto ou transferiram equipas de ginecologia no pior período da propagação da covid-19 no país.

A Human Rights Watch chegou a estas conclusões depois de entrevistar 17 médicos, académicos e ativistas dos direitos das mulheres e cinco mulheres que contactaram o sistema de saúde a este propósito.

Os resultados foram enviados ao ministério da Saúde italiano que declinou comentar. A ONG internacional sublinha que o governo italiano não declarou imediatamente o aborto como cuidado de saúde essencial durante a pandemia. Apenas a 30 de março emitiu um parecer a dizer que estes serviços não podiam ser adiados. E, ainda assim, foram vários os hospitais e clínicas que não seguiram estas orientações. Com a confusão instalada, a informação sobre os serviços disponíveis escasseou.

Uma das mulheres entrevistadas pela HRW disse que começou a entrar em pânico porque não sabia onde dirigir-se, dado que foi enviada de unidade de saúde para unidade de saúde que lhes iam negando sucessivamente o procedimento clínico. “O Estado italiano fechou-me a porta na cara”, declarou.

A HRW também refere que o sistema italiano exige demasiadas visitas aos hospitais e mesmo internamento, o que criou dificuldades agravadas no meio da situação pandémica. O aborto por via medicamentosa, que só é legal até às sete semanas de gravidez, “quando algumas mulheres podem ainda nem saber se estão grávidas”, exige três dias de internamento. Quanto ao aborto cirúrgico, apenas cinco em vinte regiões o permitem em pacientes externas. Sobre isto, a HRW insta o governo italiano a seguir as indicações da Organização Mundial de Saúde que aconselha o aumento do prazo do aborto legal para as 12 semanas e a eliminação da hospitalização obrigatória.
A organização também insiste ser necessário ao Estado assegurar que as regiões cumprem as suas obrigações legais de forma a que a “objeção de consciência” não impeça o acesso ao aborto seguro.

É por isso que Margolis diz que a pandemia apenas trouxe para a ribalta “o que as mulheres e raparigas de Itália já sabiam há muito: a lei diz que podem ter um aborto seguro e legal mas, na realidade, enfrentam obstáculos a cada momento”. O sucedido, pensa, “deve ser uma chamada de atenção de que, com crise ou sem ela, proteger os direitos reprodutivos não é opcional.”

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