O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, confirmou esta terça-feira que vai apresentar no próximo Conselho de Ministros um pedido para a dissolução da organização ecologista Soulèvements de la Terre.
A decisão é tudo menos surpreendente. A ameaça pairava desde o final de março, após as manifestações em Sainte-Soline contra as megabacias para a agricultura intensiva, que o Governo tentou impedir.
No outono passado, pelas ações de desobediência civil contra estas bacias, o nome do grupo tinha irrompido na esfera mediática. E o Governo encontrou então um alvo para o seu discurso sobre os “eco-terroristas”.
Detenções por causa de ação contra a poluição de uma cimenteira
Também esta terça-feira foi desencadeada uma intervenção pela Sub-Direção Anti-Terrorista das autoridades francesas contra ambientalistas no âmbito da qual várias pessoas foram interrogadas e sete detidas. Em causa está uma ação em 20 de dezembro passado contra a cimenteira Lafarge de Bouc-Bel-Air (em Bouches-du-Rhône) durante a qual 200 ativistas pararam a produção. Duas semanas antes, e pelo mesmo motivo, a polícia também tinha detido e interrogado cerca de 15 outras pessoas.
Os ativistas são acusados de “degradação em bando organizado perigoso”, "degradação em reunião” e “associação de malfeitores”. O Soulèvements de la Terre tinha apoiado publicamente a ação. Em comunicado, confirmou que foram sabotadas as infraestruturas da incineradora, rasgadas paletes de cimento e desativadas máquinas. Acusaram a empresa de produzir poluição atmosférica “considerável” que já tinha sido “várias vezes denunciada pela imprensa e pelos habitantes locais”.
Ao Libération, Basile Dutêrtre, do Soulèvements de la Terre, diz que “a detenção de um porta-voz do movimento, na véspera da divulgação mediática da sua dissolução, é uma tentativa de silenciar” esta luta. Referia-se em particular a um dos detidos, Benoît Feuillu, que também dá a cara pela organização. O ativista critica a repressão e retórica do ministro sobre os “eco-terroristas” mas pensa que, ao contrário de acabar, o movimento se pode “multiplicar” ao ser proibido.
Sobre estas prisões, Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, escreveu na sua conta de Twitter que “a urgência ecológica deve ser compreendida” e que estes ativistas “devem ser escutados” e “não reprimidos como terroristas que não são”.
Les militants des Soulèvements de la Terre doivent être écoutés. Pas réprimés comme des terroristes qu'ils ne sont pas. L'urgence écologique doit être comprise.https://t.co/XnwJNxCdsz
— Jean-Luc Mélenchon (@JLMelenchon) June 20, 2023
Soulèvements de la Terre?
De facto, a “dissolução” enfrenta a dificuldade de este não ser um grupo formalmente constituído e de não ter estruturas fixadas mas ser mais um “grupo de grupos”. O apelo “Nós Somos o Soulèvements de la Terre”, lançado na sequência da ameaça de dissolução, obteve mais de 108.000 assinaturas. Nele se pode ler a mesma convicção de que “nada parará aquelas e aqueles que se levantam contra a injustiça flagrante no momento em que o aquecimento climático se acelera, em que a agro-indústria e os lóbis se apropriam da água e das terras”.
NOUS SOMMES TOUTES ET TOUS LES SOULÈVEMENTS DE LA TERRE
L'offensive gravissime se concrétise, sur le plan policier et politique. Ce mardi matin, une opération de grande ampleur menée par la police anti-terroriste a frappé le mouvement écologiste sur tout le territoire. pic.twitter.com/64HnpI2hjp
— Contre Attaque (@ContreAttaque_) June 20, 2023
Na sua conta do Twitter, o movimento diz igualmente que irá contestar na justiça a dissolução e que acredita numa vitória “como foi o caso noutras dissoluções por motivos políticos nos últimos anos”. Informa-se ainda que haverá manifestações em vários locais esta quarta-feira às 21 horas.
Nous préparons notre défense contre la dissolution, loin des épouvantails créés par la com gouvernementale
Nous irons devant la justice et croyons dans la possibilité d'une victoire, comme ce fut le cas pour d'autres dissolutions pour motif politique des dernières années ! https://t.co/gW1KsXTwOK
— Les Soulèvements de la Terre (@lessoulevements) June 20, 2023
Este movimento existe desde janeiro de 2021, altura em que foi fundado por ativistas que participaram na mobilização contra a construção do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes. Então definiu-se como uma “coligação de dezenas de associações locais, coletivos de agricultos, secções sindicais e ONG em todo o país” e um apelo inicial obteve assinaturas de investigadores, escritores, artistas e ativistas.
O grupo mostrava-se contra a apropriação de terras, o agro-negócio, a betonização, as “mega-bacias”, a construção de algumas auto-estradas e a ligação ferroviária de alta velocidade Lyon-Turim.
Vincando o princípio da desobediência civil e da ação direta contra a poluição e os grandes interesses que colocam em causa o ambiente, os seus ativistas participaram em múltiplas ações por todo o país. A que despertou o interesse mediático foi a manifestação de outubro de 2022 contra a megabacia de Sainte-Soline, tornando-se a partir de então um fenómeno nacional.