Governo francês avança para dissolução de movimento de defesa do ambiente

20 de junho 2023 - 22:47

O ministro do Interior francês anunciou que a dissolução do grupo que se tornou conhecido na mobilização contra as megabacias para a agricultura intensiva vai ser feita no próximo Conselho de Ministros. Várias pessoas foram detidas para interrogatórios. Os ecologistas prometem continuar a luta.

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Ação com a participação de ativistas dos Les Soulèvements de la Terre.

O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, confirmou esta terça-feira que vai apresentar no próximo Conselho de Ministros um pedido para a dissolução da organização ecologista Soulèvements de la Terre.

A decisão é tudo menos surpreendente. A ameaça pairava desde o final de março, após as manifestações em Sainte-Soline contra as megabacias para a agricultura intensiva, que o Governo tentou impedir.

No outono passado, pelas ações de desobediência civil contra estas bacias, o nome do grupo tinha irrompido na esfera mediática. E o Governo encontrou então um alvo para o seu discurso sobre os “eco-terroristas”.

Detenções por causa de ação contra a poluição de uma cimenteira

Também esta terça-feira foi desencadeada uma intervenção pela Sub-Direção Anti-Terrorista das autoridades francesas contra ambientalistas no âmbito da qual várias pessoas foram interrogadas e sete detidas. Em causa está uma ação em 20 de dezembro passado contra a cimenteira Lafarge de Bouc-Bel-Air (em Bouches-du-Rhône) durante a qual 200 ativistas pararam a produção. Duas semanas antes, e pelo mesmo motivo, a polícia também tinha detido e interrogado cerca de 15 outras pessoas.

Os ativistas são acusados de “degradação em bando organizado perigoso”, "degradação em reunião” e “associação de malfeitores”. O Soulèvements de la Terre tinha apoiado publicamente a ação. Em comunicado, confirmou que foram sabotadas as infraestruturas da incineradora, rasgadas paletes de cimento e desativadas máquinas. Acusaram a empresa de produzir poluição atmosférica “considerável” que já tinha sido “várias vezes denunciada pela imprensa e pelos habitantes locais”.

Ao Libération, Basile Dutêrtre, do Soulèvements de la Terre, diz que “a detenção de um porta-voz do movimento, na véspera da divulgação mediática da sua dissolução, é uma tentativa de silenciar” esta luta. Referia-se em particular a um dos detidos, Benoît Feuillu, que também dá a cara pela organização. O ativista critica a repressão e retórica do ministro sobre os “eco-terroristas” mas pensa que, ao contrário de acabar, o movimento se pode “multiplicar” ao ser proibido.

Sobre estas prisões, Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, escreveu na sua conta de Twitter que “a urgência ecológica deve ser compreendida” e que estes ativistas “devem ser escutados” e “não reprimidos como terroristas que não são”.

Soulèvements de la Terre?

De facto, a “dissolução” enfrenta a dificuldade de este não ser um grupo formalmente constituído e de não ter estruturas fixadas mas ser mais um “grupo de grupos”. O apelo “Nós Somos o Soulèvements de la Terre”, lançado na sequência da ameaça de dissolução, obteve mais de 108.000 assinaturas. Nele se pode ler a mesma convicção de que “nada parará aquelas e aqueles que se levantam contra a injustiça flagrante no momento em que o aquecimento climático se acelera, em que a agro-indústria e os lóbis se apropriam da água e das terras”.

Na sua conta do Twitter, o movimento diz igualmente que irá contestar na justiça a dissolução e que acredita numa vitória “como foi o caso noutras dissoluções por motivos políticos nos últimos anos”. Informa-se ainda que haverá manifestações em vários locais esta quarta-feira às 21 horas.

Este movimento existe desde janeiro de 2021, altura em que foi fundado por ativistas que participaram na mobilização contra a construção do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes. Então definiu-se como uma “coligação de dezenas de associações locais, coletivos de agricultos, secções sindicais e ONG em todo o país” e um apelo inicial obteve assinaturas de investigadores, escritores, artistas e ativistas.

O grupo mostrava-se contra a apropriação de terras, o agro-negócio, a betonização, as “mega-bacias”, a construção de algumas auto-estradas e a ligação ferroviária de alta velocidade Lyon-Turim.

Vincando o princípio da desobediência civil e da ação direta contra a poluição e os grandes interesses que colocam em causa o ambiente, os seus ativistas participaram em múltiplas ações por todo o país. A que despertou o interesse mediático foi a manifestação de outubro de 2022 contra a megabacia de Sainte-Soline, tornando-se a partir de então um fenómeno nacional.