“Megabacias”: em França ambientalistas revoltam-se, o governo chama-lhes “ecoterroristas”

01 de novembro 2022 - 18:25

O agro-negócio aposta em apropriar-se da água dos lençóis freáticos e armazená-la em enormes crateras plastificadas. Ambientalistas, sindicalistas, pequenos agricultores e a esquerda denunciam uma apropriação ilegítima para um modelo económico prejudicial ao ambiente. Em Sainte-Soline entraram numa destas estruturas.

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Manifestantes contra as "megabacias". Foto do Twitter de Manon Meunier.
Manifestantes contra as "megabacias". Foto do Twitter de Manon Meunier.

As “megabacias” são grandes reservatórios de água para ser usada na agro-indústria. Estão a ser lançadas por grupos de grandes agricultores, com o pano de fundo da seca, e com subvenção estatal a 70%. Estarão previstas quase uma centena nos próximos três anos, em todo o país, na região do Marais Poitevin serão pelo menos 16 a avançar e criarão crateras plastificadas de entre cinco a 16 hectares para manter uma irrigação intensiva.

Contra elas, ambientalistas, sindicalistas e grupos de esquerda juntaram-se no movimento Bassines Non Merci. Dizem tratar-se de uma apropriação ilegítima da água que está nos lençóis freáticos e será bombeada para os campos da agro-indústria, nomeadamente as grandes explorações de cereais. Ao invés, defendem uma partilha deste bem comum essencial e a promoção da agroecologia. Já em novembro passado, mais de duzentas pessoas, entre responsáveis políticos, associativos, sindicais, do movimento de camponeses, cientistas e artistas, entre outros, tinham assinado no Le Monde uma tribuna coletiva em que consideravam estes projetos “aberrantes”, “símbolo de um modelo nefasto”, e apelavam ao seu término.

Este sábado em Sainte-Soline (Deux-Sèvres), apesar da proibição da prefeitura local e das estradas bloqueadas pelas autoridades, vários milhares de pessoas juntaram-se numa manifestação para tentar impedir o avanço de uma delas, seguindo a convocatória de 150 organizações. A intervenção policial causou cinquenta feridos entre os manifestantes, o Ministério do Interior francês fez saber que cerca de 60 polícias ficaram feridos. E o ministro do Interior, Gérald Darmanin, optou pela estigmatização do movimento, chamando aos manifestantes “ecoterroristas” ligados à “ultra-esquerda e classificando a sua ação como “extremamente violenta”.

Mas os manifestantes não desmobilizaram face às barreiras policiais e a todo o arsenal contra eles lançado que incluiu ataques com gás lacrimogéneo, bombas sonoras, as chamadas “granadas de desencarceramento” e os tiros das armas “LBD”. E conseguiram mesmo entrar no local em que se estava a construir a obra de 16 hectares, ou seja a dimensão de 22 campos de futebol, a maior estrutura deste género na região. Perto, montaram uma base num terreno oferecido por um agricultor que se opõe aos mega-reservatórios, um acampamento com centenas de tendas onde têm havido concertos, debates e assembleias. E dizem que estão para ficar.

Várias ações no terreno continuam entre manifestações e ação direta. No domingo, foi desmantelada uma parte da canalização destinada a bombear 720.000 metros cúbicos de água, o correspondente a cerca de 260 piscinas olímpicas, dos lençóis freáticos da região. E foi construída uma torre de vigia para observar o andamento dos trabalhos.

Os ambientalistas sublinham que a megabacia de Sainte-Soline beneficiará apenas doze grandes explorações agrícolas. E Nicolas Girod, porta-voz da Confédération paysanne, Nicolas Girod, explica que as megabacias “são instrumentos da agro-indústria” que fazem “desaparecer” os pequenos agricultores. Para além disso, “bombear uma água que conseguiu infiltrar-se no solo não faz sentido do ponto de vista ecológico. O que é preciso é sair das práticas de monocultura intensiva e encontrar solo que não sejam estéreis”, diz ao Mediapart.

Do lado político, a deputada dos verdes, Lisa Belluco também marcou presença para denunciar “uma agricultura destruidora da fauna e da flora” e um “sistema que não pode funcionar num contexto de alterações climáticas”. Manon Meunier, da França Insubmissa, diz que estamos num momento em que “é preciso investir na transição agro-ecológica, numa agricultura que seja intensiva em empregos”. NPA, e sindicalistas da CGT et Solidaires marcaram também presença, frisa aquele órgão de comunicação social. Isto não quer dizer que a questão seja consensual à esquerda. Um dos defensores dos grandes reservatórios continua a ser o socialista Alain Rousset, presidente do conselho regional da Nouvelle-Aquitaine.