Crimes de guerra

Governo francês admite “imunidade” a Netanyahu, esquerda diz que é “impunidade”

28 de novembro 2024 - 22:06

A diplomacia francesa admitiu que o primeiro-ministro israelita acusado de crimes de guerra beneficiará de imunidade caso visite o país. Associações apresentam queixa por cumplicidade com o genocídio contra responsáveis de dois grupos que bloquearam entrega de ajuda humanitária a Gaza.

PARTILHAR
Macron e Netanyahu no Eliseu
Macron e Netanyahu no Eliseu em 2017. Foto Haim Zach/PM Israel

Num comunicado divulgado esta quarta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês afirma que a França respeitará as suas obrigações internacionais, mas ressalva que Netanyahu e o seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant beneficiam de imunidade devido ao facto de Israel não ter aderido ao Tribunal Penal Internacional (TPI). “Estas imunidades aplicam-se ao Primeiro-Ministro Netanyahu e aos outros ministros em causa e terão de ser tidas em conta se o TPI solicitar a sua detenção e entrega”, refere a diplomacia francesa, destacando ainda “a amizade histórica entre a França e Israel, duas democracias empenhadas no Estado de direito e no respeito por um sistema judiciário profissional e independente”.

A posição de Paris contrasta com a de outros países europeus que já indicaram que irão cumprir o mandado de detenção caso Netanyahu entre no seu território. Foi o caso de Keir Starmer, que sem referir o nome do governante responsável pelo genocídio em Gaza, afirmou que “o Reino Unido cumprirá sempre as suas obrigações legais, tal como estabelecido na legislação nacional e, de igual modo, na legislação internacional”, lembrando que esse mecanismo nunca foi usado no país por nunca ter sido visitado por alguém procurado pelo TPI.

Esquerda francesa fala em “impunidade” e “moeda de troca”

O coordenador da França Insubmissa reagiu ao comunicado sobre a eventual imunidade de Netanyahu com uma pergunta: “Não será antes ‘impunidade’?”. Manuel Bompard recordou que a França é signatária do Tratado de Roma e por isso “deve aplicar as regras sem se esconder atrás de argumentos jurídicos que já foram sobejamente desmontados”.

Para a líder dos Verdes, o comunicado governamental é “uma vergonha” e uma cedência às exigências de Netanyahu. Marine Tondelier suspeita ainda que terá sido esta “a ‘moeda de troca’ para que a França fosse mencionada no anúncio oficial do cessar-fogo no Líbano”, publicado na véspera. E questiona ainda o que acontecerá se aquela lógica for aplicada: “Putin não será detido se vier à UNESCO?”.

Por seu lado, o líder dos socialistas franceses também criticou a posição oficial do governo, afirmando que “temos uma bússola que deve continuar a apontar para um norte comum, e essa bússola é o direito internacional, que pressupõe que não há excepções”. Olivier Faure sublinhou que “tudo o que está a ser escrito neste momento dá uma imagem muito degradada do direito internacional”.

Grupos extremistas pró-Israel em França acusados de cumplicidade com o genocídio

Também esta quarta-feira foram entregues à justiça francesa duas queixas contra os responsáveis franceses por dois grupos que têm tentado impedir com recurso à violência a entrega de ajuda humanitária à Faixa de Gaza, ante a passividade dos militares. O primeiro é o grupo Tzav-9, criado por colonos e reservistas de extrema-direita e que destacou pelos ataques aos camiões com ajuda humanitária para os civis em Gaza. Este grupo foi colocado em junho na lista de sanções dos EUA.

Antissionismo

Dissidência judaica: Israel está a perder um dos seus principais apoios

por

Nelson Pereira

25 de novembro 2024

O segundo grupo alvo das queixas é o “Israel is Forever”, apresentado como uma “associação francófona israelita de mobilização sionista” e cuja presidente, Nili Kupfer-Naouri, afirmou que “nenhum civil em Gaza é inocente”. Na véspera do jogo de futebol entre a França e Israel há duas semanas, o grupo organizou em Paris uma gala de recolha de fundos para os militares israelitas, anunciando como cabeça de cartaz do evento o ministro das Finanças de Israel, o extremista Bezalel Smotrich. Mas o ministro que afirmou há dias que a vitória de Trump vai abrir caminho à anexação israelita da Cisjordânia acabou por cancelar a ida à gala sionista parisiense.

Uma das queixas entregues à justiça francesa foi apresentada pela União Judaica Francesa pela Paz e por uma vítima franco-palestiniana, com o apoio da ONG Urgência Palestina. “Embora a definição legal de genocídio possa chocar, é a mais adequada tendo em conta os factos ocorridos”, afirmaram à agência France Presse os seus advogados, Damia Taharraoui e Marion Lafouge. A queixosa que prefere não dar o nome por razões de segurança dos familiares em Gaza diz que “a minha família está a sofrer um genocídio em Gaza há 14 meses. Deixei de contar a partir da  quinquagésima pessoa assassinada”. Mostrou aos jornalistas fotos e vídeos dos familiares fisicamente debilitados pela fome, acusando os dois grupos de organizarem e fomentarem os ataques à entrada de ajuda humanitária em Gaza.

A segunda queixa foi apresentada pela Associação de Advogados pela Justiça no Médio-Oriente e pela Coordenação dos Apelos para uma Paz Justa no Médio-Oriente. Ela apresenta como provas vídeos, fotografias e tomadas de posição públicas, acusando a “Israel is Forever” de ter bloqueado os veículos com ajuda humanitária.

“O crime de cumplicidade com o genocídio parece ser o termo penal mais adequado para descrever os factos (...). Resta-nos agora esperar que os tribunais franceses tenham a coragem de investigar o caso sob esta qualificação”, afirmaram à AFP os advogados das associações, Matteo Bonaglia e Ala Adas.
 

Termos relacionados: InternacionalFrançaIsrael