Gaia: realmente um universo

por

Leonardo Camargo Ferreira

16 de junho 2024 - 22:27
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A espacialização das experiências sociais é o que permite compreender o rural e o urbano como dimensões ligadas, designadamente em concelhos com uma vastidão territorial e populacional como o são Lisboa, Sintra – ou, lá está, Gaia.

Vila Nova de Gaia.
Vila Nova de Gaia. Foto Tom Bradnock

Para todos os que
se cidadanizam

Adoro a minha cidade de Gaia. Nasci e há 24 anos que nela vivo ou, por outras palavras, durante toda a minha existência até ao momento. No entanto, nunca cheguei a escrever um texto sobre esta charmosa e cosmopolita terra. Um texto que a dignificasse e me permitisse vê-la a ser amada por outros, residentes ou visitantes.

Os espaços marcam as pessoas. São criadores de memórias, plasmando a sua força contextual na nossa identidade. Em simultâneo, também nós produzimos os próprios espaços, através das representações que deles construímos. A espacialização das experiências sociais é o que permite compreender o rural e o urbano como dimensões ligadas, designadamente em concelhos com uma vastidão territorial e populacional como o são Lisboa, Sintra – ou, lá está, Gaia. Como escrevi na nota introdutória do meu terceiro livro, Cidades Híbridas, publicado em fevereiro de 2024 pela Editora Poesia Fã Clube,

Todo o urbano é uma complexidade. Perímetros inteiros são compostos de caos e ordem, de deambulações, paragens e novas transições. Territórios, por um lado, de facetas cinzentas, mas, por outro, de densas redes de cores e texturas, deixam todos os indivíduos imersos nos seus mapas cognitivos que constroem sobre a realidade e a vida.

Após esta introdução poderemos admitir: falamos de cidades. Este livro é, precisamente, sobre as nossas cidades - interiores. Como toda a poesia, que em cada leitura, voz e vivência adquire novos sentidos, as cidades incorporam também as suas reconfigurações incessantes devido a quem nelas percorre. Toda a sua existência é a marca das nossas identidades, múltiplas, diversas e penetrantes na imagem da urbe. Tanto que, quando os trajetos citadinos se cruzam, surgem novos serviços, oportunidades, relações, sentimentos e poderes, aquilo que, no fundo, nos caracteriza enquanto humanidade.

Por tudo isto podemos concluir - as cidades são híbridas. A sua multidimensionalidade é a representação da nossa riqueza. A mistura de experiências e cosmovisões significa ampliação e imaginação – sim, as cidades pensam e sonham o hoje e o amanhã. E cada indivíduo transporta a sua cidade como uma espécie de força interior portadora da mutação e da abundância.

 

Há tanta, mas tanta coisa a ser dita sobre Vila Nova de Gaia. A começar pelo seu tamanho – é o terceiro concelho mais populoso de Portugal e o primeiro se nos referirmos à região Norte. E isto, claro, faz com que Gaia seja um território repleto de matizes e locais diversificados, possuindo lindas praias (que respondam por si Lavadores, Salgueiros, Madalena, Valadares, Francelos, Miramar, Aguda e Granja, entre outras), belos jardins (com destaque para o Jardim do Morro enquanto lugar de encontros e reencontros, de passagens e paisagens, de diversões e animações, mas realçando também os bonitos parques e áreas naturais Ponte Maria Pia, Soares dos Reis ou da Cidade/Lavandeira, este último adjacente ao estádio municipal) e uma forte rede de comércios e serviços de todo o estilo.

Gaia assume-se como toda a sua infraestrutura, quer ambiental, quer urbana. Contudo, conhecer e sentir esta cidade não se resume a estas enumerações rápidas. Trata-se de lhe sentir os cheiros, os sons e as conversas, ou seja, os quotidianos e todas as suas interações. De reconhecer as relações com o concelho vizinho, Porto, nomeadamente através do tão aclamado vinho, mas também de saber que se vive numa terra que se rege por uma competição amigável com a já nomeada «melhor cidade europeia para se visitar». Trata-se, igualmente, de saber identificar figuras centrais na história da cidade, como o escritor e dramaturgo Almeida Garrett, e patrimónios culturais que vão da Biblioteca e do Auditório do município às várias pontes construídas sobre o formoso Rio Douro. De, enfim, compreender a vastidão e a relevância dos acontecimentos gaienses, com tudo o que Gaia pode proporcionar – mosteiros, shoppings, metro, um parque biológico ou noites de pequenas ou médias caminhadas pelo cais.

Desde que me dou por vivo, reconheço-me como um cidadão gaiense. O grande cerne do meu percurso escolar, cultural, social e pessoal tem-se desenrolado aqui, onde olho para os prédios, para as ruas e para as pessoas e reconheço cada fragmento de mim nas suas faces e nos seus movimentos. Brinquei, chorei, aprendi e sonhei nestes contextos. Efetivamente, e como o próprio slogan da cidade o afirma, Gaia é “todo um mundo”. E eu alteraria ou acrescentaria: “[e] todo um universo”. Porque aquilo que podemos vivenciar em Gaia não cabe numa única dimensão. Convido todas e todos a testarem e a provarem a veracidade desta frase.