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França: a repressão visa também os sindicalistas

Desde o início do movimento contra a reforma das pensões, sindicalistas têm sido detidos na sequência de manifestações, presos por ações não violentas, processados por piquetes e até feridos pela polícia. Por Rachel Knaebel.
Sindicalistas em manifestação. Foto do Basta Mag.

Quinta-feira, 23 de março, na manifestação parisiense, um sindicalista do Sud-Rail foi cegado pelo rebentamento de uma granada policial. Trabalhador ferroviário há mais de 25 anos, é pai de três crianças.

Em desfiles, piquetes de greve ou ações locais, militantes sindicais são alvo da repressão policial desde o início do movimento contra a reforma das pensões. “É verdadeiramente intimidação face aos representantes sindicais”, denuncia Julien Troccaz, secretário federal do Sud-Rail. A 19 de março tinha assistido à prisão de quatro camaradas do seu sindicato em Senlis, no Oise. “Tínhamos feito uma “operação portagem gratuita”1 que correu bem. Os polícias estavam no local e disseram: “damos-vos até às 16.30, depois vamos pedir-vos para saírem”. Mas, no final desse prazo, ordenaram que quatro colegas, militantes sindicais, os seguissem e detiveram-nos até às 22h00.”

Por enquanto, os quatro militantes não foram processados. A sociedade gestora da auto-estrada, a Sanef, não apresentou queixa, conta Julien Troccaz. “Foi por ordem da prefeita que os colegas foram presos, para nos meter medo”, diz o dirigente sindical. “Não é o mesmo nível que repressão a que temos assistido nas ruas desde a aplicação do artigo 49.3 da Constituição mas eles querem-nos intimidar”.

Em tribunal por um piquete de greve

Em Nantes, a 23 de março, sete trabalhadores dos correios, sindicalistas da CGT e do Sud, foram presentes a tribunal. Estão acusados de “entrave à circulação de bens e pessoas” por terem organizado piquetes de greve de 15 a 20 de março em dois locais do departamento de Loire-Atlantique. “Durante a audiência, a direção dos correios abandonou as queixas”, relata a página Rapports de force.

“Era um piquete de greve de 60 pessoas. Mas apenas sete foram acusadas, os representantes sindicais ou eleitos do comité de higiene, segurança e condição de trabalho, explica Sylvain Lamblot, secretário geral da CGT dos Correios em Loire-Atlantique.

“Até agora, quando a empresa considerava que havia um bloqueio por causa de um piquete de greve, vinha ver-nos para fazer pressão e enviava um oficial de justiça. Ali, adotaram a estratégia de não dizer nada. Dizia-se até que a direção talvez estivesse mais de acordo connosco, que não queria ter pessoas a trabalhar até aos 64 anos. Ficámos atónitos com a acusação”.

Um dos secretários da CGT recebeu uma ordem “através de um oficial de justiça, em mão própria, precisa o responsável, dizendo que estaríamos obrigados a parar a ação em duas horas, ou então iriam apelar ao uso da força policial para nos desalojar e aplicar-nos uma sanção de 1.000 euros por hora de ocupação e por pessoa. Em nenhum momento a direção falou connosco, apesar de nos conhecer. Se éramos os instigadores, como a acusação pretendia, porquê não nos contactar previamente? Sentimo-nos vítimas de uma armadilha”.

Os Correios retiraram a queixa durante a audiência assim como o piquete de greve foi levantado. Mas Sylvain Lamblot tem eventuais sequelas. “Queremos um compromisso escrito em como o caso não terá seguimento. Se não, arriscamo-nos a uma acusação quando ajudarmos os trabalhadores a organizar-se?”

Acusaram-me de tudo”

Alexandra, professora em Seine-Saint-Denis e sindicalista do Snes-FSU, por seu lado, foi detida como simples manifestante. Foi interrogada durante a manifestação de domingo, 19 de março em Paris. “O cortejo formou-se de maneira mais ou menos informal nos Halles. Depois, deslocou-se até à rua Étienne-Marcel e aí o polícias começaram a empurrar e a tentar dispersar o cortejo. Foi então que fui interpelada pela Brav”, a brigada de repressão de ação violenta motorizada, lembra.

Depois foi detida. “Acusaram-me de tudo. Por exemplo de organização da manifestação, evidentemente sem a menor prova, e era completamente falso. Acusaram-me igualmente de “participação num ajuntamento com objetivo de cometer voluntariamente violência”, “entrave à circulação” e também estragos, apesar de ter sido detida no início da noite, quando nenhum estrago tinha ainda sido feito”.

A detenção de Alexandra durou 21 horas. “Penso que me soltaram porque disse que tinham uma vigilância do Bac na terça-feira”. Depois foi convocada à esquadra para ser ouvida. Mas quando telefonou a pedir o adiamento da audiência, porque o seu advogado, membro da legal team2 parisiense, estava sobrecarregado, o agente da polícia disse-lhe que contactaria diretamente o magistrado para ver se haveria ou não um seguimento do seu caso.

“Dois colegas de Épinay-sur-Seine também foram presos a 16 de março, depois libertados sem nenhuma acusação contra eles, relata Grégory Thuizat, co-secretário do Snes-FSU em Seine-Saint-Denis, também ele professor no liceu. “Um outro colega foi atingido por um tiro de LBD”, acrescenta.

Ameaças de despedimento?

Será que as ameaças de despedimento se irão brevemente juntar às violências, detenções e perseguições judiciais? A semana passada, o L’Humanité revelava uma nota da direção geral do trabalho, datada de meados de março, que lembrava aos inspetores de trabalho os motivos que permitiam validar “devido a greve” o despedimento de trabalhadores protegidos. Estes assalariados, delegados sindicais ou representantes do pessoal, não podem ser despedidos sem o acordo da inspeção do trabalho.

A nota que o L’Humanité revela indica nomeadamente que podem justificar o despedimento de delegados sindicais “a participação pessoal e ativa em incidentes graves numa fábrica, bem como o papel de incitador, ainda que os interessados não tenham pessoalmente praticado violências”. Assim como pode justificar um despedimento o “facto de ter colocado entraves à liberdade de trabalhar de outros trabalhadores procedendo bloqueios ilícitos” no qual se registe o “papel preponderante do trabalhador” representante sindical.

Sylvain Lambot, secretário da CGT para os Correios em Loire-Atlantique, também descobriu esta nota na imprensa. “Pensei que isto poderia explicar a queixa sobre o nosso piquete de greve”, diz. Acusando-nos individualmente, está subentendido que somos os instigadores”.

Desde a revelação desta nota, o responsável da CGT teme que acompanhar as ações dos trabalhadores na empresa passe a ser cada vez mais difícil para os responsáveis sindicais cujo papel é precisamente esse.

“Este documento é um manual jurídico para facilitar os despedimentos, denunciou a CGT da Inspeção do Trabalho em comunicado. Manifestamente, o governo e o Ministério do Trabalho querem fazer os trabalhadores pagar pela sua resistência nas empresas”. O Ministério do Trabalho, por seu lado, respondeu num tweet que era uma simples “nota interna divulgada para se ter em conta as evoluções do direito”. Mas difundida em pleno movimento social.


Texto publicado na revista Basta. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.


Notas:

1Uma “operação portagem gratuita” é uma forma de manifestação não violenta que consiste em fazer subir as cancelas de uma portagem numa auto-estrada permitindo, durante algum tempo, que os automobilistas a usem gratuitamente. Nota do tradutor.

2As “legal teams” são grupos voluntários de advogados que prestam aconselhamento aos manifestantes que sejam detidos ou acusados durante protestos. Nota do tradutor.

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