Fernando Alexandre: o ministro liberal da Educação queria tirar um mês de salário aos professores

29 de março 2024 - 19:24

Aplaudido pela associação de colégios privados, o novo ministro da Educação é dirigente do think-tank +Liberdade e defendeu o fim definitivo do 14º mês para os pensionistas e funcionários públicos, incluindo os professores. Associações académicas contestam o fim do Ministério da Ciência e Ensino Superior, áreas que ficam sob tutela de Fernando Alexandre.

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Fernando Alexandre é o novo ministro da Educação
Fernando Alexandre é o novo ministro da Educação

O novo governo ainda não tomou posse e já há quem se sinta enganado. Na véspera do anúncio dos nomes que formarão o novo executivo, doze federações e associações académicas tinham escrito uma carta aberta a Luís Montenegro a pedir que não seguisse o exemplo de Passos Coelho. "Uma reorganização que venha a dividir o Ensino Superior e a Ciência em duas Secretarias de Estado distintas, sob um ministério com competências e áreas tão diversas como o da Educação, irá prejudicar a visão desta área como distinta e estratégica", diziam os estudantes. As associações defendiam a manutenção de um Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, considerando-o "crucial para a notoriedade e afirmação política" destas áreas.

O anúncio da orgânica do Governo confirmou que o PSD preferiu recuar oito anos e voltar a relegar o Ensino Superior e Ciência para Secretarias de Estado do Ministério de Educação. Um grupo de 22 federações e associações académicas repudiaram esta opção de Montenegro, considerando que "demonstra um claro desrespeito pela importância" das duas áreas e é um sinal de que "não reconhece a necessidade de políticas e investimentos específicos para promover a excelência e a valorização" da Ciência e Ensino Superior.

Fernando Alexandre queria pôr pensionistas e professores a "aterrar", cortando-lhes o 14º mês

Para ocupar o cargo de ministro da Educação, Luís Montenegro escolheu o economista Fernando Alexandre, membro da direção do think-tank ultraliberal +Liberdade. Em reação ao anúncio do novo Governo, foi o único nome elogiado pela Iniciativa Liberal como sendo uma boa escolha. Nas suas crónicas no Observador, Fernando Alexandre escreveu nos últimos anos a favor da ligação entre escolas e empresas, mostrando-se também um adepto dos rankings que têm promovido os colégios privados. Em 2011, veio a público defender o fim do 14º mês para os funcionários públicos e para os pensionistas com pensões acima dos 1.500 euros, dizendo que essa medida "faria as pessoas aterrar" e "ajudava-as a perceberem que, de facto, muita coisa mudou".

Novo ministro já governou e acabou a prestar contas no DCIAP

Esta não é a primeira passagem do economista pelo Governo, tendo integrado o executivo de Passos Coelho no cargo de secretário de Estado da Administração Interna. Fernando Alexandre viria a demitir-se alegando "razões pessoais" após ter sido ouvido pelo Ministério Público no âmbito da acusação ao ex-diretor-geral de infraestruturas e equipamentos desse Ministério, João Alberto Correia, então acusado de 69 crimes, 32 dos quais de corrupção passiva.

Segundo o Correio da Manhã, Fernando Alexandre foi confrontado no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com o facto de ter permitido a atuação do ex-diretor-geral quando já havia indícios de que este não seria de confiança. João Alberto Correia foi condenado em 2018 a sete anos de prisão, recorreu e o julgamento foi repetido. Em outubro passado voltou a ser condenado a sete anos e nove meses de prisão por participação económica em negócio, abuso de poder e falsificação de documentos, sendo absolvido dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Professores apreensivos com a escolha, colégios privados aplaudem

O presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), José Moreira, reagiu à nomeação em declarações à agência Lusa, considerando que "o setor perdeu, de facto, peso” politico no Governo. Com vários dossiers negociais em aberto, como a revisão do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, o novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica e o regime de pessoal docente e de investigação dos estabelecimentos de ensino privado, o sindicalista diz estar "aberto ao diálogo". "Esperamos que o novo ministro seja capaz de dialogar com os docentes, com os investigadores e com os estudantes, porque há uma série de assuntos que é preciso resolver”, disse José Moreira.

“Aquilo de que educação menos precisa é de ser gerida por políticas economicistas, de liberalização”, disse à Lusa Mário Nogueira, da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), temendo que o novo  ministro traga para o cargo “uma perspetiva economicista e a ideia de que a escassez de recursos humanos, nomeadamente professores, não se resolve com a valorização da profissão, mas com manobras de gestão”, o que "seria um desastre".

Por seu lado, o secretário-geral da Federação Nacional de Educação, Pedro Barreiros, disse à Lusa preferir esperar por conhecer a composição das secretarias de Estado. "Para já é um bocadinho precoce estarmos a avançar com o que for, porque nos falta agora perceber de que forma é que a estrutura será montada”, afirmou.

Sem surpresa, as maiores felicitações a Fernando Alexandre vieram dos colégios privados. Rodrigo Queiroz e Melo, líder da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, disse à Lusa esperar que “esta legislatura permita voltar a olhar para a especificidade do ensino privado mas também para o contributo que tem a dar para o sistema educativo nacional como um todo”.