Famílias dos reféns israelitas agarram-se a cada vez menos esperança

17 de dezembro 2023 - 9:56

Ignorados pelo seu governo e descobrindo os horrores do cativeiro através dos reféns libertados, os familiares temem pelos seus entes queridos sob bombardeamento em Gaza. Por Alice Austin.

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Familiares dos reféns exibem cartazes com a sua foto.
Foto Chabad Lubavitch/Flickr

Desde 7 de outubro, Gil Dickmann tem um objetivo: convencer o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e o seu governo de extrema-direita a dar prioridade à libertação dos reféns detidos na Faixa de Gaza. Dois familiares de Dickmann foram raptados no ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel nesse dia: a sua prima, Carmel Gat, de 39 anos, e a sua cunhada, Yarden Roman-Gat, de 36 anos.

Há duas semanas, os esforços de Dickmann e das famílias dos mais de 240 outros reféns deram alguns frutos: 105 mulheres e crianças foram libertadas do cativeiro pelo Hamas no âmbito de uma troca de reféns e prisioneiros durante uma semana de cessar-fogo no final de novembro, juntando-se a cinco que já tinham sido libertados nas primeiras semanas da guerra. Felizmente para Dickmann, Yarden estava entre eles - mas Carmel não estava. É uma das poucas mulheres israelitas ainda detidas em Gaza, e a luta de Dickmann para a libertar continua.

Quando Israel começou o bombardeamento da Faixa sitiada, que matou mais de 18.000 palestinianos e deslocou 1,9 milhões em pouco mais de dois meses, nem o governo nem grande parte do povo israelita estavam empenhados em trazer os reféns para casa. A principal prioridade do governo era a vingança: "arrasar", "erradicar" ou "aniquilar" Gaza, independentemente dos custos humanos. Mas depois o primeiro grupo de reféns foi libertado durante a pausa temporária nas hostilidades, e o sentimento mudou; a nação viu o desespero de algumas dessas famílias transformar-se em euforia.

Viram a mãe de Mia Schem, de 22 anos, raptada depois de ter sido baleada no festival Supernova, a soluçar ao telefone enquanto recebia a notícia de que a filha seria libertada nessa noite. Viram Emily Hand, que celebrou o seu 9º aniversário em cativeiro, correr para os braços do seu pai em lágrimas. E viram Emilia Aloni, de 5 anos, ser abraçada pelos colegas no seu primeiro dia de regresso ao jardim de infância.

E depois tudo voltou a desmoronar-se. O cessar-fogo terminou, Israel retomou o seu ataque mortal a Gaza com ainda mais ferocidade do que antes, e as famílias dos 138 reféns ainda detidos na Faixa de Gaza voltaram à estaca zero - angustiando-se com o destino dos seus entes queridos, enquanto o Hamas afirma que nem um único refém será libertado com vida, a menos que as suas exigências sejam satisfeitas, e o Qatar avisa que a janela para libertar mais reféns está a reduzir-se.

No entanto, Dickmann mantém a esperança de que o efeito do cessar-fogo temporário na consciência dos israelitas seja irreversível. "É evidente para a opinião pública que a guerra representa um grande risco, tanto para os civis palestinianos como para os reféns que restam", disse ao +972. "Penso que, depois de verem os reféns voltarem para as suas famílias, as pessoas compreendem que não podemos deixar mais nenhum para trás."

"Não sabemos se eles têm comida, água ou ar para respirar"

Na manhã de 6 de dezembro, Iris Haim e Idit Ohel, duas mães israelitas cujos filhos ainda se encontram em cativeiro no Hamas, deram uma conferência de imprensa online para a imprensa internacional. Nenhuma das mães sabe se o seu filho ainda está vivo porque a Cruz Vermelha não conseguiu visitar nenhum dos reféns para verificar o seu bem-estar.

Haim e Ohel reproduziram as últimas mensagens de voz que receberam dos seus filhos enquanto se escondiam nos seus quartos à prova de explosão, com o tom das vozes de ambos a tornar-se cada vez mais de pânico à medida que os palestinianos armados iam de casa em casa à procura de pessoas para matar ou raptar. Haim passou um vídeo do seu filho de 28 anos, Yotam, a ser arrastado da sua casa no Kibbutz Kfar Aza para um veículo algum tempo depois.

Centenas de famílias têm histórias de terror semelhantes do dia 7 de outubro. Familiares mortos a tiro, casas totalmente queimadas, membros da família identificáveis apenas pelos dentes. Para as famílias cujos entes queridos foram raptados e levados para Gaza, o alívio de saber que não tinham sido mortos foi rapidamente substituído pelo desespero - não só para tirá-los de lá, mas para conseguir que a nação, cega de raiva, os ouça.

"Não sabemos se eles têm comida, água ou ar para respirar", disse Haim. "Não sabemos se estão no subsolo ou à superfície, onde pode haver perigo [de ataques aéreos israelitas]. Por isso, precisamos que todos façam tudo o que puderem para os tirar de lá o mais depressa possível."

As mães esperam que a cobertura da imprensa mundial e a pressão dos países estrangeiros obriguem Netanyahu a colocar a libertação dos reféns no topo da sua agenda. "Queremos que eles voltem para casa - agora", continuou Haim. "Precisamos que os outros governos estejam connosco - todos os governos do mundo inteiro."

Uma das razões pelas quais as famílias dos reféns dedicam tanto dos seus esforços a uma audiência estrangeira é porque se sentem totalmente abandonadas pelo governo israelita. Foi preciso mais de uma semana para Netanyahu se encontrar pessoalmente com alguns deles, e até à noite de 5 de dezembro para o fazer novamente e fornecer informações atualizadas após o colapso do cessar-fogo.

As famílias esperavam que esse encontro fosse uma oportunidade para uma discussão franca com o primeiro-ministro e para saber como planeia proteger os reféns enquanto bombardeia Gaza até à extinção. Em vez disso, naquilo que o pai de um dos reféns descreveu como uma "farsa", Netanyahu leu comentários pré-preparados numa folha de papel.

No áudio que circula dessa reunião, onde também estavam presentes vários reféns libertados, Netanyahu pode ser ouvido a dizer: "Estou a dizer-vos os factos, respeito-vos demasiado. Não podíamos trazê-los todos de uma vez. Se o pudéssemos ter feito, tê-lo-íamos feito. Se houvesse uma oportunidade de os trazer todos de uma só vez, acha que alguém aqui se oporia?"

"Vocês não sabem nada", ouve-se um dos reféns libertados dizer. "O facto de termos sido bombardeados, o facto de ninguém saber nada sobre onde estávamos... Dizem que há informações, mas a verdade é que estávamos a ser bombardeados."

Cada vez mais receosos

Até agora, o exército israelita confirmou a morte de 18 reféns em cativeiro, enquanto um outro refém terá sido morto em fogo cruzado durante uma tentativa de resgate. A mais recente estratégia do exército na sua guerra total contra o Hamas é inundar os túneis subterrâneos com água do mar - os mesmos túneis que se pensa estarem a albergar os restantes reféns. À medida que o tempo passa e as negociações estagnam, as famílias têm cada vez mais medo de que os seus entes queridos não saiam vivos.

As famílias dos reféns também têm de contar com as condições de pesadelo que os seus familiares estão a viver. De acordo com os testemunhos de reféns libertados em troca de prisioneiros palestinianos, homens e mulheres foram sexualmente agredidos ou abusados, e todos eles relataram estar mal alimentados, apertados num espaço pequeno e em perigo devido às bombas israelitas.

Yael Mozer Glassberg, médica responsável pelo recém-criado Departamento de Crianças Regressadas do Schneider Children's Medical Center, tratou algumas das crianças libertadas. "Os reféns regressaram com uma perda de 10 a 15 por cento do seu peso", disse aos meios de comunicação social durante uma conferência de imprensa. "Todos os reféns disseram que a comida [que recebiam] era limitada e irregular. Algumas crianças eram [mantidas] sozinhas sem os pais, e as crianças mais velhas não comiam até que as mais novas estivessem saciadas."

Segundo Glassberg, os reféns que conheceu após a libertação estavam cheios de piolhos, cobertos de picadas e erupções cutâneas, alguns tinham feridas infetadas e por tratar, muitos falavam apenas em sussurros, "e mais e mais coisas que infelizmente não posso partilhar convosco".

No meio de todo o horror, as histórias de famílias que se reencontram estão a servir de inspiração para aqueles que ainda lutam pela libertação dos seus entes queridos. Hen Avigdori é, comparativamente, um dos sortudos: voltou a reunir-se com a mulher, Sharon, e a filha, Noam, raptadas no Kibbutz Be'eri a 7 de outubro, e continua a lutar pela libertação dos restantes reféns.

Avigdori não quer outra coisa senão que as famílias dos que ainda estão presos possam sentir o que ele sentiu quando os seus entes queridos voltaram para ele. "As mães e os pais podem comparar o momento com o nascimento do primeiro filho, mas é mais do que isso - é o renascimento de toda a família", disse ao +972. "A emoção é enorme".

E é isso que o leva a continuar a insistir na libertação de todos os reféns. "Eu sei o que é ser pai e marido de uma pessoa desaparecida", diz ele. "Conheço a agonia do desconhecimento e a alegria do seu regresso. Sei que temos de lutar por eles."


Alice Austin é uma jornalista freelancer que cobre cultura, subcultura e a intersecção da política com a música. Artigo publicado no portal +972. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.