Explicador: o problema da Saúde também é falta de dinheiro

04 de setembro 2022 - 10:11

O Serviço Nacional de Saúde está a atravessar momentos muito difíceis por falta de profissionais, de recursos e, acima de tudo, por falta de medidas políticas.

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Foto de Paulete Matos.

O que se passa com o SNS?

O Serviço Nacional de Saúde está a atravessar momentos muito difíceis por falta de profissionais, de recursos e, acima de tudo, por falta de medidas políticas. Nos últimos dois anos duplicou o número de utentes sem médico de família (1,47 milhões em julho, o número mais alto desde os tempos da troika) e são óbvias as dificuldades dos hospitais em garantir o pleno funcionamento de muitos serviços. As urgências são apenas a parte mais visível desse problema. O SNS perdeu mais de 2000 profissionais desde fevereiro e torna-se cada vez mais óbvia a dificuldade em captar e fixar profissionais, mesmo aqueles que são formados no próprio SNS. Os últimos concursos para contratação de médicos ficaram com mais de 1/3 das vagas por ocupar. Enquanto isso o Governo recusa-se a melhorar as carreiras e remunerações dos profissionais de saúde e a aplicar medidas como a exclusividade ou a autonomia das instituições. Os utentes e o país é que saem prejudicados com tudo isto.

Mas o Governo diz que o SNS nunca teve tantos recursos. Não é assim?

No ano passado, 2021, o Orçamento destinou para o SNS receitas na ordem dos €11.287 milhões, um valor que ficou muito aquém do necessário. Como sabemos isso? Porque o défice do SNS, isto é, a sua suborçamentação, foi de €1100 milhões. Ou seja, em 2021, foi dado ao SNS menos 10% do que ele necessitava para desenvolver a sua atividade e responder a todas necessidades de saúde da população.

Poderão dizer: ‘Mas isso foi em 2021. Em 2022, com aquilo que o PS apelidou de o Orçamento mais à esquerda de sempre, claro que o problema foi resolvido’. Não, não foi. O Orçamento do Estado para 2022 previa, desde início, um défice no SNS na ordem dos €1121 milhões. Ou seja, em vez de se resolver o problema de suborçamentação, prevê-se que ele seja agravado durante o presente ano.

Para além da suborçamentação, o que explica a atual situação do SNS?

A transferência dos seus recursos para os privados. Para além do seu orçamento já ser curto para as necessidades, uma parte muito significativa do mesmo não é utilizado no SNS. Por exemplo, em 2021, €4.539 milhões do orçamento do SNS foi gasto com Fornecimento e Serviços Externos, qualquer coisa como 40% das receitas orçamentais. Assim, o SNS não consegue ter recursos para investir em si próprio e nas suas respostas.

Entre 2019 e 2021 gastou-se mais 24,1% com convencionados para a área de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e mais 42% só na aquisição de exames ao privado; gastou-se mais 11,4% com internamentos comprados a entidades externadas ao SNS e mais 11% em acordos com IPSS e Misericórdias. Já os gastos com os médicos tarefeiros cresceram 20,3%. Muitas destas despesas cresceram a uma velocidade superior do que o orçamento do SNS. Ou seja, acentuou-se a transferência para o setor privado.

Mas o Governo diz que uma das suas grandes apostas é o investimento no SNS. Não é?

A realidade demonstra que não é. Na maioria dos últimos anos o investimento tem ficado abaixo dos 2% da despesa executada do SNS (em 2018: 1,27; em 2019: 1,49%, em 2020: 2,29%, em 2021: 1,87% e até julho de 2022: 0,96%). Se somarmos todos estes anos chegámos a uma baixíssima percentagem de investimento de 1,55%, o que pode explicar o facto de o Governo estar, desde há vários anos, a anunciar as mesmas obras uma e outra vez. Anuncia-as muitas vezes porque a cada ano que passa elas ficam por concretizar. Como se tudo isto já não fosse suficiente, em 2022 o investimento está a abrandar. Em julho era 30% inferior ao mesmo período de 2021.