Evasão fiscal com offshores diminui, multinacionais continuam a escapar aos impostos

24 de outubro 2023 - 12:18

Em percentagem do PIB, o dinheiro desviado de Portugal para os paraísos fiscais é de 22,4%, mais do dobro da Espanha ou da Alemanha, diz o Observatório Fiscal da União Europeia.

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Nota sob puzzle visto à lupa.
Foto Marco Verch Professional Photographer. Licença CC 2.0

O dinheiro colocado em offshores por pessoas e empresas sediadas em Portugal correspondia no ano passado a 53 mil milhões de euros, o equivalente a mais do triplo do que o Estado vai gastar com o setor da Saúde, segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2024.

Os dados estão no relatório publicado esta segunda-feira pelo Observatório Fiscal da União Europeia. No caso português, verifica-se uma redução em relação aos últimos anos, mas um aumento de 6,6 mil milhões quando comparado com os valores antes da pandemia, assinala o Jornal de Negócios.

O destino preferido para os portugueses colocarem os seus ativos financeiros continua a ser a Suíça, onde estão depositados 31,1 mil milhões de euros. Outros 15,1 mil milhões estão distribuídos por outras jurisdições na Europa, como os Países Baixos, Luxemburgo, Irlanda ou Bélgica. 4,7 mil milhões estão em offshores asiáticos, como Macau, Hong Kong ou Singapura, enquanto nas Américas - Porto Rico, Panamá, as Ilhas Virgens Britânicas, as Caimão e Bermudas - os portugueses depositam menos de dois mil milhões de euros.

A base de dados do Observatório também quantifica a perda fiscal relativa ao valor enviado por multinacionais para os paraísos fiscais, contornando assim as suas obrigações tributárias nos países onde o lucro é realizado. No caso português, em 2020 o fisco ficou a perder cerca de 503 milhões de euros, o equivalente a 8,45% da receita total com IRC.

Troca automática de informação bancária reduziu evasão fiscal através dos offshores

Nas suas conclusões, os autores do relatório apontam a redução da evasão fiscal dos mais ricos nos últimos anos, muito graças à obrigação de troca automática de informação bancária entre as instituições financeiras em jurisdições offshore e as autoridades nacionais de 100 países. Uma medida que "era apontada como utópica" há uma década mas que entrou em vigor em 2017.

Outra medida importante foi o acordo internacional para assegurar uma taxa mínima de 15% de imposto pago pelas multinacionais, embora aqui o Observatório lamente que os alçapões legais continuem a permitir que estas empresas continuem a não pagar o imposto que deviam.

Por outro lado, o relatório conclui que a evasão fiscal dos mais ricos acontece cada vez mais a nível nacional, com o uso frequente de empresas de fachada e planeamento fiscal. Assim, "os bilionários a nível global têm taxas efetivas de imposto entre os 0% e os 0,5% da sua riqueza", aponta o relatório, acrescentando que "até à data, não foi feita nenhuma tentativa séria para enfrentar o problema".

Observatório defende imposto sobre bilionários e taxação efetiva das multinacionais

Entre as propostas do Observatório está a criação de um imposto mínimo global sobre os bilionários, equivalente a 2% da sua riqueza, que iria arrecadar perto de 250 mil milhões de dólares a menos de três mil contribuintes nessa situação. Se se acrescentar a retirada dos alçapões fiscais que permitem às multinacionais evitarem o pagamento do imposto mínimo acordado, isso renderia mais 250 mil milhões anuais aos cofres públicos. A receita anual destas duas medidas combinadas seria suficiente para financiar a transformação e adaptação às alterações climáticas dos países em desenvolvimento.

"A evasão fiscal não é uma lei da natureza, mas sim uma escolha política", conclui o Observatório, dando como exemplo a queda nos últimos cinco anos da fatia da riqueza mundial não tributada e colocada em offshores de 10% do PIB mundial para menos de 4%, graças ao início da troca automática de informações bancárias. N entanto, ainda há muito a fazer no que toca à tributação do lucro das multinacionais, que continuam a enviar para offshores o equivalente a 35% dos seus lucros registados fora do seu país de origem. As multinacionais norte-americanas são responsáveis por 40% desse desvio, com os países da Europa continental a serem os mais prejudicados em receita fiscal que fica por cobrar.

O Observatório critica ainda a competição fiscal entre países que criam regimes especiais para setores determinados de contribuintes, considerando que em termos globais esses regimes reduzem a receita fiscal e aumentam a desigualdade.


Link para a foto original e a licença CC 2.0.