Estudantes exigem medidas contra o assédio na Universidade de Lisboa

07 de abril 2022 - 20:20

Cerca de duas centenas de estudantes protestaram contra o assédio sexual por parte de alguns professores e exigiram à Reitoria que tome medidas e leve a sério um problema que se arrasta há décadas.

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Concentração em frente à Reitoria da Universidade de Lisboa contra o assédio na academia. Foto Esquerda.net

“Não quero o assédio nas minhas memórias de faculdade”, “Somos pessoas, não mercadoria”, “Mais apoio psicológico na Universidade de Lisboa”, “Academia sem assédio”, podia ler-se nas faias do protesto que juntou cerca de 200 estudantes esta quinta-feira junto à Reitoria da Universidade de Lisboa.

Por entre as palavras de ordem entoadas num megafone, ouviram-se relatos de hoje e de há décadas sobre o assédio por parte de docentes da universidade, em especial na Faculdade de Direito, onde foram conhecidas dezenas de queixas. Há mesmo casos de alunas que entraram nos últimos dois anos e que foram avisadas pelos pais, antigos alunos, para “terem cuidado” com alguns dos professores que ainda ali se mantêm a dar aulas e a assediar as jovens.

Em declarações à CMTV, uma das organizadoras, Inês Nowak, disse estar “muito satisfeita” com a adesão e que “é bom ver os estudantes a mobilizarem-se para consciencializar a comunidade académica sobre esta questão”, de forma a que “não seja só um momento mediático e que a partir daqui haja uma atitude mais ativa contra este problema”.

As estudantes admitem que “não temos noção da dimensão deste problema. Sabemos que existe, mas porque as vítimas têm medo, não fazem queixa”, prosseguiu a estudante.

Rita, uma estudante de Direito que integra o coletivo feminista desta faculdade, disse à SIC que “nos corredores da nossa faculdade são conhecidos bastantes casos de assédio de professores contra alunas”. E considera “irónico que os docentes que  nos ensinam a ser bons juristas, que nos ensinam as leis, serem os mesmos que depois têm o à vontade dentro da sua hierarquia que fazem questão de nos impôr ali dentro, de achar que têm o direito de nos assediar e sairem quase impunes, ou com um simples pedido de desculpa privado, como no caso que ouvimos falar agora de um professor”.

"Pedidos de desculpa não chegam, queremos melhores soluções"

“Uma vítima quando sofre, seja assédio ou qualquer tipo de agressão, o que ela menos quer é ter qualquer contacto com o agressor. Pedidos de desculpa não chegam, queremos melhores soluções”, prosseguiu Rita, dando o exemplo de algumas medidas propostas pelas estudantes, como a da criação de uma comissão que seja independente da Universidade de Lisboa, “para que as pessoas se sintam à vontade de expor as suas denúncias”. Por outro lado, defende que “os professores que nos assediaram não devem poder avaliar-nos, isso não é admissível. As pessoas não podem calar a sua agressão com medo de ver as suas notas prejudicadas. O poder que estes professores têm de alterar o nosso futuro é preocupante”.

A universidade já anunciou o reforço do apoio psicológico, que Rita afirma ser hoje muito insuficiente: “Até agora tínhamos um gabinete com apenas uma psicóloga as consultas esgotam-se em segundos. E as vítimas não se sentem à vontade de expor o seu problema a um colega do agressor”, concluiu.

“Esta luta não é apenas dos estudantes, o assédio é uma realidade muito presente entre os docentes"

A RTP encontrou na manifestação um professor da Faculdade de Direito. “Estou aqui porque acho que é o momento de as pessoas decentes darem um passo em frente e dizerem presente”, afirmou João Freitas Mendes, professor de História do Direito, para quem “esta luta não é apenas dos estudantes, o assédio é uma realidade muito presente entre os docentes e não é uma coisa de hoje ou de ontem”.

“Já aconteceu comigo também e não é caso único nem inesperado. E enquanto estudante também lidei com isso de perto. É uma prática bastante reiterada. É altura de as pessoas assumirem as suas responsabilidades e dizerem que já chega”, acrescentou.

Na manifestação compareceram também algumas mães que diziam estar ali em representação das filhas. Também Catarina Marins, estudante do 2º ano de Direito, diz ter sido avisada em relação aos comportamentos sexistas, “de assédio sexual ou coisas que nos deixam desconfortáveis enquanto mulheres: olhares, comentários, mensagens... Histórias do passado que não foram resolvidas. Os professores continuam a viver na impunidade e tudo o nós recebemos é um aviso e um código de conduta”, lamentou.