A Liberties - Civil Liberties Union for Europe, com sede em Berlim, divulgou, na segunda-feira, o seu relatório anual, utilizado pela Comissão Europeia na sua monitorização do Estado de Direito. No documento, de 600 páginas, a organização adverte que, em algumas democracias mais antigas e bem estabelecidas, as ameaças ao Estado de Direito são preocupantes pela possibilidade de um partido de extrema-direita ganhar poder, “o que poderá tornar estas questões esporádicas num problema sistémico no futuro”. França, Alemanha, ou Bélgica são exemplo disso, segundo aponta a Liberties no relatório que analisa a situação em 19 países da União Europeia (Portugal não está incluído).
Em França, as alterações nas pensões do ano passado foram “promulgadas num processo legislativo manifestamente antidemocrático” depois de o governo ter usado poderes constitucionais especiais, enquanto os jornalistas na Alemanha enfrentam agora processos penais caso publiquem decisões judiciais que não sejam acessíveis ao público. Os governos de França e Alemanha são ainda acusados de cercearem o espaço cívico e restringirem a atividade das organizações não governamentais.
Erosão gradual do Estado de Direito em países como Itália e Suécia
Já em democracias também mais antigas como Itália ou Suécia, com governos liderados ou apoiados por extrema-direita, a Liberties considera que existe “uma erosão do Estado de direito que parece ser um processo gradual”.
A organização aponta que, na Suécia, os Democratas Suecos, de extrema-direita, começaram a atacar as organizações não-governamentais “assim que o governo que apoiam foi formado”. E que as políticas securitárias se têm traduzido em crescente repressão.
A “segurança nacional e ameaça de terrorismo ou crime organizado são invocadas de modo rotineiro para justificar políticas policiais cada vez mais repressivas e a expansão de poderes dados às forças de segurança”, lê-se no relatório.
Também em Itália, o governo liderado pelo partido Irmãos de Itália em coligação com o nacionalista Liga, de Matteo Salvini, e a Força Itália, tem imposto “reformas que tendem a tornar o sistema de justiça menos eficiente, promovendo em particular uma abordagem securitária”.
Há ainda “um aumento preocupante no nível de influência política no sector mediático italiano”.
A Liberties denuncia ainda a “regressão” na área do “espaço cívico” em Itália com a aprovação da lei de 2023 que “criminaliza as operações de resgate no mar” e “põe em risco o direito à vida e ao asilo de migrantes”. Efetivamente, o desrespeito pelos direitos dos refugiados e migrantes continua a ser, segundo a organização, “uma questão terrível” entre os estados membros da União Europeia.
O governo de Giorgia Meloni ganha ainda destaque no que concerne à imposição de “restrições ao direito à greve” e à hostilidade em relação a manifestantes.
No relatório é assinalado que os ataques ao direito à manifestação têm tido também especial expressão em países como a Suécia, Bulgária, República Checa, Estónia, Alemanha e Hungria.
“As restrições ao direito a protestos pacíficos aumentaram de modo significativo” em 2023, escreve a Liberties. A organização destaca, no entanto, que, “em muitos casos, são aplicadas seletivamente a protestos pró-Palestina e pelo clima”.
No que concerne às democracias mais recentes, o relatório enfatiza que o Estado de Direito “pode oscilar rapidamente - quer no sentido da recuperação quer no declínio”. Um dos exemplos apontados pela Liberties é a Eslováquia, em que Robert Fico está a “desmantelar sistematicamente as estruturas democráticas”.
Ataques à liberdade de imprensa e politização da Justiça
No seu capítulo sobre liberdade de imprensa, o relatório afirma que a concentração da propriedade dos meios de comunicação social é uma preocupação em muitos Estados-Membros, tal como os ataques verbais e físicos a jornalistas, registados em 2023 em 10 Estados-Membros da UE, incluindo França, Alemanha e Suécia.
A Liberties também alerta para a existência de sistemas judiciais “politizados, subfinanciados e injustos”, afirmando que, embora países como a Suécia tenham tomado medidas para despolitizar os processos de seleção judicial, a politização continua a ser um risco em França, Alemanha, Grécia, Hungria e Eslováquia. Na Alemanha, Bélgica, República Checa e Eslováquia, os mecanismos de responsabilização podem, em teoria, permitir “o exercício de pressão política por parte do poder executivo sobre os juízes”, especialmente se partidos da extrema-direita alcancem o poder, alerta a organização.
É preciso ação mais contundente da União Europeia
Balázs Dénes, diretor da Liberties defende que é preciso uma ação mais contundente da União Europeia contra retrocessos no Estado de direito.
“A Comissão, a União Europeia, têm ferramentas muito poderosas mas mostram relutância em usá-la de modo rápido e assertivo”, frisou. A título de exemplo, invocou medidas como “procedimentos por incumprimento ou congelamento condicional de fundos europeus”.
Dénes realçou ainda que a sua organização está “alarmada pela falta de análise séria sobre o que está realmente a acontecer em alguns sítios”. E que a União Europeia “não se está a aperceber que alguns governos estão a destruir deliberadamente o equilíbrio de poderes”.