Presidenciais 2026

“Esta é a candidatura que abraça a força do país que não desistiu e se quer reinventar”

18 de outubro 2025 - 12:40

Catarina Martins apresentou na manhã deste sábado no Porto a sua candidatura presidencial. Lê aqui a sua intervenção integral.

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Catarina Martins apresenta candidatura presidencial.
Catarina Martins apresenta candidatura presidencial. Foto de Rafael Medeiros.

Intervenção de apresentação da candidatura presidencial de Catarina Martins.


Sou Catarina Martins, 52 anos, do Porto. Mãe de duas filhas e filha de uma mulher e um homem que ajudaram a construir a democracia. Com a minha mãe e o meu pai aprendi desde cedo a empatia, a coragem e a solidariedade. Aprendi que, por muito complexa que seja uma situação, há sempre um critério para a decisão e para a ação: segurar quem está mais frágil. E ganhei asas, o melhor que os pais e a democracia podem dar aos seus filhos. O testemunho que me cabe entregar às minhas filhas.

Tenho a idade do 25 de abril. Estudei na Escola Pública. Dei à luz no Serviço Nacional de Saúde. E porque existe segurança social, tive licença de maternidade. Cheguei depois da revolução e devo-lhe tudo.

Cresci com a democracia a crescer. Sou de uma geração em que estudar até à idade adulta era ainda privilégio. Quando, aos 12 anos, mudei de escola, vi colegas arrancados ao estudo para começarem a trabalhar.

Sei que a democracia não chegou pronta a usar nem em modelo para copiar. Foi sendo construída, partilhada, num compromisso coletivo de Portugal por uma vida melhor. E hoje sei que esse sonho, essa expectativa do que seremos, é o bem mais precioso da democracia. A democracia sobrevive ao que ainda não é capaz de fazer, se tiver o sonho de o fazer e os passos seguros para lá chegar. Se deixar de sonhar, definha.

Sei que a minha geração é talvez a última em Portugal que, não tendo conhecido a ditadura, chegou à idade adulta sempre com a democracia a provar essa capacidade de uma vida melhor, de concretizar sonhos, de acreditar que, por difícil que seja cada passo, o nosso caminho coletivo garantirá aos nosso filhos, pelo menos, o que nós formos capazes de conquistar.

Sei que os últimos 20 anos provaram que o caminho é de grandes riscos. O colapso do sistema financeiro internacional, a troika, o Covid, a inflação, a chegada ao nosso quotidiano das consequências da crise climática, a precipitação de uma revolução tecnológica que impôs como norma o isolamento e a desigualdade inscreveram a palavra crise na entrada na vida adulta das novas gerações.

O que fazer então? O que fazer quando a descrença e o individualismo parecem varrer da nossa vida coletiva a capacidade de acreditar que é possível uma vida melhor?

Lembro o poeta Manuel António Pina: “Ainda não é o fim nem o princípio do mundo. Calma. É apenas um pouco tarde.” E eu não quero perder tempo.

Já é mais tarde do que quando Pina o escreveu. Mais difícil e mais urgente. Mas não acreditem em quem nos diz que é tarde demais. Essa é a velha armadilha de quem ganha com a desistência do povo.

Sei ainda mais, que crescer com a democracia pode ser um superpoder: o de saber que o dia seguinte não está escrito e que também temos uma caneta na mão. E não é apenas na cabine de voto. É por isso que vos quero falar de como aqui cheguei.

Com seis anos fui para São Tomé. Foi lá, num país que dava os primeiros passos na independência, que aprendi a ler e a escrever. Filha de professores cooperantes, passei os dois anos seguintes na escola pública de Cabo Verde. Quando regressei à escola em Portugal, aos 9 anos, já sabia que a liberdade nasceu de quem morreu por sonhá-la e de quem finalmente acordou essa madrugada. A liberdade nasceu de Salgueiro Maia, como de Amílcar Cabral.

A soberania e cidadania plenas do povo português nasceram com a descolonização, que permitiu a todos os povos o mesmo nos seus países. Somos iguais e só como iguais somos livres. A democracia é a única escolha da liberdade e da igualdade. E a liberdade e a igualdade são os seus primeiros critérios.

Sei que Portugal é um país diverso, feito de encontros, de partidas e de chegadas. Não é defeito. É feitio, é o nosso orgulho, é a nossa terra. Quando, nas ruas do meu país, me cruzo com quem chegou de longe, vejo nos seus olhos a mesma vontade de uma vida melhor, e a mesma saudade do que ficou para trás, que marca todas as gerações da minha família e de todas as famílias portuguesas.

Na minha infância, assisti à criação de sindicatos, cooperativas e associações. Tudo em debate e em construção. Sei desde então que a democracia nunca foi ritual, sempre foi a vida. Fiz todas as lutas estudantis do meu tempo, contra a prepotência, pelo acesso ao ensino superior, contra as propinas. Quando comecei a trabalhar na criação cultural, organizei-me com quem, como eu, só conhecia contratos precários, recibos verdes. A minha vida conjugou-se sempre no plural.

Na companhia de teatro que ajudei a fundar, e mesmo quando já tínhamos abertas as portas das mais importantes instituições culturais do país, nunca deixámos de trabalhar com escolas isoladas do interior de Portugal e com as dos bairros excluídos desta cidade. Estivemos com crianças e também em aldeias sem crianças, levámos arte, literalmente, para lá de todos os muros do nosso país. E nunca deixamos de conversar e aprender aqui e com o resto do mundo.

Numa casa da rua do Pêgo Negro, em Campanhã, vi ao meu lado a miséria e o isolamento, a mais absoluta impotência nos olhos de uma mãe a quem a dureza da vida roubou até a força para dar colo aos filhos. Aprendi que a vida tem muito mais curvas do que conseguimos imaginar. E que a nossa humanidade reside também na humildade de reconhecer isso mesmo.

Cresci num país sem palavras nem soluções para quem vivia a violência dentro de casa, onde o preconceito esmagava adolescências, em que raparigas, pouco mais que meninas, arriscavam a vida em abortos de vão de escada. E sei que hoje vivo num país melhor porque não encolhemos os ombros.

Não, não é tarde demais. O caminho feito, como escreveram as Três Marias, garante que hoje estamos “menos desamparadas”.

Digo-vos por isso que tenho um enorme orgulho deste Portugal solidário, combativo, capaz de desafiar o fatalismo e de abraçar a vida. Só a democracia abraça a vida.

Sei que há uma política da morte e uma política da vida. Essa é a escolha de todos os tempos. Na casa dos meus avós maternos convivi com a memória presente do meu tio-avô, médico do povo, morto a tiro pela ditadura fascista. E com os livros e jogos em inglês, enviados dos Estados Unidos, pela minha tia-avó judia que escapou da Alemanha nazi e para quem o país de Salazar não podia ser abrigo.

Só conheci a minha avó paterna vestida de luto, porque nunca conheci o meu tio morto na guerra colonial. Há um ano, na Ucrânia, viajei no comboio noturno para Kiev com mulheres iguais a mim e à minha avó. Eu, com o conforto de saber o meu marido e as minhas filhas seguros, e elas com o coração nas mãos.

Tenho estado empenhada na criação de grandes movimentos internacionais contra os horrores das guerras e do desespero e, para isso, trabalho determinadamente para uma nova aliança de eleitos de várias famílias políticas que não desistem da paz e do direito internacional.

Sei que somos feitos desta solidariedade. Acolhemos as crianças órfãs da guerra dos Balcãs, os estudantes que fugiram da Síria, os refugiados da Ucrânia. Estivemos com a coragem de quem foi num barco para apoiar Timor, como agora com a flotilha humanitária que fez o mesmo caminho da humanidade em direção a Gaza.

Não é tarde demais, nem Portugal é pequeno para ser a voz da Paz e do direito internacional no mundo. Esses valores estão inscritos na história da nossa democracia e são o meu alfabeto.

Saber quem somos e de onde vimos é o chão onde a democracia se levanta.

Candidato-me para ser a Presidente que cuida da democracia. Uma democracia forte que ocupa todos os lugares da nossa vida. Nas escolas, nas empresas, nos bairros. A democracia ativa que nos convoca em todas as idades e condições. É o tempo urgente desse encontro, de levantar essa torrente. Temos em nós a força para o fazer.

Apresento-me como candidata a Presidente de Portugal com a minha vida e a minha experiência política. Aqui estou inteira, aqui estou como sou.

Fui líder partidária durante mais de uma década. Corri o país todo. Falei com toda a gente, aprendi o mais que pude. Negociei e aprovei quatro Orçamentos do Estado que tomaram medidas que ainda hoje são lembradas, aumentamos o salário mínimo e as pensões, melhoramos a justiça fiscal, trocamos recibos verdes por contratos de trabalho, reduzimos as propinas, garantimos manuais escolares gratuitos, defendemos os direitos das mulheres, garantimos proteção às crianças de todas as famílias. Sempre respeitei e cumpri todos os compromissos. Não consegui tudo o que queria, mas fiz tudo o que podia para o muito que é necessário. Não desisto.

Aqui estou.

Com a vontade de construir novas pontes e soluções. Dei provas desse trabalho e sei que será determinante no próximo mandato presidencial.

Afirmo o compromisso com a democracia, princípio e fim de todas as escolhas da República, e que não será nunca mero ritual ou formalismo. É uma forma de vida. E sei que se a política deixar de falar de si própria e falar para o país, com o país, a democracia terá esse novo impulso imprescindível.

A candidatura presidencial é pessoal. Mas é tão mais forte quanto mais partilhada. Termino, por isso, com um apelo e um compromisso. O apelo a que façamos deste movimento um espaço de encontro, de convergência. Esta candidatura não se define por fronteiras partidárias. Dialoga com as pessoas de todos os caminhos da política empenhada na democracia e que não desistem de um país melhor. O meu compromisso é absoluto: nesta candidatura haverá lugar para todas essas vozes.

Obrigada Clara, Manel, Maria Amélia por juntarem as vossas vozes hoje. Obrigada a cada pessoa que decidiu estar aqui neste momento, a começar este caminho. Obrigada a quem se voluntariou para ajudar, a quem está já a começar a organizar os primeiros passos de uma campanha que será feita com as nossas energias.

Garanto-vos que, com esta candidatura, a campanha presidencial não será o debate entre a tragédia ou o mais do mesmo. Será sobre a vida e sobre o sonho. Esta é a candidatura que abraça a força do país que não desistiu e que se quer reinventar.

Viva a Democracia.

Viva Portugal.

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