Eleições no Canadá: Trudeau perde... mas ganha

22 de outubro 2019 - 11:20

O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, conseguiu uma maioria relativa no Parlamento canadiano e deverá manter-se no poder, apesar de o seu Partido Liberal do Canadá ter tido menos votos que o oposicionista Partido Conservador do Canadá, liderado por Andrew Scheer.

porJorge Martins

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Justin Trudeau
Justin Trudeaun num comício de campanha. Foto publicada no Twitter do primeiro-ministro canadiano.

Confusos? Bem-vindos ao maravilhoso mundo do sistema maioritário, que permite que uma força política vença as eleições com menos votos que o seu principal adversário.

Tendo perdido a maioria absoluta, Trudeau terá de fazer uma coligação ou um acordo parlamentar, provavelmente com os social-democratas do Novo Partido Democrático (NDP), que saíram enfraquecidos destas eleições, vítimas do “voto útil” nos liberais. O seu líder, Jagmeet Singh, teve algumas dificuldades em vencer o seu próprio círculo eleitoral.

Outra alternativa para parceiro seria o Bloc Québecois (BQ), defensor da independência da província francófona do país, que aumentou significativamente a sua representação. Mas, muito provavelmente, este exigiria, em troca, uma maior autonomia e/ou do aumento do “envelope financeiro” para esta, mas isso suscitaria a reação das províncias ocidentais, em especial da rica Alberta. Por isso, a relação seria sempre problemática.

O Partido Verde do Canadá foi outro dos grandes vencedores do sufrágio, ao conseguir três lugares, quando apenas detinha o da sua líder, Elisabeth May.

Ao invés, o novo Partido Popular do Canadá (PPC), de orientação “trumpista”, não se conseguiu afirmar, fruto também do “voto útil” nos conservadores. A sua votação foi muito pobre e não obteve representação parlamentar.

Estas eleições mostram, igualmente, uma clara divisão entre um Canadá progressista, dominante nas duas costas e na maior província (Ontário, onde se situa Toronto), bem como no Norte gelado, maioritariamente indígena, e um Canadá conservador, nas pradarias centrais e nas montanhas do Oeste do país.

Aliás, a explicação para a distorção dos resultados produzida pelo sistema maioritário explica-se pelo facto de os conservadores terem obtido maiorias esmagadoras nas três províncias dessa área (Alberta, o “Texas canadiano”, em especial, mas também nas centrais Saskatchewan e Manitoba), mas serem minoritários no resto do país.

Ironicamente, em 2015, Trudeau prometera uma reforma do sistema eleitoral, algo que foi vivamente contestado pelos conservadores. Porém, quando o comité por ele nomeado aconselhou a adoção de um sistema de representação proporcional, após um referendo, o primeiro-ministro “tirou-lhe o tapete”, a pretexto de não haver consenso para a mudança. Provavelmente, ele e o seu partido perceberam que teriam a ganhar com a manutenção do sistema maioritário, como veio a acontecer.

Com este resultado, Trudeau deverá prosseguir o essencial da sua política: liberal na economia e progressista em matéria de costumes. Eventualmente, se se confirmar a aliança com o NDP, poderá incluir algumas preocupações sociais, mas mais emblemáticas que práticas.
Ao mesmo tempo, o Canadá prosseguirá a sua política de independência, quando não de oposição, face à administração Trump, que vê assim fugir a hipótese de ter “um amigo” em Otawa. Não por acaso, o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, manifestou publicamente o seu apoio a Trudeau. Algo que foi especialmente importante, quando este último enfrentava acusações de racismo, após ter sido revelada uma fotografia da sua juventude, em que aparecia numa festa com a cara pintada de negro.

Contudo, o primeiro-ministro canadiano sai enfraquecido deste ato eleitoral, sendo previsível que a oposição conservadora questione a sua legitimidade política. Por isso, não surpreenderia que, a curto prazo, se viessem a realizar novas eleições.

Eis os resultados, com 99,6% dos votos contados, comparados com os de 2015 (entre parêntesis, o número de mandatos conquistados):

Partido Resultado (mandatos) 2015: Resultado (mandatos)
Liberal (social-liberal) 33,1 (157) 39,5 (184)
Conservative (liberal-conservador) 34,4 (121) 31,9 ( 99)
Bloc Québecois (separatista francófono) 7,7 (32) 4,7 (10)
NDP (social-democrata) 15,9 (24) 19,7 (44)
Green (ecologista) 6,5 (3)  3,4 (1)
People’s Party (direita populista) 1,6 ( 0) ---------
Outros 0,4 (0) 0,5 (0)
Independentes 0,4 (1) 0,3 (0)

A participação eleitoral foi de 65,8%, inferior à de 2015, que se cifrou em 68,3%.

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra