Eleições locais e regionais no Reino Unido: um retrato da desunião britânica (I)

13 de maio 2021 - 15:55

Os resultados das eleições no Reino Unido não podiam ter sido mais contraditórios. Vamos, então, tratar estas três eleições em separado, começando pela Escócia, seguida de Gales e, a fechar, pela Inglaterra. Por Jorge Martins.

porJorge Martins

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Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia. Foto de ROBERT PERRY, EPA, Lusa.

Quinta-feira, 6 do corrente, foi dia eleições no Reino Unido. Assim, na Inglaterra, decorreram as eleições autárquicas, para a eleição da Assembleia de Londres e respetivo “mayor”, dos Conselhos dos Condados e Distritos e dos “mayors” de algumas áreas metropolitanas. Por seu turno, a Escócia e Gales elegeram os respetivos Parlamentos autónomos. Já a Irlanda do Norte, a viver um impasse político, não foi a votos.

Os resultados não podiam ter sido mais contraditórios. Assim, na Inglaterra, saldaram-se por um claro triunfo dos conservadores do primeiro-ministro Boris Johnson e uma derrota significativa da oposição trabalhista, que apenas teve a consolação de ter mantido o “mayor” de Londres e arrebatado algumas áreas metropolitanas. Já na Escócia, o triunfo coube aos independentistas do SNP, da primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon, que, em conjunto com os Verdes, garante uma maioria parlamentar pró-independência. Por fim, em Gales, os trabalhistas, no poder desde que a autonomia galesa foi instituída, reforçaram a sua posição, apesar da subida dos conservadores, que falharam a aposta de conquistar o respetivo governo autónomo

Vamos, então, tratar estas três eleições em separado, começando pela Escócia, seguida de Gales e, a fechar, pela Inglaterra.

Escócia: a caminho de um segundo referendo?

Nas eleições para o Parlamento escocês, o SNP ficou a um lugar da maioria absoluta, enquanto os Verdes melhoraram a sua posição, o que reforçou o campo independentista. Entre as forças políticas unionistas, os conservadores registaram um ligeiro avanço, os trabalhistas uma pequena descida, enquanto os liberal-democratas estagnaram a sua votação.

Um Parlamento restaurado

Após a união pessoal entre a Escócia e a Inglaterra, em 1603, o Parlamento escocês manteve-se em funções durante o conturbado século XVII nas ilhas britânicas, marcadas por sucessivas guerras civis.

Contudo, em 1707, o Ato da União marcou o seu fim, com a transferência de todos os seus poderes para o Parlamento britânico, sedeado em Westminster.

Apesar disso, os escoceses conservaram sempre uma identidade própria, embora, até meados do século XX, a causa independentista (e, mesmo, autonomista) fosse relativamente minoritária.

Porém, no início dos anos 70, o sentimento nacionalista cresceu. Para isso, muito contribuiu a crise que afetou o Reino Unido e, sobretudo, a descoberta do petróleo no mar do Norte, na sua maioria junto à costa leste da Escócia. Aí, os escoceses perceberam que muitos dos lucros aí gerados beneficiariam, essencialmente, a Inglaterra, o que levou uma parte significativa destes a apoiar, pelo menos, uma maior autonomia no seio do Reino Unido, enquanto uma minoria crescente passou a aspirar à independência. Não por acaso, o SNP, que, até meados dos anos 60, só episodicamente tinha representação parlamentar, conseguiu, nas eleições de outubro de 1973, eleger 12 deputados.

Em 1978, o governo trabalhista britânico de James Callaghan aceitou iniciar um processo de autonomia da Escócia, conhecido, na terminologia anglo-saxónica, por “devolução”. Este previa uma assembleia parlamentar regional com poucos poderes, e um executivo, dirigido por um primeiro-secretário, igualmente com competências muito limitadas.

Depois de aprovado no Parlamento britânico, a proposta seria submetida a referendo em 1979. Porém, um deputado trabalhista escocês, adversário da autonomia, fez aprovar uma disposição que só considerava válida a consulta se, além da maioria absoluta dos votos, o “sim” somasse 40% dos inscritos. Na consulta, este conseguiu 51,6% dos sufrágios, com uma participação de 63,6%, o que correspondeu apenas a 32,9% do eleitorado recenseado, pelo que a devolução não foi aprovada.

Nas eleições desse ano, ganhas por Margaret Thatcher, o SNP perdeu grande parte da sua representação em Westminster. Contudo, ironicamente, o thatcherismo acabou por contribuir para dar novo alento ao nacionalismo escocês.

Para além das políticas neoliberais de destruição social terem atingido fortemente a Escócia, que sofreu com a desindustrialização e consequente aumento do desemprego, o thatcherismo praticou uma política centralista, que, não só foi abertamente hostil às nações periféricas do Reino Unido, mas também do próprio poder local inglês, de que foi exemplo a extinção dos conselhos metropolitanos, na sua maioria geridos pelos trabalhistas. A tentativa de instituição da chamada “poll tax”, que levou à queda do thatcherismo, foi a “gota de água” da insatisfação dos escoceses com a falta de autonomia da sua nação no seio do Reino Unido.

Assim, em 1989, surgiu a Convenção Constituinte Escocesa, formada por partidos políticos, organizações da sociedade civil e igrejas, tendentes a pressionar Londres no sentido da devolução.

Esta seria concretizada em 1997, no primeiro governo trabalhista de Tony Blair, que propôs a criação de um Parlamento Escocês, com poderes alargados, inclusive de criar impostos, e um executivo, dirigido por um primeiro-ministro (First Minister, enquanto o PM britânico é o Prime Minister), com competências igualmente reforçadas.

Desta vez, os resultados do referendo foram inequívocos: com uma afluência de 60,2%, votaram favoravelmente à criação do Parlamento regional 74,3% dos votantes, enquanto 63,5% aprovaram a possibilidade de ele criar impostos próprios).

Em 1999, o Parlamento da Escócia (Pàrlamaid na h-Alba, em gaélico escocês) foi instalado em Holyrood, Edimburgo, tendo as primeiras eleições para este tido lugar a 6 de maio desse ano.

Os trabalhistas, até aí a força dominante em terras escocesas, foram os vencedores desse ato eleitoral, formando uma coligação com os liberal-democratas, que se manteve no poder até 2007. Nesse ano, o SNP venceu as eleições e, desde então, tornou-se a força política dominante, tendo, mesmo, governado com maioria absoluta entre 2011 e 2016.

Um sistema político parlamentarista

Entretanto, com a tomada de posse do primeiro executivo escocês foram-lhe devolvidos os poderes que se encontravam na posse do secretário britânico para a Escócia, passando a poder legislar em todos os domínios que não sejam matéria constitucionalmente reservada do Parlamento de Westminster. Em 2007, o SNP mudou a designação oficial do executivo para Governo da Escócia (Riaghaltas na h-Alba) e substituiu as armas da Coroa pela bandeira escocesa.

O/a primeiro/a-ministro/a é, obrigatoriamente, uma pessoa eleita para Membro do Parlamento Escocês (MSP), votada pela maioria da câmara e respondendo politicamente perante esta. Também as pastas ministeriais têm de ser ocupadas por parlamentares, à exceção dos cargos de procurador-geral e adjunto, que podem ser ocupados por alguém que não integre o órgão legislativo.

O Parlamento é sempre eleito na primeira quinta-feira de maio. Poderá ser dissolvido se: não nomear um/a PM no prazo de 28 dias após a sua abertura ou a demissão do/a anterior; for votada uma moção de censura ao governo, obrigando à demissão do executivo, bastando uma maioria simples para esta ser aprovada; aprovar a sua própria dissolução por maioria qualificada de 2/3 de todos os seus membros.

Em caso de dissolução parlamentar, realizar-se-ão novas eleições no prazo mínimo de 30 dias após aquela, mas o ato eleitoral terá apenas carácter intercalar, isto é, destina-se apenas a completar o resto da legislatura, pelo que o novo Parlamento será eleito na data inicialmente prevista. Caso aquela ocorra nos últimos seis meses do seu mandato, tal não acontecerá, mas a data das eleições seguintes manter-se-á, pelo que a nova câmara ficará em funções mais uns meses que o habitual.

Um sistema eleitoral misto

O Parlamento escocês é constituído por 129 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de cinco anos (até 2016, eram apenas quatro).

O sistema pode ser considerado misto, embora também se possa considerar como de representação proporcional personalizada a nível regional.

Assim, 73 são eleitos em círculos uninominais, através do sistema maioritário a uma volta. Os outros 56 são mandatos compensatórios, atribuídos ao nível das oito regiões em que se divide a Escócia (sete em cada uma delas). Como cada região possui entre oito e dez circunscrições maioritárias, a magnitude dos oito círculos regionais varia entre 15 e 17.

Como funciona o sistema?

Apurados os resultados dos círculos maioritários, aplica-se uma fórmula de Hondt modificada, também conhecida por método da média mais alta. Então, em cada região, no início, dividem-se os votos das diferentes forças políticas pelo número de mandatos obtidos naqueles, acrescidos de uma unidade. A que registar o maior quociente ganha um mandato. A partir daí, aplica-se a mesma fórmula, somando mais um ao divisor da lista que tiver obtido o lugar na ronda anterior e assim sucessivamente, até estarem eleitos os sete membros adicionais.

Desde 2005 que as circunscrições uninominais de Holyrood deixaram de corresponder às de Westminster. Até então, a Escócia tinha direito a 72 lugares no Parlamento britânico e os círculos existentes para a sua eleição foram aproveitados para a do escocês, com a única exceção da divisão do dos dois arquipélagos setentrionais (Orkney e Shetland) em dois diferentes, um para cada um deles. Contudo, desde então, os escoceses viram a sua representação em Londres reduzida para 59 membros e as circunscrições deixaram de coincidir.

Na Escócia, o direito de voto é atribuído aos maiores de 16 anos. Nestas eleições, o eleitorado aumentou, pois passaram a poder votar os condenados a penas de prisão inferiores a um ano, bem como todos os estrangeiros residentes no território escocês, incluindo os que aguardam a legalização, e os refugiados.

O contexto político

Nas eleições escocesas de 2016, o SNP, já então liderado por Nicola Sturgeon, que, dois anos antes, substituíra Alex Salmond, após a derrota do “sim” no referendo à independência, voltou a ganhar, mas perdeu a maioria absoluta, passando a governar em minoria.

Pouco depois, no referendo do Brexit, enquanto a opção pela saída saiu vencedora, no conjunto do Reino Unido, com 52% dos votos, na Escócia a escolha maioritária foi pela permanência, com 62% dos sufrágios.

Contudo, nas legislativas britânicas do ano seguinte, o partido independentista perdeu 21 dos 56 lugares que conquistara em 2015, ficando reduzido a 35. Nestas, Salmond e outros importantes dirigentes perderam os seus lugares de deputados.

Em 2018, rebentou o escândalo sexual envolvendo o ex-primeiro-ministro escocês, que enfrentou 12 acusações de assédio e duas de violação. No entanto, acabou ilibado (numa das primeiras, formalmente, com benefício de dúvida) e acusou o governo regional de ligeireza na forma como conduziu o inquérito. O executivo assumiu a culpa e aceitou pagar as despesas do processo a Salmond. Este acusou Sturgeon e a cúpula do SNP de montar a acusação de forma a retirá-lo da vida política ativa.

Na sequência, foi aberto um inquérito parlamentar, no qual a oposição acusou a primeira-ministra de mentir ao Parlamento, exigindo a sua demissão. Contudo, um jurista irlandês, nomeado árbitro por consenso entre o partido do governo e a oposição, concluiu que tal não tinha acontecido.

Apesar de tudo, o escândalo não afetou o SNP, que, nas europeias de 2019, marcadas pela sua oposição ao Brexit, reforçou a sua posição. E, nas legislativas do final do ano, o partido recuperou parte dos lugares que perdera em Westminster, obtendo 45% dos votos na Escócia, que lhe valeram a conquista de 48 lugares no Parlamento britânico.

Ao contrário do governo do Reino Unido, o executivo escocês geriu razoavelmente a situação pandémica, apesar de se ter registado a oposição de alguns setores ao confinamento.

Devido à possibilidade de agravamento da pandemia, o anterior Parlamento considerou a hipótese de ter de adiar as eleições para uma data nos seis meses seguintes, dando plenos poderes ao seu presidente para tomar esta decisão. Por isso, apenas foi dissolvido, formalmente, na véspera do ato eleitoral.

Análise dos resultados eleitorais

Vamos, então, agora, passar à análise do desempenho das diferentes forças partidárias.

O Partido Nacional Escocês (SNP), liderado pela primeira-ministra Nicola Sturgeon, foi o claro vencedor do ato eleitoral, tendo obtido 40,3% dos votos proporcionais, o que lhe valeu a conquista de 64 lugares em Holyrood (62 nas circunscrições uninominais e dois nas regiões). Em 2016, tinha registado 41,4%, mas só conseguira 63 mandatos. Esse eleito adicional resultou da subida da sua votação nos círculos minoritários, nos quais obteve agora 47,7%, contra 46,5% há cinco anos. Aí, obteve mais três vitórias que então, “roubando” dois lugares aos conservadores e um aos trabalhistas. Só que, com isso, perdeu dois mandatos regionais, pelo que, no balanço final, apenas somou mais um.

Estamos em presença de uma força política de centro-esquerda, que faz da independência da Escócia o seu principal objetivo. Foi fundado em 1934, da fusão entre o conservador e tradicionalista Partido Escocês (SP) e o social-democrata e progressista Partido Nacional da Escócia (NPS), tendo obtido o seu primeiro mandato parlamentar em 1945.

Contudo, apenas a partir de 1967 passou a estar representado ininterruptamente no Parlamento de Westminster. Depois do grande êxito de 1973, sofreu uma clara derrota em 1979.

Os anos 80 foram um período de decadência, marcado pelo enfrentamento entre tradicionalistas e progressistas, que terminou com o triunfo destes no início dos anos 90, década que marcou o renascimento do nacionalismo escocês e do partido, que, a partir de 2007, se tornou a força política dominante na Escócia.

Do ponto de vista económico, é adepto de uma política social-democrata, tendo os seus governos aumentado a progressividade da carga fiscal, taxando os maiores rendimentos e apoiado os pequenos empresários. Tem sido, ainda, defensor do serviço nacional de saúde escocês, opondo-se à sua privatização, e a escola pública.

A nível dos costumes, é amplamente progressista, tendo desenvolvido políticas de promoção da igualdade de género e dos direitos das mulheres, expressos em medidas como a gratuitidade dos pensos higiénicos, bem como de consagração dos direitos das pessoas LGBTQI+, algo de notável numa sociedade até há pouco muito conservadora. É, ainda, um acentuado defensor do multiculturalismo, tendo recebido bastantes refugiados sírios.

Nas questões internacionais, o partido evoluiu do euroceticismo nos anos 70 (votou contra a adesão do Reino Unido à CEE) para uma posição claramente pró-UE na atualidade. Também abandonou o neutralismo, aceitando a integração na NATO, embora se tenha oposto à guerra no Iraque e mantenha a sua oposição ao estabelecimento de armas nucleares no território escocês.

Nestas eleições, considerando o voto proporcional, o SNP conseguiu os seus melhores resultados nas regiões da Escócia Central (45,3%) e de Glasgow (43,9%), onde o sentimento independentista é mais forte, em especial na metrópole industrial, onde o “sim” à independência triunfou no referendo. Em cada uma dessas regiões, arrebatou os nove círculos uninominais em disputa.

Ao invés, os piores ocorreram nas de Lothian, onde se situa a capital, Edimburgo (35,9%) e no Sul (37,6%), a mais unionista das regiões escocesas, onde o “não” venceu por larga margem naquela consulta. Apesar de tudo, nesta última, ganhou seis das nove circunscrições maioritárias, conquistando uma aos conservadores e outra aos trabalhistas. Já na primeira, levou sete das nove, “roubando” uma aos “tories”.

Relativamente à proveniência dos seus votos nos círculos regionais, 86% já seriam eleitores do SNP, a que se terão juntado 10% de abstencionistas e novos eleitores, 1,5% dos Verdes, 1,5% do Labour e 1% de outras opções.

Por seu turno, terá conservado 94% dos seus votantes de 2016, tendo perdido apenas 2,5% para o Partido Alba, do ex-primeiro-ministro Alex Salmond, 1% para a abstenção, 1% para os Verdes e 1,5% para outras opções de voto.

Em segundo lugar, ficou o Partido Conservador, liderado por Douglas Ross, que obteve 23,5% do voto proporcional e elegeu 31 deputados, o mesmo número das últimas eleições, onde obtivera 22,9%. Contudo, apenas ganhou cinco circunscrições uninominais, nas quais registou 21,9%, contra sete triunfos e 22,0% há cinco anos. Um resultado que ficou aquém das expectativas, até porque a concorrência à direita quase desapareceu.

Os conservadores são o mais unionista dos principais partidos escoceses, tendo votado contra a devolução em 1997. Por esse motivo, desde o final dos anos 90 e até meados desta década, os “tories” estiveram moribundos na Escócia. Contudo, recuperaram a partir de 2015, graças à eleição, quatro anos antes, de uma líder heterodoxa, Ruth Davidson, então com 35 anos, lésbica assumida, pertencente à ala centrista do partido e apoiante do “remain” no referendo do Brexit, cuja popularidade catapultou os conservadores para principal força de oposição ao SNP. Em 2019, abandonou a liderança, alegando razões políticas e pessoais. No início deste ano, foi nomeada par não hereditária do Reino, tornando-se vitalícia da Câmara dos Lordes britânica. Não por acaso, o círculo uninominal de Edimburgo em que fora eleita foi um dos dois que os “tories” perderam para os independentistas.

Após ter sido substituída pelo seu “vice”, este deixou o cargo pouco depois e foi substituído por Ross, um engenheiro agrário que, nas legislativas britânicas de 2017, batera Angus Robertson, então vice-primeiro-ministro de Sturgeon, no seu círculo.

Neste ato eleitoral, o seu melhor desempenho registou-se, como habitualmente, na região Sul (33,5%), seguido do Nordeste, onde se situa Aberdeen, de onde o seu líder é natural (30,6%).

Em contrapartida, e como também é tradicional, o pior ocorreu em Glasgow, onde não foi além de 12,1%. A forte tradição operária e sindical da cidade, ainda para mais muito favorável à independência, é um obstáculo à implantação dos conservadores. Noutras regiões industriais e urbanizadas, como a Escócia Central (18,3%) e Lothian (19,9%) também não obteve grandes resultados.

Nas circunscrições uninominais, os “tories” venceram três no Sul, curiosamente os três mais meridionais, situados junto à fronteira inglesa, tendo perdido a cidade de Ayr para o SNP. Para além desses, mantiveram um no Oeste e outro no Nordeste.

Relativamente à proveniência dos seus votos, 81% já teriam votado nos conservadores. A estes, ter-se-ão acrescentado 9% vindos da abstenção e novos eleitores, 4% do UKIP, que, praticamente, desapareceu, 2% dos trabalhistas, 1,5% dos liberal-democratas e 2,5% de outras opções.

Por seu turno, terá conservado 95% do seu eleitorado de 2016, tendo perdido 3% para pequenos partidos unionistas e 2% para outras opções de voto e a abstenção.

Em terceiro lugar, ficou o Partido Trabalhista, liderado por Anas Sarwar, que, na votação proporcional, obteve 17,9% dos votos, tendo conseguido 22 mandatos, uma ligeira descida face a 2016, em que conseguira 19,1% e 19 lugares. Nos círculos uninominais, apenas ganhou dois, tendo perdido um para o SNP. Um resultado que vem na sequência da progressiva perda de apoio do partido, durante muito tempo o maior da Escócia.

O Labour escocês apoiou o processo de devolução nos anos 90 e defende uma autonomia alargada para a Escócia, mas opõe-se à independência.

O seu líder, de origem paquistanesa, é dentista, tendo assumido a liderança no início deste ano, após a demissão do seu antecessor. Contudo, já havia sido vice-presidente do ramo escocês do partido entre 2011 e 2015. A sua grande referência é o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, escocês, sendo, igualmente, crítico de Blair (opôs-se frontalmente à guerra no Iraque) e de Corbyn. O seu pai foi o primeiro muçulmano a ser eleito deputado em 1997, tanto para Westminster como para Holyrood, tendo, em 2015, renunciado à nacionalidade britânica para concorrer e ser eleito governador da província do Punjab, no seu país natal.

Neste ato eleitoral, os seus melhores desempenhos verificaram-se em Glasgow (24,3%), onde sempre foi forte, na Escócia Central (23,7%) e, ainda, no Oeste (22,2%), região onde exerceu a sua atividade profissional.

Por seu turno, os piores ocorreram nas das Terras Altas e Ilhas (9,5%) e no Nordeste (11,4%), áreas mais rurais e conservadoras, onde o partido sempre teve mais dificuldades em se implantar.

Quanto à proveniência dos seus votantes, 82,5% já teriam votado no Labour, aos quais se haverão juntado 12% vindos da abstenção e novos eleitores, 2% de pequenos partidos, 1% dos liberais-democratas, 1% do SNP e 1,5% de outas opções de voto.

Entretanto, terá mantido 88% dos que nele votaram há cinco anos, tendo perdido 3,5% para o SNP, 3% para os conservadores, 2% para os Verdes, 1,5% para a abstenção e, por fim, 2% outras forças políticas.

A quarta posição foi, desta vez, para os Verdes Escoceses (Scottish Green), liderados por Patrick Harvie e Lorna Slater, uma escocesa de origem canadiana, que obtiveram 8,1% dos votos e elegeram oito parlamentares, uma melhoria face aos 6,6% e seis lugares conseguidos em 2016. O partido concorreu a poucos círculos uninominais, tendo-se quedado por 1,3% dos sufrágios nestes, apesar de tudo mais que os 0,6% de há cinco anos. Um bom resultado, sem dúvida, embora abaixo do que previam as últimas sondagens.

O partido foi fundado em 1990, após a separação pacífica dos ramos escocês e norte-irlandês dos Verdes britânicos, onde apenas se mantiveram ingleses e galeses.

É uma formação da esquerda ecologista, independentista e republicana. Advoga, para além de medidas ambientalistas, em especial o combate às alterações climáticas e a oposição ao nuclear, políticas de igualdade social e de luta contra todas as formas de discriminação. É, ainda, favorável a um aumento da participação democrática da cidadania.

Ao nível internacional, foi inicialmente eurocético, mas rapidamente evoluiu para uma posição pró-UE. Defende uma opção política pacifista e desarmamentista, sendo opositor da NATO e da presença de armamento nuclear em território escocês.

Como é vulgar neste tipo de partidos, os seus melhores resultados ocorreram nos principais meios urbanos: Lothian, onde se situa Edimburgo (12,7%) e Glasgow (11,8%).

Ao invés, o seu desempenho foi mais fraco no Sul (5,2%), zona fortemente unionista, seguida da Escócia Central (6,0%) e do Nordeste (6,3%).

Do seu eleitorado, só 60% terá vindo das últimas eleições. A ele, se terão acrescentado 26,5% vindos da abstenção e novos eleitores, 4,5% do SNP, 4,5% de pequenos partidos e independentes, 4% do Labour e 0,5% dos Lib Dem.

Por sua vez, terá conservado 85% do seu eleitorado de há cinco anos, tendo deixado fugir 10% para o SNP, 2% para os trabalhistas,1% para pequenos partidos e independentes e 2% para a abstenção e outras opções de voto.

A quinta e última força política a obter representação parlamentar foram os Liberal Democratas (Lib Dem), liderados por William Rennie, que obtiveram, no voto proporcional, 5,1% dos votos e elegeram quatro deputados, uma descida mínima face a 2016, quando conseguiram 5,2%, mas cinco mandatos. Os quatro lugares foram todos obtidos nas circunscrições uninominais, onde chegaram aos 6,9%, menos que os 7,8% das últimas eleições. Porém, o lugar que perderam fora conseguido nos círculos proporcionais. Este resultado espelha a estagnação eleitoral do partido, que tem obtido percentagens quase iguais desde 2011.

Os Lib Dem são uma força política unionista, mas defensora da ampliação da autonomia escocesa, no quadro de uma solução federal para o Reino Unido. Defendem uma economia de mercado, mas são progressistas em matéria de costumes. São, ainda, abertamente pró-UE.

O seu líder, antigo relações públicas e consultor de empresas privadas, foi eleito em 2011 e tem-se mantido no cargo desde então.

Na votação proporcional, o seu melhor resultado ocorreu, como é tradicional, na região das Terras Altas e Ilhas (11,2%), onde também elegeu dois dos seus representantes, ambos nos arquipélagos setentrionais: um nas Orkney e outro nas Shetland. Os restantes foram obtidos na da Média Escócia e Fife e na de Lothian, na circunscrição de Edimburgo Oeste.

No Nordeste, perdeu o lugar que obtivera com base na proporcionalidade.

Já os seus desempenhos mais fracos verificaram-se na Escócia Central (1,9%) e em Glasgow (2,0%), áreas mais industrializadas e com forte representação da classe trabalhadora, onde os liberal-democratas têm dificuldade em penetrar.

Uma ironia: se, em Inglaterra, o partido se queixa, e com toda a razão, do sistema maioritário, pois a sua dispersão territorial condu-lo a uma grande e crónica sub-representação, aqui tira dele algum benefício, pois tem o eleitorado mais concentrado, em especial nos arquipélagos setentrionais, que constituem dois bastiões dos Lib Dem.

O seu eleitorado será composto por 77,5% de antigos eleitores do partido, a que se terão somado 14% de abstencionistas e novos eleitores, 3,5% vindos do SNP, 2% dos “tories”, 1,5% dos trabalhistas e 1,5% de outras opções de voto.

O partido terá mantido 85% do seu eleitorado de 2016, tendo visto fugir 8% para os conservadores, 3,5% para o Labour, 1% para o SNP, 1% para a abstenção e 1,5% para outras opções.

Um dos grandes fracassos destas eleições foi o Partido Alba, formação independentista criada pelo ex-primeiro-ministro escocês Alex Salmond, que não foi além de 1,7% dos votos e não conseguiu entrar no Parlamento. Alegadamente para não dividir o voto pró-independência, não apresentou candidatos nos círculos maioritários.

O partido foi fundado em fevereiro deste ano por Salmond para concorrer a estas eleições e adotou a designação da Escócia no gaélico local (Alba). Tem um caráter unipessoal e, política e ideologicamente, pouco se distingue do SNP.

O ex-PM, que foi o grande obreiro da ascensão do seu antigo partido, chefiou o governo autónomo entre 2007 e 2014, tendo-se demitido após a derrota no referendo sobre a independência, após muitos terem apontado a sua crescente impopularidade como uma das causas da derrota. O escândalo em que se viu envolvido “colou-se-lhe à pele” e a sua rejeição aumentou, em especial no eleitorado feminino. Por outro lado, sem quase nada a distingui-lo do SNP, o Alba foi visto como uma tentativa de se vingar daquele e, em particular, de Nicola Sturgeon, com prejuízo para a representação parlamentar independentista. Daí ter sido penalizado nas urnas.

Ao nível territorial, o único resultado claramente acima da média ocorreu na região Nordeste, onde se situa Aberdeen, a cidade natal do seu líder (2,3%), embora só tenha ficado muito abaixo daquela no mais unionista Sul (1,1%).

Os seus poucos votos terão vindo maioritariamente do SNP (55%) e de abstencionistas e novos eleitores (42%), a que se somam 3% de outras opções.

Tal como sucedeu por todo o território britânico, o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), da direita radical eurocética, fundado por Nigel Farage, com o objetivo de retirar o país da UE, praticamente desapareceu, não indo além de 0,1% dos sufrágios, contra os 2,0% de 2016.

Após o triunfo no referendo do Brexit, o seu fundador abandonou a formação, que foi “devorando” líderes e guinou para a extrema-direita. Em 2019, Farage fundou o Partido do Brexit (BP), que, consumado este, mudou o nome para Reformar o Reino Unido (Reform UK). Feroz opositor da devolução, nunca foi popular na Escócia e o seu resultado de há cinco anos foi o melhor que conseguiu nas eleições parlamentares escocesas.

Apenas terá conservado 10% dos votos de então, vendo fugir 52% para os conservadores, 28% para outros partidos unionistas, sobretudo o All for Unity, (AFU), fundado por George Galloway, antigo líder do partido da esquerda radical Respect, e o Partido Abolir o Parlamento Escocês (ASPP), da direita, com destaque para o Reform UK, e da extrema-direita, como a pretensamente ecologista Voz Verde Independente (IGV). Terão, ainda, saído 7% para os trabalhistas e 3% para a abstenção.

Os outros partidos e candidatos independentes tiveram fracas votações, tendo somado, na totalidade, 3,3% do voto proporcional. Neste, o AFU obteve 0,9%, o Partido Escocês da Família (SFP), da direita religiosa, 0,6%, e o IGV 0,5%. Os restantes e as candidaturas individuais tiveram percentagens residuais. A maioria deles não concorreu ou apenas se apresentou em muito poucos círculos uninominais, pelo que, no conjunto, somaram apenas 0,6%.

Que balanço entre independentistas e unionistas?

Com estes resultados, o Parlamento da Escócia passa a ter uma maioria pró-independência reforçada, passando o campo independentista, constituído por SNP e Verdes, a ter 72 dos 129 lugares em Hollyrood, um aumento face aos 69 que detinha até aqui.

Mas será que essa maioria parlamentar traduz a realidade das urnas?

Para responder a esta questão, somamos os votos das listas independentistas (SNP, Verdes, Alba, Partido Libertário Escocês e várias formações da esquerda: Scotia Future, Restaurar a Escócia e TUSC) e das unionistas (Conservadores, Trabalhistas, Liberal Democratas, AFU, GIV, ASSP, Reform UK, UKIP, o social-democrata conservador SDP, o centrista Renovação, o populista Reclame e o Partido Comunista Britânico, a que juntamos o SFP, que se afirma neutral na questão, mas é contra um novo referendo). Há, ainda, forças políticas que não têm posição definida sobre a questão, como o feminista Partido da Igualdade das Mulheres (WEP), o animalista Partido do Bem-Estar Animal (AWP), bem como a anticonfinamentos Aliança da Liberdade (FA). Desconhecemos a posição dos candidatos independentes (0,2% no total), pelo que os adicionamos aos neutrais.

Adindo as respetivas percentagens no voto proporcional, as forças independentistas somaram 50,4% dos votos, contra 48,8% das unionistas e 0,8% das neutrais e independentes. Por seu turno, nos círculos uninominais, os candidatos unionistas foram maioritários, conseguindo 50,6% dos sufrágios, ficando os partidos pró-independência com 49,1%, restando uns residuais 0,3% para os sem posição definida e independentes.

Como se pode verificar, mesmo valorizando mais o voto proporcional de lista, ao contrário do que fez o governo e a maioria da comunicação social britânica, que sublinhou a votação nas circunscrições uninominais, não há uma maioria clara que dê a certeza de um triunfo da causa independentista em nova consulta popular. Até porque haverá franjas de eleitores do SNP e dos Verdes que não apoiam a independência, tal como entre os que votaram nos trabalhistas e nos liberal-democratas existirão nichos que lhe são favoráveis.

Um aspeto interessante destas eleições e que revela a polarização entre os dois campos foi o voto estratégico nos círculos maioritários. Entre os independentistas, a maioria do eleitorado dos Verdes (que apenas apresentaram candidaturas em círculos seguros do SNP) votou nos candidatos deste, naqueles onde o seu partido estava ausente e que foram a esmagadora maioria. Porém, foi entre os anti-independentistas que isso mais se verificou, em especial nas circunscrições que o partido de Sturgeon pretendia conquistar. Aí, muitos eleitores conservadores, trabalhistas e liberal-democratas optaram pelo candidato unionista mais bem colocado para derrotar o SNP.

Um novo referendo na calha?

Após o seu triunfo, a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon afirmou que continuará a governar em minoria, embora tudo indique que tenderá a apoiar-se, preferencialmente, nos Verdes.

Contudo, a sua declaração mais significativa foi a reivindicação de um novo referendo sobre a independência, alegando a maioria favorável a esta existente em Holyrood. Essa pretensão foi prontamente negada por Boris Johnson e pelo executivo britânico, que considerou ser mais importante, neste momento, fazer face à crise pandémica e suas consequências sociais. Em resposta, Sturgeon acusou-o de ter uma postura antidemocrática, de desrespeito pela vontade expressa nas urnas pelo povo escocês.

Habilmente, o primeiro-ministro britânico convidou-a, ao reeleito primeiro-ministro trabalhista galês e aos líderes políticos norte-irlandeses para uma cimeira sobre o combate à CoViD, embora se mostre disposto a discutir o futuro da união, de forma a salvá-la.

Para já, a primeira-ministra escocesa optou por um recuo tático, afirmando que apenas pretende realizar a nova consulta popular após o fim da pandemia. Porém, não deixou de referir que a questão não é SE ela se realiza, mas QUANDO terá lugar.

Veremos, pois, o que nos reservam os tempos mais próximos, que serão decisivos para o futuro da Escócia, sabendo-se que dele depende, em muito, o do próprio Reino Unido.

No próximo artigo, analisaremos as eleições em Gales.

 

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra