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E se o Hamas vencer as eleições palestinianas?

Se os palestinianos voltarem a dar a vitória ao Hamas em eleições livres e justa será bom que a chamada comunidade internacional deixe de aceitar a democracia só quando o resultado é aquele que lhe convém. Por José Manuel Rosendo em meu Mundo minha Aldeia.
Mushir al-Mashri, dirigente de topo do Hamas, em acção de campanha eleitoral numa escola do campo de refugiados de Jabalya, na Faixa de Gaza. Janeiro de 2006. Foto: jmr
Mushir al-Mashri, dirigente de topo do Hamas, em acção de campanha eleitoral numa escola do campo de refugiados de Jabalya, na Faixa de Gaza. Janeiro de 2006. Foto: jmr

Em Janeiro de 2006 ninguém esperava, mas o Hamas venceu as eleições parlamentares palestinianas. E venceu sem truques nem aldrabices. Recordo-me de ver o então alto representante de Política Externa da União Europeia, Javier Solana, na Mukata, quartel-general da Autoridade Nacional Palestiniana, em Ramallah, a dar os parabéns à participação dos palestinianos e a dizer que as eleições tinham sido livres e justas.

Nas eleições de 2006 as sondagens feitas nos territórios palestinianos, davam a vitória à Fatah de Mahmoud Abbas. Houve até um jornal português que, com base nas sondagens, noticiou a vitória da Fatah na primeira página. Diga-se que haveria alguma lógica numa vitória da Fatah, se atendermos a que poucos meses antes a Fatah tinha vencido as eleições municipais e Abbas tinha vencido as presidenciais para suceder a Yasser Arafat. Mas o que aconteceu nas legislativas foi uma vitória, com estrondo – maioria absoluta – do Hamas.

E o primeiro gesto do Hamas, se não estou em erro logo no dia seguinte às eleições, foi convidar a Fatah para formar governo. Um gesto que também traduzia a própria surpresa do Hamas, ao ter nas mãos uma inesperada maioria absoluta e não tendo qualquer experiência de governação. Mas a Fatah recusou, apostando num suposto descalabro de um Governo inexperiente e, certamente, sabendo que esse Governo não teria apoio da comunidade internacional, e não seria um interlocutor para Israel, o que de facto se confirmou.

Depois, a história é conhecida, com o desentendimento violento entre Hamas e Fatah, na Faixa de Gaza e, na prática, os palestinianos a terem dois Governos: um na Cisjordânia, controlado pela Fatah, e outro na Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas. Durante mais de uma década e três guerras com Israel, houve aproximações entre as forças palestinianas que nunca deram em nada, e só agora parece, sublinho este “parece”, há acordo para a realização de eleições.

Marwan Barghouti

Recordo-me também que a maioria dos cartazes eleitorais em 2006, eram de pessoas que já tinham morrido ou estavam presas: Ahmed Yassin (fundador do Hamas, assassinado por Israel em Março de 2004); Yasser Arafat, líder histórico dos palestinianos que morrera em Novembro de 2004, e Marwan Barghouti, considerado o líder da segunda Intifada e que está preso em Israel a cumprir cinco penas de prisão perpétua. As fotografias destes três homens preenchiam a maioria dos cartazes de campanha eleitoral, o que também é um exemplo da forma de fazer política entre os palestinianos e a importância atribuída aos que lutam e morrem pela causa.

Marwan Barghouti vai ou não candidatar-se às eleições presidenciais de 31 de Julho? Será que aposta na formação de um novo partido para concorrer às legislativas de 22 de Maio?

Aqui chegados, há um nome que vai ter grande influência nas próximas eleições: Marwan Barghouti. É um líder carismático e respeitado, pertence à Fatah, mas o seu capital político vai muito para além das paredes do partido e até o Hamas não esconde o respeito por Barghouti. Apesar de preso, ou também por isso, a rua palestiniana gosta de Barghouti. Nenhum outro líder se pode comparar a Arafat, mas a aura de combatente de Barghouti permite-lhe ser aquele que mais se aproxima do líder histórico palestiniano. Circulam muitos rumores e alegadas declarações de Barghouti, mas não se sabe ao certo qual vai ser a decisão final. Marwan Barghouti vai ou não candidatar-se às eleições presidenciais de 31 de Julho? Será que aposta na formação de um novo partido para concorrer às legislativas de 22 de Maio? Ao contrário do que aconteceu em 2005 e 2006, as eleições presidenciais são depois das legislativas e não será despropositado pensar que Mahmoud Abbas – que terá 86 anos – ficará à espera dos resultados para saber se se recandidata. É praticamente certo que o fará, mas perante uma vitória do Hamas, falta saber se estará disposto a reviver os problemas do passado. Abbas enfrenta um desgaste terrível e a sombra da corrupção que persegue a velha liderança palestiniana, poderá ser um factor determinante na opção de Abbas perante a possibilidade de vir a sofrer um castigo nas urnas. Mais de 83% dos palestinianos consideram que há corrupção na Autoridade Nacional Palestiniana, segundo uma sondagem do Centro de Investigação Palestiniano de Política e Pesquisa, feita em Dezembro de 2020. A sondagem mostra claramente que 66% dos palestinianos inquiridos defendem a renúncia de Mahmoud Abbas. Se as presidenciais forem entre Abbas (Fatah) e Ismail Haniya (que foi Primeiro-Ministro palestiniano após as eleições de 2006 e é o actual líder do Hamas), Haniya ganha por 50.2%-42.8%; se forem entre Marwan Barghouti (Fatah) e Haniya, Barghouti vence por 61%-37%. E se envolverem os três nomes referidos anteriormente, vence Barghouti (41.2%) e Abbas fica em último (24.5%). É evidente a preferência por Barghouti e a rejeição de Abbas. A não ser que também desta vez, como em 2006, as sondagens estejam enganadas.

Aceitar a decisão dos palestinianos

Para já, mais de 2,6 milhões de pessoas inscreveram-se nos cadernos eleitorais, o equivalente a 93,3% dos palestinianos com idade para votar. Um número muito superior aos 80% que se inscreveram nas legislativas de 2006.

Se os palestinianos voltarem a dar a vitória ao Hamas em eleições livres e justas, como disse Solana, será bom que a chamada comunidade internacional deixe de aceitar a democracia só quando o resultado é aquele que lhe convém e entenda de uma vez por todas que que não há forma de resolver o conflito israelo-palestiniano excluindo o Hamas da solução.

Por José Manuel Rosendo em meu Mundo minha Aldeia a 26 de fevereiro de 2021

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