“Falta de consciência política”
Eu venho do outro lado do rio e estou indignado com a atitude das pessoas. Este dia, que para mim é o mais importante do calendário político, parece um dia normal de semana. Está tudo aberto e, mais grave do que isso, as pessoas andam nas lojas a fazer compras. Não entendem que lhes estão a fazer uma provocação e deixam-se ir por meia dúzia de euros em descontos. Assim, é difícil dar mais força à luta dos trabalhadores. Muitos até já se esqueceram que antes do 25 de Abril não se podia comemorar o 1º de Maio. De há uns anos a esta parte, os patrões do Pingo Doce e outros andam a provocar as pessoas e elas não se apercebem disso. Desta forma, terei de concluir que os sindicatos devem adotar uma atitude mais “agressiva” e ir junto das pessoas para lhes dizer que este dia é de festa, é de luta e não de consumo. Ninguém precisa de ir para dentro de um supermercado ou de uma loja. Amanhã, está tudo aberto. (Manuel Ferreira, 56 anos, funcionário público.)
“Estou doente e chamam-me preguiçosa”
A minha vida? É só desgraças...nem sei como é que ainda consigo rir. Tenho uma doença e não me querem dar a reforma. Estou de baixa e já não recebo quase nada. Os médicos dizem que estou apta para trabalhar. Mas não estou. Eu sei o que sofro. Lá na fábrica, os patrões até me disseram que o meu problema é “preguiça”. Tenho uma doença grave e os relatórios médicos provam-no. Esperava que este governo mudasse a maneira como somos tratados mas até agora nada. Se não fosse o meu marido, se calhar já andava a dormir na rua. Não sei o que hei-de fazer à vida. No sindicato só me dizem para ter calma. Se os trabalhadores se unissem todos...mas assim, não sei. (Antónia Conceição, 45 anos, operária fabril.)
“Estou desempregado...se calhar até ao fim da vida”
Vocês (jornalistas) andam aqui e depois cortam tudo e só passam o que vos interessa. Desculpe lá, eu sei que também há muitos da sua profissão que estão desempregados, mas os jornais e as televisões são máquinas de vomitar mentiras para fazer a cabeça ao povo. Está a vir muita gente para a manifestação mas devia estar aqui o dobro ou o triplo. Estou desempregado há oito anos, ando agora por minha conta a vender umas roupas nas feiras. Às vezes nem vou porque não tenho dinheiro para os transportes porque as pessoas não compram quase nada. Fui escriturário, não sei como é que se diz agora e fiquei sem trabalho há oito anos. Sei que já não vou conseguir nada. Resta-me aquilo que faço e as ajudas de alguns amigos, porque nunca casei e não tenho família. No quarto onde estou a morar (não posso alugar uma casa) tenho lá uma fotografia do primeiro 1º de Maio. Aquilo é que foi. Uma festa, uma alegria, enfim a esperança de que a partir dali a vida ia ser diferente para toda a gente. Mas não foi. Eu sei quem foram os culpados mas não digo os nomes porque você não os punha lá no jornal. Mas sei quem é que teve a culpa disto tudo. Nos últimos anos, deixei de vir. Os novos que lutem, eu já fiz a minha parte. Ainda se arranjasse um trabalho. Mas já não devo conseguir, não acha? (Mário Óscar, 60 anos, desempregado.)
[caption align="left"]Sob o lema " Impossível é o trabalho precário", o Precfest abriu espaço para a realização para várias iniciativas de natureza cultural e política.[/caption]
“De estágio em estágio”
Uma pessoa aposta na sua formação, esforça-se e depois desemboca num túnel sem fim à vista. É o que está a acontecer comigo. Já fiz dois estágios, um deles nem sequer era remunerado e estive numa loja durante 6 meses. Estou cansado da conversa de que isto vai mudar para melhor. Os tipos, os patrões mandam nisto tudo e fazem o que querem. Ainda assim, é muito importante estar aqui hoje porque só a nossa força coletiva pode mudar este estado de coisas. A minha namorada até já foi ameaçada de despedimento se ficar grávida. Chegámos ao fim da linha e vai ser difícil erguer isto outra vez e impor os direitos de quem trabalha. Não vê o que se está a passar em França? Mas lá, eles não se calam e aqui anda tudo mais preocupado em saber quem vai ganhar o campeonato de futebol. (Rodrigo Carvalho, 27 anos, licenciado em Educação Física, desempregado.)
“Nem filhos saudáveis sabem fazer”
Faz sentido andar a trabalhar para ganhar 500 euros e a recibo verde? E mesmo assim acordar todos os dias atormentada a pensar: “será hoje que me vão dispensar?” Quando isso acontecer, o que vai ser de mim e do meu filho que só tem um ano? Eu sei, são muitas interrogações e nenhuma delas tem resposta. Pensava ter um futuro diferente. Vivo na casa dos meus pais e apercebo-me todos os dias que eles sofrem com a minha situação. Perdi a conta aos currículos que já enviei, às entrevistas a que já fui. Serei incompetente? Incapaz? Hoje está aqui muita gente para afirmar a necessidade de mudança. Amanhã, cada um vai à sua vida e se for preciso rasteira o colega, o vizinho, o amigo. Eles, os poderosos, brincam com as nossas necessidades e manipulam-nos. Na loja onde trabalho a patroa está sempre a dizer “ e é se quiser”. Estou lá há dois anos e nunca me aumentou o salário. Quando tenho de ir ao médico com o meu filho, torce o nariz e já me chegou a dizer “ livra, nem filhos saudáveis sabem fazer”. Às vezes, não consigo segurar as lágrimas. (C.S, 27 anos, designer gráfica.)
Os corredores da mudança são estreitos e por isso é preciso usar toda a perícia para evitar despistes
"Eu (nem) sei o que lhe fazia"
Só deixarei de vir à Alameda se a minha mãe morrer neste dia. Felizmente está viva, de saúde e eu aqui estou. Sou comunista, sim senhor. Já foi crime, mas hoje não é e honra-me o passado e o presente do meu partido. Mas hoje é a festa dos trabalhadores e também dos reformados e daqueles que querem trabalhar mas não os deixam. É a reunião do povo, que sofre, mas não desiste e sabe que houve e haverá sempre razões para estar aqui ou noutro lado a lutar pelo emprego, pelos direitos, pela dignidade. Nada disto cai do céu. Hoje de manhã, ouvi o Passos Coelho a dizer que não havia razões para comemorar o 1º de Maio. Enfim, um profissional da provocação, que deu cabo deste país. Pode não ser muito democrático mas eu nem sei o que lhe fazia se ele me aparecesse pela frente. Ou melhor, até sei mas não quero dizer. (Lúcio Esteves, metalúrgico, 49 anos.)
“A cor da pele é fator eliminatório”
Os direitos consagrados na Constituição não são respeitados. É tudo conversa. Pelo facto de ser africana, não consigo arranjar emprego. Quando me chamam para as entrevistas de emprego, acabam sempre por me dizer que eu não tenho o perfil adequado. É sempre a mesma conversa. Um dia 'passei-me' e disse à responsável dos recursos humanos que me estava a entrevistar: “ está-me a dizer isso porque eu sou africana, sou preta, não é?”. E sabe qual foi a resposta: “Pense o que quiser, há muita gente como a senhora a trabalhar, mas não é nesta função. Não costuma ir a cafés e a restaurantes? Ou ver quem anda a limpar as casas de banho dos centros comerciais? Eu ainda estive para fazer queixa, mas não havia testemunhas. Era bom que os sindicatos falassem mais nestes problemas. Tenho uma amiga que é lésbica e é casada. É muito corajosa e não esconde nada da sua vida. Um dia, numa entrevista disseram-lhe que a empresa só aceitava pessoas “normais”. (Carla Tomé, 26 anos, licenciada em Relações Internacionais, operadora de call center.)
“Já foi uma grande festa”
Tenho pena que as pessoas já não liguem ao que lhes diz respeito. Conseguimos muito através das lutas sindicais, algumas travadas ombro a ombro nas ruas ou à mesa de negociações. Mas agora a malta já não consegue recuperar o ânimo. Deixa-se ir, deixa-se ir e quando quiser abrir os olhos já não o consegue fazer. Tantos desempregados, tantos pobres, tantos na miséria e está quase tudo de braços caídos. Tivéssemos nós (trabalhadores e sindicatos) a força de outros tempos e o Passos Coelho vinha aqui pedir desculpa pelo que andou a fazer ao povo durante quatro anos. Dantes, isto era uma festa, que celebrava as conquistas conseguidas ao longo do ano e preparava as pessoas para aquilo que ainda tinha de ser alcançado. Hoje, há muita tristeza e desalento. É preciso acordar outra vez este povo e dizer-lhe que o poder nunca está totalmente do seu lado. Mesmo agora com um governo de esquerda, é preciso estar atento, muito atento. (José Castelo, 62 anos, reformado, ex-sindicalista.)
“Quando terminar os estudos, vou-me embora”
É muito importante vir para a rua e não calar a indignação. Respeitar quem durante o fascismo deu o corpo às balas pela liberdade e pela democracia. Sou jovem, mas conheço a História do país. Que agora parece ter uma seta a apontar-me a porta de saída. Essa placa foi obra do Passos e do Portas. Mas ainda lá está. Sinceramente, não quero ficar num país que só tem para me oferecer trabalhos em supermercados ou lojas. Com todo o respeito pelos que lá trabalham (e eu tenho lá alguns amigos), os meus pais esforçaram-se para me dar a melhor formação e terei de responder, encontrando um futuro que esteja à altura das minhas qualificações. Isto não é vaidade, é justiça. Estou a fazer um mestrado em ciências da comunicação e depois vou-me embora. Não acredito em mudanças a médio prazo e não estou para perder metade da vida à espera de “qualquer coisa melhor”. Não pertenço a nenhum partido, mas estou muito atento ao que se passa à minha volta. Gosto da coragem do António Costa, da determinação da Catarina Martins e da Mariana Mortágua. Pertencem a uma nova geração de pessoas que faz política de forma diferente. Sem dogmas, com pragmatismo mas sem hipotecar os seus princípios. É preciso dar-lhes mais força, mais poder. Pode ser que um dia os meus filhos venham para o país onde o pai nasceu e aqui possam construir o seu futuro. Eu, a minha namorada e o meu pequenito, estamos de malas feitas. Tristes, é certo, mas conscientes que Portugal bateu no fundo e nós temos uma vida para viver. (João Ramos, 28 anos, precário, mestrando em Ciências da Comunicação.)
“Até já me disseram que ele é tonto”
Oh senhor...há pouco estava ali a discutir com um homem que dizia que o 1º de Maio é para os pobres e comunistas. Eu disse-lhe que está enganado; é o dia do trabalhador. Aqui não há é lugar para quem anda a roubar e a por o dinheiro lá fora para não pagar impostos. Veja lá que tenho um filho que fez o 9ºano (eu sei que é pouco mas ele não quis estudar mais) e está em casa sem fazer nada. Tem um problema mas não é nenhum anormal. Sabe muito bem aquilo que faz. Já andou lá na Junta de Freguesia as tratar dos jardins e da limpeza das ruas, mas não lhe pagavam por causa daquela coisa dos estágios. E desistiu. Um dia foi falar com um senhor que tem uma fábrica e precisava de um estafeta interno, para distribuir a correspondência e outras coisas. Disse-lhe que ele era assim um bocadinho tonto e mandou-o embora. Ele não é parvo tem só um ligeiro atraso. Não pode fazer tudo, mas pode fazer muita coisa. Estou muito preocupada, veja lá se o rapaz me fica ali em casa sem fazer nada. Assim é que dá em maluco. Eu até já nem durmo. Então, quando eu e o pai nos formos embora, o que vai ser dele? O senhor Arménio (Carlos) devia também falar sobre estas pessoas. O meu filho não é nenhum tonto e precisa de um trabalho. (Maria Tristão, 50 anos, funcionária pública.)
Aqui não há é lugar para quem anda a roubar e a por o dinheiro lá fora para não pagar impostos
“Pode ser estranho, mas funciona”
Portugal é de novo o país mais progressista da Europa porque tem um governo de esquerda adaptado à dura realidade que se vive. Não se arma em herói como aconteceu na Grécia, nem estica a corda como está a acontecer em Espanha. Aos poucos, lá vai juntando os cacos deixados pelos outros e, surpresa das surpresas, aguenta-se no balanço. Há tempos um amigo francês confessava-me a sua perplexidade com esta forma de governo por quem ninguém dava um cêntimo. Juntar sociais-democratas (PS) comprometidos até à raiz com as políticas da União Europeia com comunistas ortodoxos e esquerdistas de passo acertado com o tempo, é algo para, no futuro, figurar nos manuais de ciência política. Tudo isto pode ser frágil e algo contranatura, mas funciona. E vai retirando margem de manobra aos golpes desferidos pela Comissão Europeia. Os corredores da mudança são estreitos e por isso é preciso usar toda a perícia para evitar despistes. E isso está a ser feito para desespero de muitos. Estamos a escrever uma página da História tão interessante, quanto necessária. (Bernardo Mesquita, 35 anos, professor.)