França

Dois milhões assinam petição contra agro-negócio e pesticida

25 de julho 2025 - 10:12

Um recorde de assinaturas em pouco tempo opõe-se à lei que reintroduz um pesticida, facilita a construção das mega-bacias e afrouxa limites para obras das grandes pecuárias. A Confederação Camponesa denuncia a promoção de um “modelo agro-industrial que não responde em nada às necessidades do mundo rural”.

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Confederação Camponesa contra a lei Duplomb.
Confederação Camponesa contra a lei Duplomb. Foto de Jean-Claude Utard/Flickr.

Éléonore Pattery é uma desconhecida estudante de 23 anos que decidiu criar uma petição à Assembleia Nacional francesa sobre a chamada lei Duplomb. Em pouco tempo, alcançou os 500 mil, patamar necessário para ir à Conferência de líderes parlamentares e poder ser debatida no plenário, sem que implique, contudo, a votação ou revogação da mesma.

A avalanche de assinaturas continuou e no domingo passado superou mais de um milhão, tornando-se de longe a petição parlamentar mais popular de sempre no país. Esta sexta-feira de manhã, o número chegava aos 1,9 mil, continuando a crescer ao minuto e aproximando-se muito rapidamente dos dois milhões.

A jovem mestranda em “Qualidade, Segurança, Ambiente/Responsabilidade Social das Empresas” que desencadeou o processo pretende ficar longe da exposição mediática e não responde a entrevistas, limitando-se a escrever no seu perfil de LinkedIn que “as vozes que se erguem por todo o país representam-na [a petição] muito bem”.

Estas fazem, porém, eco das palavras que escreveu no dia 10 deste mês quando submeteu o texto à plataforma da Assembleia Nacional. Neste, pede a revogação imediata da lei, a revisão do processo legislativo que permitiu a sua adoção e a consulta cidadã dos “atores da saúde, agricultura, ecologia e direito”.

Sobre o conteúdo da lei em causa diz que é “uma aberração científica, ética, ambiental e sanitária” e “representa um ataque frontal à saúde pública, à biodiversidade, à coerência das políticas climáticas, à segurança alimentar e ao bom senso”. Considerando-o ainda um “ato possivelmente inconstitucional” que atenta contra a “obrigação de precaução”.

O que é a lei Duplomb

A lei em causa ganhou o nome de Laurent Duplomb, um dos senadores de direita que avançou com ela. Trata-se de um pacote com o apoio das grandes federações agrícolas no qual cabem medidas como a reintrodução do pesticida acetamiprido, atualmente proibido em França mas permitido na União Europeia até 2033, a “flexibilização” de regras para armazenamento de água, nomeadamente facilitando a construção das polémicas mega-bacias e o afrouxamento de limites para as grandes obras de construção ou ampliação de estruturas dedicadas à pecuária intensiva.

A lei é apresentada como sendo apoiada pelos agricultores. Contudo, a seu favor temos o grande lóbi do patronato, a FNSEA, o seu principal promotor, e os Jovens Agricultores, organização com posições também tradicionalmente muito à direita, que a apresentavam como “um primeiro passo para relançar o nosso aparelho de produção agrícola”. Mas contra temos os apicultores que têm denunciado que se pretende voltar a tornar legal um “veneno para as abelhas” e os agricultores e trabalhadores reunidos à volta da Confederação Camponesa. Esta denunciava a promoção de um “modelo agro-industrial que não responde em nada às necessidades do mundo rural”, como explica Fanny Métrat, a sua porta-voz.

A clivagem inclui ainda a direita a favor e ambientalistas e partidos de esquerda contra. A ministra da Agricultura, Annie Genevard, dos Republicanos, classifica a lei como “um grande passo para a reconquista da nossa soberania alimentar”.

Do outro lado, o deputado da França Insubmissa Ugo Bernalicis responde-lhe que o governo deve “ouvir a voz do povo que recusa a passagem forçada” da lei. E Marine Tondelier, do grupo Ecologista, pede uma “segunda deliberação” parlamentar da lei, ao mesmo tempo que escreve: “face aos lóbis, somos milhões: a ecologia contra-ataca”.

Do lado científico, vinte e duas sociedades de especialistas em medicina, o conselho científico do CNRS, organismo francês dedicado à investigação científica, a Liga Nacional contra o Cancre entre outros peritos tinham-se juntado numa tribuna pública onde apelavam à retirada da lei da parte sobre o pesticida.

Eve Fouilleux, agrónoma do CNRS, defende que o modelo do agro-negócio “é deletério para a a sáude humana e os ecossistemas e já não podemos continuar assim”. Giovanni Prete, sociólogo e especialista em saúde ambiental, questiona se há verdadeiramente vontade de “colocar em perigo a saúde e o ambiente para apoiar as fileiras da exportação e do agro-alimentar”, insistindo que do outro lado está uma agricultura menos virada para “a balança comercial” e mais para a soberania alimentar.

Também se opõem organizações não governamentais como a Greenpeace que escreveu que o dia em que a lei foi adotada foi “um dia negro para a saúde pública e para o ambiente”, e como a Agir pour l'Environnement que sublinha que “renunciando a escutar os alertas da comunidade científica, uma maioria parlamentar de circunstância cai num trumpismo em marcha”.

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