Decisão sobre recurso de Assange contra extradição adiada para março

22 de fevereiro 2024 - 15:55

Tribunal Superior de Londres alegou necessitar de mais tempo para analisar os factos. Se o recurso for recusado, Julian Assange, que poderá ser sujeito a um máximo de 175 anos de prisão nos EUA, ou até mesmo a pena de morte, já só poderá recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

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Foto Antonio Marín Segovia/Flickr

Esta quarta-feira, no segundo dia de audiências no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), os juízes anunciaram que a decisão sobre a possibilidade de Julian Assange recorrer contra a sua extradição para os Estados Unidos (EUA) foi adiada para março. Se o recurso no âmbito do quadro legal britânico for recusado, Assange já só poderá recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Caso o STJ decida a favor do jornalista, o fundador do Wikileaks continuará preso enquanto o caso é preparado, o que que se prolongaria, pelo menos, até ao final deste ano.

Sobre o australiano de 53 anos pesa a acusação de ter publicado mais de 700 mil documentos confidenciais sobre as atividades militares e diplomáticas dos EUA, nomeadamente no Iraque e no Afeganistão, a partir de 2010.

Em frente ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Londres, concentraram-se centenas de pessoas de várias faixas etárias e inúmeras nacionalidades. Lá dentro, a sala de audiências estava tão cheia que a maioria dos meios de comunicação social teve de se contentar com uma ligação vídeo ou áudio.

Os portões do edifício do STJ, bem como vários postes nas imediações, foram ornamentados com fitas amarelas, fazendo eco da campanha #YellowRibbons4Assange, apoiada por Stella Assange, a mulher do fundador do WikiLeaks, em 2022 no então Twitter (agora X). Foi igualmente afixada uma lista de todos os prémios jornalísticos que Julian Assange recebeu.

A par de Stella, vários dos presentes alertaram para os riscos que Assange enfrenta, invocando, inclusive, o caso de Alexei Navalny.

Após a audiência, os apoiantes de Assange marcharam em direção a 10 Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro para mostrar que acreditam que a solução não virá necessariamente dos tribunais, mas talvez da vontade política em Londres e Washington.

Saúde e segurança de Assange em risco

As condições de vida precárias na prisão de segurança máxima de Belmarsh, onde está detido desde 2019, contribuíram para o agravamento da saúde mental e física de Assnage, tal como alertou, em várias ocasiões, o relator da ONU sobre a tortura, Nils Melzer. A degradação da saúde de Assange é, portanto, uma fonte de preocupação, e a possibilidade de as condições do seu cativeiro nos EUA agravarem o seu estado é um dos muitos argumentos apresentados pela defesa do jornalista para paralisar a sua extradição.

Stella Assange continua convencida de que se o fundador do Wikileaks for extraditado "vai morrer". “Não acreditem nas garantias que os Estados Unidos deram de que o vão tratar bem", avisou aos jornalistas na semana anterior. “Se ele for enviado para lá, será metido num buraco e nunca mais será visto", continuou.

Os advogados de Assange destacaram os riscos para a segurança do seu cliente, apontando também para ameaças externas. "Existe um risco real de ações extrajudiciais contra ele por parte da CIA e de outras agências", afirmaram.

De acordo com Stella Assange e com os advogados do jornalista, os serviços secretos norte-americanos, com a aprovação de Mike Pompeo, antigo chefe da CIA e secretário de Estado do ex-presidente Donald Trump, tencionam raptar, ou mesmo assassinar, o fundador do WikiLeaks.

EUA reconhecem risco de pena de morte para Assange

Acresce que a acusação de Julian Assange reconheceu perante o juiz do STJ britânico, Adam Johnson, que a justiça norte-americana não dispõe de qualquer mecanismo para evitar que o jornalista australiano seja condenado à morte.

A possibilidade de Assange ser condenado à pena capital contradiz as garantias dadas pelo Reino Unido ao Equador em 2019, quando este se comprometeu a não extraditar o jornalista para um país onde pudesse enfrentar tal sentença. Em 2020, o subsecretário permanente do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico no Equador, Simon McDonald, afirmou que "o que dissemos foi que nunca extraditaríamos Assange se houvesse o perigo de ser condenado à pena de morte".

A possível condenação de Assange também é dissonante com a argumentação dada em 2021 pelo Departamento de Justiça, quando garantiu a Londres que salvaguardaria a integridade física e psicológica e o bem-estar de Assange durante o processo judicial e posterior condenação no seu território. Foi esta garantia que permitiu aos britânicos dar luz verde à entrega do jornalista, que tinha sido inicialmente rejeitada por razões humanitárias.

Assange "está a ser processado por um crime político"

O fundador do WikiLeaks "está a ser processado por um crime político", afirmou o advogado Ed Fitzgerald perante o STJ. O jurista explicou que o tratado bilateral entre os Estados Unidos e o Reino Unido estipula que um suspeito não pode ser extraditado por um crime de natureza política. "É um abuso do processo pedir a extradição por razões políticas", concluiu o advogado.

No tribunal, Claire Dobbin, em representação dos Estados Unidos, defendeu que Julian Assange estava "muito fora do âmbito do jornalismo ou do jornalismo responsável", e reiterou que as revelações da WikiLeaks puseram em perigo a vida de informadores e espiões internacionais.

Claire Dobbin argumentou ainda que a Lei de Extradição britânica "reformou substancialmente" e que a extradição deixou de ser proibida para crimes políticos.

Face a este argumento, Ed Fitzgerald, assinalou a contradição entre a lei britânica e o tratado bilateral, e realçou que “o tratado não pode ser ignorado”, na medida em que “é a base do pedido de extradição".

Um ataque à liberdade de imprensa e ao direito das pessoas à informação

"Se for extraditado, Julian Assange será o primeiro jornalista a ser acusado ao abrigo da Lei da Espionagem ", afirmou Fiona O'Brien, diretora britânica dos Repórteres Sem Fronteiras. “Esta lei não permite que o interesse público seja invocado como justificação", no entanto, a publicação de informação, por vezes com fugas de informação, está no centro do trabalho dos jornalistas, pelo que seria muito preocupante para a liberdade de imprensa e para o direito das pessoas à informação" uma decisão desfavorável a Assange, continuou.