Esta quarta-feira, no segundo dia de audiências no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), os juízes anunciaram que a decisão sobre a possibilidade de Julian Assange recorrer contra a sua extradição para os Estados Unidos (EUA) foi adiada para março. Se o recurso no âmbito do quadro legal britânico for recusado, Assange já só poderá recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Caso o STJ decida a favor do jornalista, o fundador do Wikileaks continuará preso enquanto o caso é preparado, o que que se prolongaria, pelo menos, até ao final deste ano.
Sobre o australiano de 53 anos pesa a acusação de ter publicado mais de 700 mil documentos confidenciais sobre as atividades militares e diplomáticas dos EUA, nomeadamente no Iraque e no Afeganistão, a partir de 2010.
Em frente ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Londres, concentraram-se centenas de pessoas de várias faixas etárias e inúmeras nacionalidades. Lá dentro, a sala de audiências estava tão cheia que a maioria dos meios de comunicação social teve de se contentar com uma ligação vídeo ou áudio.
“This is a political prosecution.”
The final day of a critical appeal against the extradition of @wikileaks founder Julian Assange to the U.S. is underway today in the U.K. Matt Kenard of @declassifiedUK reports live from the scene at London's High Court of Justice. pic.twitter.com/1fERSeMscc
— Democracy Now! (@democracynow) February 21, 2024
Os portões do edifício do STJ, bem como vários postes nas imediações, foram ornamentados com fitas amarelas, fazendo eco da campanha #YellowRibbons4Assange, apoiada por Stella Assange, a mulher do fundador do WikiLeaks, em 2022 no então Twitter (agora X). Foi igualmente afixada uma lista de todos os prémios jornalísticos que Julian Assange recebeu.
A par de Stella, vários dos presentes alertaram para os riscos que Assange enfrenta, invocando, inclusive, o caso de Alexei Navalny.
Após a audiência, os apoiantes de Assange marcharam em direção a 10 Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro para mostrar que acreditam que a solução não virá necessariamente dos tribunais, mas talvez da vontade política em Londres e Washington.
Thousands marched through the streets to the office of the UK Prime Minister in Downing Street following the conclusion of Julian Assange's court hearing today, calling for his immediate release | via @MintPressNews #FreeAssange #FreeAssangeNOW pic.twitter.com/YIpjdoT65j
— WikiLeaks (@wikileaks) February 21, 2024
Saúde e segurança de Assange em risco
As condições de vida precárias na prisão de segurança máxima de Belmarsh, onde está detido desde 2019, contribuíram para o agravamento da saúde mental e física de Assnage, tal como alertou, em várias ocasiões, o relator da ONU sobre a tortura, Nils Melzer. A degradação da saúde de Assange é, portanto, uma fonte de preocupação, e a possibilidade de as condições do seu cativeiro nos EUA agravarem o seu estado é um dos muitos argumentos apresentados pela defesa do jornalista para paralisar a sua extradição.
Stella Assange continua convencida de que se o fundador do Wikileaks for extraditado "vai morrer". “Não acreditem nas garantias que os Estados Unidos deram de que o vão tratar bem", avisou aos jornalistas na semana anterior. “Se ele for enviado para lá, será metido num buraco e nunca mais será visto", continuou.
Stella Assange: "This case is about whether state crimes can continue unpunished, unscrutinized - Julian's freedom is the only antidote. Julian Assange is the worlds most famous political prisoner...and the world is watching" @Stella_Assange #FreeAssange #FreeAssangeNOW pic.twitter.com/jlgbu3QPsr
— WikiLeaks (@wikileaks) February 21, 2024
Os advogados de Assange destacaram os riscos para a segurança do seu cliente, apontando também para ameaças externas. "Existe um risco real de ações extrajudiciais contra ele por parte da CIA e de outras agências", afirmaram.
De acordo com Stella Assange e com os advogados do jornalista, os serviços secretos norte-americanos, com a aprovação de Mike Pompeo, antigo chefe da CIA e secretário de Estado do ex-presidente Donald Trump, tencionam raptar, ou mesmo assassinar, o fundador do WikiLeaks.
The CIA plan to kill Julian Assange in London #FreeAssange pic.twitter.com/nNYFHoyO1a
— WikiLeaks (@wikileaks) February 22, 2024
EUA reconhecem risco de pena de morte para Assange
Acresce que a acusação de Julian Assange reconheceu perante o juiz do STJ britânico, Adam Johnson, que a justiça norte-americana não dispõe de qualquer mecanismo para evitar que o jornalista australiano seja condenado à morte.
A possibilidade de Assange ser condenado à pena capital contradiz as garantias dadas pelo Reino Unido ao Equador em 2019, quando este se comprometeu a não extraditar o jornalista para um país onde pudesse enfrentar tal sentença. Em 2020, o subsecretário permanente do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico no Equador, Simon McDonald, afirmou que "o que dissemos foi que nunca extraditaríamos Assange se houvesse o perigo de ser condenado à pena de morte".
Extradição de Assange põe em causa direito internacional, alerta relatora da ONU
A possível condenação de Assange também é dissonante com a argumentação dada em 2021 pelo Departamento de Justiça, quando garantiu a Londres que salvaguardaria a integridade física e psicológica e o bem-estar de Assange durante o processo judicial e posterior condenação no seu território. Foi esta garantia que permitiu aos britânicos dar luz verde à entrega do jornalista, que tinha sido inicialmente rejeitada por razões humanitárias.
Assange "está a ser processado por um crime político"
O fundador do WikiLeaks "está a ser processado por um crime político", afirmou o advogado Ed Fitzgerald perante o STJ. O jurista explicou que o tratado bilateral entre os Estados Unidos e o Reino Unido estipula que um suspeito não pode ser extraditado por um crime de natureza política. "É um abuso do processo pedir a extradição por razões políticas", concluiu o advogado.
No tribunal, Claire Dobbin, em representação dos Estados Unidos, defendeu que Julian Assange estava "muito fora do âmbito do jornalismo ou do jornalismo responsável", e reiterou que as revelações da WikiLeaks puseram em perigo a vida de informadores e espiões internacionais.
Claire Dobbin argumentou ainda que a Lei de Extradição britânica "reformou substancialmente" e que a extradição deixou de ser proibida para crimes políticos.
Face a este argumento, Ed Fitzgerald, assinalou a contradição entre a lei britânica e o tratado bilateral, e realçou que “o tratado não pode ser ignorado”, na medida em que “é a base do pedido de extradição".
Um ataque à liberdade de imprensa e ao direito das pessoas à informação
"Se for extraditado, Julian Assange será o primeiro jornalista a ser acusado ao abrigo da Lei da Espionagem ", afirmou Fiona O'Brien, diretora britânica dos Repórteres Sem Fronteiras. “Esta lei não permite que o interesse público seja invocado como justificação", no entanto, a publicação de informação, por vezes com fugas de informação, está no centro do trabalho dos jornalistas, pelo que seria muito preocupante para a liberdade de imprensa e para o direito das pessoas à informação" uma decisão desfavorável a Assange, continuou.