Argentina

Crise alimentar cresce, Milei obrigado a distribuir ajuda alimentar que tinha retido

08 de junho 2024 - 10:34

Por causa da sua guerra contra as cantinas populares, o Governo argentino tinha decidido não distribuir 6.000 toneladas de bens alimentares para ajuda aos mais carenciados. Teve de chegar uma ordem judicial para obrigar a iniciar o processo. Ainda assim, a ajuda foi parar aos amigos.

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"A fome não espera, basta de ajuste". Faixa numa manifestação.
"A fome não espera, basta de ajuste". Faixa numa manifestação. Foto: Barrios de Pie.

Por ordem do tribunal, no passado dia 4, o governo argentino foi obrigado a começar a distribuir parte das 6.000 toneladas de ajuda alimentar que tinha retidas em armazéns no meio de uma crise alimentar que afeta cada vez mais pessoas.

No dia anterior, um estudo da Universidade Católica estimava que 55,5% dos argentinos tinham passado a viver abaixo do limiar da pobreza, um aumento relativamente aos 44,7% do último trimestre do ano passado. E também um estudo da organização social Barrios de Pie, que tem 2.000 cantinas populares, com uma amostra de 5.300 famílias, em 19 províncias e na capital, Buenos Aires, concluiu que 62% dos lares dos bairros populares sofrem de situações de insegurança alimentar severa, havendo cada vez mais pessoas que saltam refeições ou passam um dia inteiro sem comer. Face à crise galopante, por exemplo, o consumo de leite caiu perto de 20% de acordo com o Instituto para o Desenvolvimento Agro-industrial argentino.

Enquanto isso, nos armazéns estavam empilhadas toneladas de lentilhas, azeite, leite em pó, farinha, polpa de tomate e outros produtos básicos que o Governo de Javier Milei se tinha recusado a distribuir. Uma primeira ordem de tribunal, aliás, tinha sido recebida com um recurso e com o argumento de que estavam a ser guardados para “emergências”, apesar de parte significativa deles, nomeadamente o leite em pó, estarem em cima do prazo de validade. Uma segunda ordem chegou para proceder à distribuição imediatamente.

Como não a “conseguiu” cumprir na sua integridade, o executivo enviou esta sexta-feira uma nota ao juiz Sebastián Casanello para dizer que o resto dos alimentos seriam enviados a escolas “vulneráveis” sem detalhar quais e ressalvando mais uma vez que a entrega “está sujeita à existência de alguma contingência crítica, climática e social”, deixando a dúvida sobre se e quando se procederá verdadeiramente à distribuição.

A mesma missiva confirmou aquilo que vários órgãos de comunicação social tinham denunciado: que a ajuda distribuída não foi para as cantinas sociais que a costumam distribuir mas sim para a Fundação Conin, Cooperadora para a Nutrição Infantil, uma organização de beneficência próxima do Governo de extrema-direita, fundada em 1993 por Abel Albino, um médico da Opus Dei cuja organização foi alavancada pelos Governos de Macri e seus aliados. O mapa da distribuição é também ele enviesado: o Página 12 mostrava como foi feita para “províncias amigas” do Governo de Milei, tendo a capital ficado apenas com 2% do total.

O presidente argentino e o seu executivo declararam guerra aos organismos sociais que fazem a distribuição de alimentos às populações mais carenciadas através das cantinas populares. Tem-se dedicado a denegrir quem se dedica a este apoio social e lança-lhes permanente acusações de desvios, sempre infundadas.

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A estratégia para bloquear esta ajuda é a mesma que foi seguida nos outros casos. Diz-se que se está a estudar ou fazer auditorias sobre o uso das verbas como pretexto para cancelar as transferências de fundos ou, neste caso, a distribuição de bens alimentares.

Sandra Pettovello, a ministra do “Capital Humano”, ministério que junta a educação, o trabalho e a cultura, entre outras pastas, tratou assim de travar a ajuda e teve de ser o tribunal a desbloquear a situação.

Mas o que era um dos ministérios-estrela do Governo ultraliberal está agora em crise profunda. Face a acusações de corrupção, a ministra lançou culpas ao seu secretário de Estado da Infância, Adolescência e Família, Pablo de la Torre, que demitiu, devido à falta de transparência nas suas contratações. Despediu também quatro funcionários ministeriais. Tudo isto depois de ter sido conhecido que pelo menos 18 funcionários ministeriais estavam a ganhar os seus salários através da Organização de Estados Iberoamericanos sem trabalhar.

O La Jornada dá ainda conta de outro escândalo: segundo a Divisão de Investigação Contra a Corrupção da Polícia Federal há diferenças significativas e não explicadas entre a quantidade de alimentos que estavam armazenadas e as que foram indicadas depois da ordem judicial. Por exemplo, era suposto haver 30.400 quilos de leite em pó mas só havia afinal 18.640.

Toda a confusão instalada não impede Milei de dizer que a sua amiga pessoa Pettovelo é “a melhor ministra da história”.