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“Crescimento da extrema-direita é consequência do neoliberalismo”, diz Noam Chomsky

Com a crise imobiliária de 2008 e as revoltas que se seguiram em todo o mundo, o sistema financeiro teve que encontrar novas formas de garantir os seus lucros, afirmou filósofo norte-americano.
Na fotografia: Noam Chomsky.

Na Suécia, país-estandarte da social-democracia europeia, a extrema-direita xenófoba conquistou 17,5% dos votos em eleições realizadas nesta semana*. Associando a sua raiva aos imigrantes, como acontece em diversas partes da Europa, dos EUA e até no Brasil, a razão do crescimento da direita radical pode não estar tão associada ao ódio irracional contra populações vulneráveis, mas ao sentimento de abandono diante da aplicação de políticas neoliberais, como aconteceram nos últimos anos na Suécia.

Essa é a opinião do linguista, cientista político e filósofo Noam Chomsky, apoiado por um estudo de cinco economistas suecos que mostrava a ligação entre o corte de despesas em políticas sociais e o crescimento do ódio. “Os eleitores da extrema-direita xenófoba têm pouco contacto com imigrantes, mas sofreram com as políticas neoliberais do governo sueco em anos recentes. São pessoas deixadas de fora conforme a desigualdade cresceu e que se sentiram abandonadas pelas instituições políticas”, relatou Chomsky, presente no Seminário Internacional Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, e responsável por abrir a segunda mesa do evento, “O progressismo e o neoliberalismo num mundo em desenvolvimento”.

Explicou também que o neoliberalismo surgiu durante uma crise da democracia, na década de 1970, quando as mentes pensantes do capitalismo central se sentiram ameaçadas pelo crescimento de grupos organizados de minorias, mulheres, negros e LGBT, que procuraram reivindicar os seus direitos.

Contra esse movimento, as elites precisaram desenhar um novo modelo social que combatesse as greves e as lutas dos trabalhadores. “Eles diziam: 'são marginais que devem ser colocados nos seus lugares' – ou seja, como espectadores, não participantes do processo político, enquanto a minoria de homens responsáveis comandam em nome de todo mundo”. Desde então, os lucros do mercado financeiro cresceram mais de 1000%, enquanto os salários reais declinaram.

Essa mudança de paradigma, que também exigiu mudanças na educação para formar cidadãos mais “dóceis e obedientes”, preconizadas pelas reformas do Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, geram “frustração, raiva e tristeza” na classe trabalhadora, que se vai voltar contra os alvos mais vulneráveis. E, desde os anos 1970, quando aconteceu o "assalto neoliberal de Margaret Thatcher e Ronald Reagan", que preconizava a inexistência da sociedade – “existem apenas indivíduos” –, o modelo teve que ser renovado.

Criação de precariedades

Com a crise imobiliária de 2008 e as revoltas que se seguiram em todo o mundo, o sistema financeiro teve que procurar novas formas de garantir seus lucros. “A economia está desenhada para criar precariados”, diz Chomsky, ao lembrar um estudo importante do economista Alan Krueger, que mostra “que 95% do crescimento do emprego nos EUA entre 2005 e 2015 aconteceu em arranjos alternativos, temporários, de meio período, transformando a sociedade num saco de batatas e criando uma mistura tóxica que pode irromper de formas perigosas, como vemos hoje pelo mundo”.

Além disso, avançou o que ele qualifica de “capitalismo corporativo”. “O poder corporativo traduz-se em declínio da democracia”, analisa Chomsky. “A grande maioria da população está abandonada e os representantes apenas defendem os interesses dos doadores de campanha. A Amazon, a segunda empresa de US$ 1 trilião de dólares dos EUA, que consome 2% da energia elétrica do país, tem muitos subsídios, enquanto se cortam apoios sociais. Só ganha o agronegócio, as finanças e as grandes indústrias”.

Com a democracia sob ataque, um processo que, apesar do exemplo estadunidense, pode ser visto também no Brasil e em diversas partes do globo, quais são as saídas? Mesmo reconhecendo que a situação do país é grave, Chomsky apresenta um exemplo generoso:

“Há um século, o Brasil era reconhecido como possível colosso e esse objetivo parecia à vista há alguns anos, quando se tornou talvez o país mais respeitado do mundo, sob a liderança de Lula e do seu ministro Celso Amorim, com os seus impressionantes feitos. E isso é uma indicação do que pode ser alcançado pelo país. Nunca subestime os obstáculos à frente e tampouco a capacidade do espírito humano de superá-los e prevalecer”.

Artigo publicado em Brasil de Fato a 15 de setembro de 2018.

Sobre o/a autor(a)

Linguista, filósofo e activista político americano
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