Em Marrakesh discutir-se-ão os contornos concretos do Acordo de Paris, e vários obstáculos se colocam: a passagem à prática das Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDC) apresentadas na última COP, isto é, como cada país pretende reduzir as suas emissões, como verificar o cumprimento dessas INDCs e como trazer os países que ainda não ratificaram o acordo para a ratificação para o Acordo poder entrar em vigor. Além disso, tentar-se-ão mudar questões centrais no acordo, como a necessidade de transferência de recursos e tecnologias de forma massiva para os países sem capacidade de investimento, isto é, os países mais pobres.
A 22ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas será presidida pelo ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, Salageddine Mezouar, que deu como mote que a COP-22 “deve ser a COP da acção, a COP do concreto”. Entre as prioridades dos países em desenvolvimento, e portanto também de Marrocos, está a questão do financiamento dos países mais pobres pelos países mais ricos, algo que ficou longe do Acordo de Paris, que excluiu a indemnização dos países mais impactados pelos efeitos das alterações climáticas pelos mais responsáveis. Fecha-se uma porta e abre-se uma janela: a pressão africana neste acordo deverá desviar a noção de “compensação por danos e perdas” no sentido de apelo ao investimento no sector privado e em tecnologias menos poluidoras. O ministro marroquino explicita: “É preciso pensar em projectos estruturantes em matéria de energias renováveis, reorganizar as nossas cidades (...), travar a desertificação sabendo que 60% das terras aráveis se encontram em África e agir sobre a equação fundamental da segurança alimentar”.
Marrocos é um paradigma desta abordagem, com um importante investimento privado com apoio público em energias renováveis, que levou à construção da maior central solar do mundo em Ouarzazate, a Noor I, enquanto mantém a exploração de combustíveis fósseis e oferece novas concessões tanto em terra como no mar. Esta Conferência do Clima realiza-se em África, responsável pela emissão de cerca 3% das emissões de gases com efeito de estufa, mas que arcará com uma fatia muito significativa dos impactos directos. O enfoque no empoderamento da sociedade civil poderá no entanto significar apenas o usual favorecimento do mundo dos negócios.
O Fundo do Clima Verde, que seria o grande responsável pela transferência de riqueza, continua sub-financiado, com apenas 10,3 mil milhões de euros e outros fundos como o previsto Fundo da Adaptação, que deveria dedicar-se às questões de Adaptação, Perdas e Danos, está ainda longe de estar em funcionamento, sem quaisquer verbas ou sequer com a burocracia para ser criado oficialmente.
Existe um risco concreto do Acordo de Paris se tornar um novo Protocolo de Quioto, inútil na sua aplicação, lento na sua entrada em vigor e objecto apenas da criação de um novo mercado de negócios e especulação como o das emissões de dióxido de carbono. Para que tal não ocorra, há algumas questões básicas que terão de ocorrer em Marrakesh:
- Na COP-22 têm de ser transformadas as propostas nacionais anteriores ao Acordo de Paris (os INDC) em Planos Nacionais de Acção Climática;
- Para que estes Planos Nacionais de Acção Climática possam ser acompanhados e reformulados para reduções crescentes de emissões, terão de ser verificáveis as emissões de gases com efeito de estufa de cada país, o que não pode ser feito com registos voluntários das empresas e indústrias nacionais e privadas, mas com um sistema universal com metodologia comum;
- Os sectores excluídos do Acordo de Paris, nomeadamente a aviação e os transportes marítimos, terão de ser incluídos e as suas emissões também monitorizadas e reduzidas com base nacional ou sectorial.
Estas são apenas algumas premissas básicas para se cumprir um acordo tão insuficiente como foi o Acordo de Paris, cuja soma das propostas nacionais de emissões levaria a uma subida de temperatura entre os 2,7ºC e os 3,7ºC.
Faltará no entanto a ratificação do Acordo para que o mesmo tenha força de lei internacional. Para isso, existe a regra dos 55/55, isto é, para que o acordo entre em vigor 55 partes têm de ratificá-lo e têm de estar pelo menos representadas 55% das emissões de gases com efeito de estufa a nível global.
Até ao momento o acordo foi ratificado por 28 partes, correspondendo a 41,56% das emissões. Os principais emissores que já o ratificaram foram a Noruega, o Brasil, os EUA e a China. No entanto a União Europeia, responsável por 12,1% das emissões, ainda não o ratificou, nem a Rússia, responsável por 7,53%, a Índia, responsável por 4,1%, o Japão responsável por 3,79%, assim como outros grande emissores (Canadá 1,95%, Coreia do Sul 1,85%, Indonésia 1,49%, Austrália 1,46%, África do Sul 1,46%, Irão 1,3%, Turquia 1,24%, Ucrânia 1,04%). O próprio país anfitrião da COP-22, Marrocos, ainda não ratificou o acordo. É expectável no entanto que nos próximos dois meses se cumpra a regra dos 55/55 e que a COP-22 sirva para falar de um acordo que, ao contrário de Quioto, não demore mais de 7 anos a entrar em vigor.
Não são de esperar muitas surpresas negativas de Marrakesh, já que as ratificações-surpresa de Estados Unidos e China foram dados muito positivos, com os dois maiores emissores do mundo a assumirem publicamente o tímido compromisso do ano passado. Uma grande incógnita é a mobilização social, que para Paris compreendeu umas das maiores manifestações de sempre à escala global e que para Marrakesh não mostra por enquanto sinais de poder ser comparável.