Ambiente

As consequências da dependência da agricultura industrial na Europa

24 de maio 2025 - 21:10

Continuaremos a depender de importações maciças de alimentos compostos para animais e de elevado consumo de energia, ou iremos atualizar as práticas pecuárias sustentáveis e historicamente comprovadas?

por

Lourenzo Fernández-Prieto e Daniel Lanero Táboas

PARTILHAR
Fotografia de Jim Epler/Flickr
Fotografia de Jim Epler/Flickr.

A crise desencadeada pelas tarifas do governo Trump forçou o mundo a considerar que indústrias serão mais afetadas por futuras taxas sobre importações e exportações.

Soja e milho são duas das principais exportações dos EUA para a Europa, e estão entre os produtos que a União Europeia tencionar taxar em resposta às tarifas dos EUA. É um lembre do impacto extraordinário que a agricultura industrial tem no equilíbrio do comércio, uma vez que estas duas culturas básicas são importadas em grandes quantidades para fabricar alimentos compostos para animais. 

Embora não sem as suas vantagens, a adoção deste modelo intensivo de agricultura animal pela Europa tem tido sérias consequências para o ambiente e para a saúde pública.

O nascimento da agricultura industrial

A diversificação das dietas desde o início da década de 1950 levou a um aumento da procura de carne, ovos, leite e produtos lácteos. A agricultura foi industrializada para satisfazer esta procura, o que, por sua vez, conduziu a um aumento das importações de alimentos compostos para animais, resultando num défice comercial agrícola.

Esta é uma das características que mais define a indústria pecuária que se instalou na Europa Ocidental durante a segunda metade do século XX. Impulsionado pelo modelo norte-americano de "modernização agrícola", foi parte integrante da reconstrução da Europa pós-guerra, e foi um dos vários desdobramentos do Plano Marshall.

Há vários anos que investigadores de várias disciplinas – incluindo história, ciências veterinárias, sociologia e economia – e as universidades da UE se têm reunido regularmente no âmbito da Organização Europeia da História Rural (EURHO) e da Rede Agrícola, Alimentar e Ambiental do Centro de Investigação Científica Nacional Francês. O nosso objetivo é discutir e debater a evolução da pecuária europeia ao longo do século XX.

Além de um livro publicado em 2023, chegámos à conclusão de que as transformações na agricultura europeia podem ser divididas em duas eras principais: 

  • Um modelo orgânico, entre 1870 e 1930. 

  • Uma modernização científica desde 1945 até ao final do século XX. Isto coincide com o surgimento das crises ambientais e de segurança alimentar. 

Custos sociais, ambientais e de saúde pública

Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a pecuária intensificou-se graças às inovações científicas e tecnológicas, e à produção industrial. De acordo com este novo modelo, a agroindústria subsidiada pelo Estado deslocou a pequena e média pecuária familiar como pedra angular da indústria agrícola.

A mudança tecnológica e a inovação deixaram de beneficiar produtores para passar a beneficiar o setor industrial, com o objetivo de fornecer alimentação barata a uma Europa faminta no pós-guerra.

Um exemplo dessa tendência é o uso da inseminação artificial utilizando sémen de raças selecionadas e altamente produtivas. Outras melhoras observaram-se na alimentação – alimentos de elevado rendimento, silagem, e assim por diante – e desenvolvimentos tecnológicos, como máquinas de ordenha automáticas e tanques refrigerados na indústria de laticínios. 

A pecuária industrial foi introduzida a ritmos diferentes em diferentes regiões da Europa Ocidental. Trouxe consigo altos custos sociais, económicos e culturais, uma vez que apenas as explorações agrícolas mais bem financiadas e com mais terras sobreviveram.

No final do século XX, as pessoas começaram a questionar o modelo industrial que ainda predomina. Não apenas por razões ambientais, tais como a utilização intensiva de água, a gestão de resíduos, desflorestação, utilização maciça de gasóleo, mas também por razões ligadas à saúde pública e aos crescentes encargos financeiros colocados sobre os agricultores.

A crise da doença das vacas loucas, em meados da década de 1990, e a gripe das aves, na primeira década do século XXI, alertou a sociedade civil e as administrações públicas para os riscos na saúde dos consumidores que resultavam da industrialização da pecuária. 

Na viragem do século, alguns países como a Suécia e o Reino Unido, começaram a limitar o uso de "antibióticos promotores de crescimento” devido à sua ligação com o aumento da resistência demonstrada por doenças bacterianas em bovinos, um problema de preocupação crescente em mais áreas. Foram proibidos pela UE em 2006.

Alternativas orgânicas

A partir do final do século XIX, processos muito semelhantes de especialização pecuária tiveram lugar em toda a Europa, da Frísia à Galiza, Dinamarca e norte de Itália. Aí também houve uma intensificação da produção, bem como melhorias genéticas, alimentação, saúde e higiene animal, tudo alimentado pela constante interação entre os novos conhecimentos científicos e os interesses dos agricultores.

A diferença entre esta época e o mundo pós-1945 não foi tanto "o quê" mas "como". A pecuária foi fortemente ancorada na agricultura de base biológica e na própria terra. A produção de gado foi protagonista do setor.

As cooperativas pecuárias locais e regionais foram fundamentais para a melhorias na pecuária durante o primeiro terço do século XX, e, em algumas áreas, foram capazes de criar poderosas indústrias de transformação. 

A sua relação com a tecnologia e as instituições políticas era fluido – enraizada em parte no grande poder eleitoral da sociedade rural. Isso deu origem a um modelo colaborativo e bidirecional de melhoramento pecuário que envolveu a sociedade civil, cientistas e instituições.

O desafio para a pecuária de hoje tem, portanto, muito a ver com ambos os modelos. Continuaremos a depender de importações maciças de alimentos compostos para animais e de elevado consumo de energia, ou iremos atualizar as práticas pecuárias sustentáveis e historicamente comprovadas? 


Artigo publicado originalmente em The Conversation. Traduzido por Daniel Moura Borges.