Alemanha

Como o Die Linke regressou em força na política alemã

24 de fevereiro 2025 - 15:01

O partido da esquerda quase ficou à porta do Bundestag nas eleições de 2021. Nos anos seguintes tornou-se palco de uma guerra de fações e foi somando os seus piores resultados em eleições regionais. Mas nos últimos meses conseguiu inverter a trajetória até duplicar a votação este domingo.

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Jan van Aken e Heidi Reichinnek
Jan van Aken e Heidi Reichinnek foram os principais candidatos do Die Linke nesta eleição. Foto Die Linke

Numa eleição em que a vitória dos conservadores alemães e o reforço da extrema-direita estava ditada à partida, a grande surpresa veio da esquerda: primeiro, com a derrota da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), ao ficar a três centésimas percentuais do Bundestag, com 4,97% dos votos; depois, com o ressurgimento do Die Linke [A Esquerda], ao praticamente duplicar a votação de 2021 e obter 8,8% dos votos, sendo o partido mais votado na região de Berlim. 

Este resultado inverte as posições ditadas nas eleições europeias do ano passado, em que o grupo liderado pela antiga deputada e líder parlamentar do Die Linke tinha obtido 6,2% dos votos e o próprio Die Linke apenas 2,7%. Além disso, desmente quem defendeu que o BSW, com a sua política social combinada com um discurso anti-imigração e crítico do apoio à Ucrânia, seria uma forma de voltar a atrair para a esquerda os eleitores da AfD. As sondagens à boca das urnas mostram que a transferência de votos da AfD para a BSW foi residual (60 mil) quando comparados com os 440 mil que recebeu do SPD, os 400 mil abstencionistas, os 350 mil do Die Linke ou os 260 mil dos liberais do FDP e os 220 mil dos conservadores da CDU. Já o Die Linke, apesar de ter perdido aqueles votos para a BSW e mais 110 mil para a AfD, atraiu 700 mil eleitores dos Verdes e 560 mil do SPD, a par de 100 mil do FDP e 70 mil da CDU, além de 290 mil abstencionistas nesta eleição que foi a mais participada desde antes da reunificação do país.

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Ao contrário da BSW, que teve uma diferença nos resultados muito pronunciada a favor do Leste do país, nos resultados do Die Linke essa tendência foi agora muito menos visível do que em todas as eleições passadas. O partido beneficiou sobretudo do voto dos antigos eleitores dos Verdes e SPD para crescer nas zonas urbanas e foi o mais votado na faixa etária jovem entre os 18 e os 25 anos, com 25%. Um resultado ainda maior entre o eleitorado feminino jovem, junto do qual obteve 34% das preferências. O Die Linke foi também o mais votado entre os que votaram pela primeira vez tanto no Leste alemão (34%) como no Oeste (25%).

Crescimento da extrema-direita, campanha de “porta a porta” e vídeo viral no TikTok multiplicaram adesões ao Die Linke

Ao contrário de todas as previsões feitas no ano passado, a saída do grupo de Sahra Wagenknecht parece ter beneficiado o Die Linke ao atrair eleitorado que não se identificava com as posições conservadoras daquela fação do partido. A contribuir para a queda da BSW esteve também a decisão de negociar a entrada para governos estaduais dominados pela direita conservadora da CDU. Mas a inversão da tendência decrescente do Die Linke só se começou a fazer sentir no último trimestre de 2024, com dois acontecimentos marcantes: a queda do governo da coligação SPD/Verdes/FDP e a vitória de Donald Trump nos EUA. Com uma direção recém-eleita e uma presença digital renovada, os dois acontecimentos políticos e as sondagens que apontavam a subida da extrema-direita na Alemanha levaram a que nas semanas seguintes milhares de pessoas aderissem a um partido ao qual muitos analistas tinham recentemente passado a certidão de óbito.

Ines Schwerdtner, antiga editora da revista Jacobin em língua alemã e ativista pela nacionalização das propriedades dos grandes grupos imobiliários, tornou-se co-presidente do Die Linke no congresso realizado em outubro, ao lado de Jan van Aken. Poucos dias após o anúncio das eleições alemãs, sublinhava à Jacobin a necessidade de “tornar claro que somos um partido diferente” e afastar-se do que chamava “a esquerda com todos os adjetivos, anti-isto e anti-aquilo”. Em suma, “mudar completamente a forma como falamos da política”.

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Para a reorganização do partido e o aumento da sua ligação no terreno, os novos líderes inspiraram-se na experiência da esquerda belga do PTP e dos comunistas austríacos para iniciar uma campanha porta a porta, com o objetivo de bater a 100 mil portas. “Sem surpresa, o que ouvimos ao fim de poucos milhares de conversas foi que as pessoas nas cidades estão preocupadas com as rendas”, referia Ines Schwerdtner, legitimando a sua proposta de tetos para os preços das rendas a nível federal. Esta proposta tornou-se numa das principais bandeiras da campanha, a par do controlo de preços na energia e IVA a 0% nos alimentos essenciais, produtos de higiene e transportes públicos (leia aqui a versão em português das principais propostas eleitorais do Die Linke).

Um dos pontos de viragem na campanha do Die Linke foi um discurso espontâneo da atual co-líder parlamentar e principal candidata, Heidi Reichinnek, que se tornou viral na internet, com mais de 30 milhões de visualizações no TikTok. Reichinnek respondia à decisão do líder da CDU e agora futuro chanceler Friedrich Merz de aceitar os votos da AfD para as suas propostas sobre migração, acusando-o de se ter tornado cúmplice da extrema-direita. O sucesso foi tal que o partido teve de procurar salas maiores para os comícios seguintes e viu o número de aderentes bater o recorde dos últimos 15 anos. A forte presença de Reichinnek nas redes sociais - em especial no TikTok - com os seus vídeos de mensagens incisivas dirigidas a um público jovem ajudaram também ao crescimento do Die Linke no último ano neste eleitorado.

O regresso dos veteranos na “Mission Silberlocke”

Em entrevista ao TribuneMag, o ex-líder Gregor Gysi - que fundou o Partido do Socialismo Democrático (PDS), o partido que juntou os comunistas da ex-RDA e foi antecessor do Die Linke após a reunificação alemã - disse que os últimos anos foram de “crise existencial” por causa das discussões internas que culminaram na saída de Sahra Wagenknecht em outubro de 2023.

“Aprendemos com os erros do passado e agora concentramo-nos em seis temas-chave: paz, justiça social e fiscal, sustentabilidade ecológica, educação, igualdade de género e igualdade entre a Alemanha ocidental e oriental”, um tema que Gysi assume ter passado para segundo plano nas preocupações do partido e abriu caminho ao crescimento da extrema-direita da AfD no Leste. Este veterano da política alemã diz ainda que foi um erro o partido ter-se concentrado em temas como os desempregados, os sem-abrigo e os refugiados, secundarizando os problemas dos trabalhadores, empresários em nome individual e pequenas e médias empresas. “Na Alemanha é a classe média que paga tudo, o Governo não se atreve a tocar os que estão em cima. Mas se a classe média fica sem dinheiro, deixamos de ter quem possa ajudar os de baixo”, justifica o antigo líder da Esquerda Europeia.

Gregor Gysi, Dietmar Bartsch e Bodo Ramelow
Gregor Gysi, Dietmar Bartsch e Bodo Ramelow, o trio da "Missão Silberlocke". Foto Steffen Prößdorf, CC BY-SA 4.0, Wikimedia Commons

Juntamente com outros dois veteranos do partido - Bodo Ramelow e Dietmar Bartsch - Gysi criou a "Mission Silberlocke”, numa referência aos cabelos grisalhos do trio. O objetivo era candidatarem-se e aproveitarem a sua popularidade para vencerem em três círculos, garantindo assim a presença de um grupo parlamentar da esquerda no Bundestag mesmo que o Die Linke não passasse a barreira dos 5%. “O que não sabíamos era como é que os jovens iriam reagir. Talvez dissessem que estes três velhotes deviam pendurar as botas? Mas aconteceu exatamente o contrário: os jovens têm sido muito entusiastas. Onde quer que vamos, está tudo cheio”, dizia Gysi a poucos dias das eleições. O sucesso mediático da iniciativa acabou por ajudar o partido no seu conjunto.