Chipre: Partidos tradicionais descem, extrema-direita sobe

03 de junho 2021 - 22:02
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As eleições legislativas do passado domingo na República de Chipre mostraram uma erosão no apoio das forças políticas tradicionais e um crescimento da extrema-direita e de um novo partido do centro. Artigo de Jorge Martins.

Averof Neofytou, líder do Partido União Democrática (DISY), vencedor das eleições legislativas da República de Chipre, em 2021. Foto de Averof Neofytou/Twitter

As eleições legislativas do passado domingo, na República de Chipre (território controlado pelo governo internacionalmente reconhecido), mostraram uma erosão no apoio das forças políticas tradicionais (conservadores, comunistas e centristas) e um crescimento da extrema-direita e de um novo partido do centro.

Uma república presidencialista

Em virtude das vicissitudes da sua conturbada história, que explicámos aqui, Chipre é o único país da UE que possui um regime presidencialista, sendo o Presidente da República, simultaneamente, chefe de Estado e de governo.

Este é eleito, tal como o vice-presidente, por sufrágio universal, direto e secreto, para um mandato de cinco anos. Ambos podem exercer, no máximo, dois mandatos consecutivos. Contudo, esta última disposição apenas foi incluída após uma revisão constitucional efetuada em 2019.

De acordo com a Constituição de 1960, o presidente é, obrigatoriamente, um cipriota grego e o vice-presidente um cipriota turco. Contudo, desde os conflitos intercomunitários de 1964 que o cargo deste último se encontra vago.

A eleição presidencial obedece ao sistema maioritário a duas voltas. Se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta dos votos válidos, haverá uma segunda entre os dois mais votados.

O Parlamento, designado por Câmara dos Representantes, é composto por 80 elementos, dos quais 56 pertencentes à comunidade cipriota grega e 24 à cipriota turca. Contudo, desde 1964 que esta não ocupa os lugares a que tem direito.

Os seus membros são eleitos para um mandato de cinco anos, por sufrágio universal, direto e secreto, através de um escrutínio proporcional.

Um representante de cada uma das três comunidades cristãs minoritárias da ilha (católica, maronita e arménia) é, igualmente, eleito para a assembleia parlamentar pelos respetivos crentes, que dispõem de um voto suplementar para a sua eleição. Contudo, esses três membros têm apenas um estatuto de observadores, não possuindo direito de voto.

O Parlamento pode ser dissolvido por decisão tomada por maioria absoluta dos deputados. Nesse caso, novas eleições devem ser marcadas num prazo entre 30 e 40 dias após aquela decisão e a nova assembleia terá de tomar posse nos 15 dias seguintes ao ato eleitoral. Este tem caráter intercalar, pois a Câmara eleita limitar-se-á a completar a legislatura interrompida, exceto se a dissolução ocorrer no último ano do mandato, caso em que iniciará uma nova.

Após a invasão turca de 1974, a ilha ficou dividida em duas partes, uma controlada pelo governo constitucional cipriota grego, internacionalmente reconhecido e membro da UE, e outra, correspondente a 36% do território, a autoproclamada República Turca do Norte de Chipre (RTNC), dirigida por um executivo cipriota turco e unicamente reconhecida pela Turquia, que a ocupa militarmente.

A história do país, com destaque para a sua divisão pode ser, igualmente, lida aqui.

Um sistema eleitoral proporcional

Como referimos, os 56 parlamentares cipriotas são eleitos de acordo com um sistema de representação proporcional.

O país é dividido em seis circunscrições eleitorais, correspondentes aos respetivos distritos administrativos, cuja magnitude varia entre 3 e 20 lugares.

Em cada uma delas, os mandatos são alocados, num primeiro tempo, de acordo com o método do quociente eleitoral simples (quota de Hare-Niemeyer).

Seguidamente, os mandatos restantes são atribuídos, a nível nacional, aos maiores restos das listas que tenham ultrapassado a cláusula-barreira de 3,6% dos votos válidos ou que, na primeira distribuição, tenham obtido um lugar.

A cláusula-barreira era, anteriormente, de 1,8% (o equivalente a 1/56), mas foi duplicada em 2015. Essa alteração terá tido o objetivo de evitar a entrada da extrema-direita no Parlamento, mas falhou o seu propósito.

Existe voto preferencial. Assim, em cada distrito, o eleitor vota numa lista partidária ou num candidato independente. Se, como quase sempre sucede, optar por um partido, pode escolher um candidato por cada quatro lugares a prover. Contudo, o primeiro mandato de qualquer força política é atribuído, em cada circunscrição, ao respetivo cabeça de lista.

Os eleitores cipriotas gregos residentes em áreas situadas na autoproclamada RTNC votam em assembleias situadas em território controlado pelo governo legítimo da ilha. Por seu turno, os cipriotas turcos residentes neste último possuem direito de voto.

Dos distritos eleitorais, Kirenya, no extremo norte, está totalmente na zona turca, tal como a quase totalidade do de Famagusta, a leste e nordeste. Por seu turno, também na parte ocupada se encontra a porção nortenha e o extremo oriental do de Nicósia, situado no centro da ilha, bem como uma pequena porção setentrional do de Larnaka, distrito do sul. Apenas Limassol, a sudoeste, e Pafos, a oeste, estão integralmente na área controlada pelo governo cipriota internacionalmente reconhecido.

O contexto político

Em 2018, o presidente conservador Nikos Anastasiades foi reeleito, tendo formado um governo minoritário, composto por elementos do seu partido União Democrática (DISY) e independentes.

No final do ano seguinte, rebentou um escândalo de grandes proporções, quando a comunicação social do país relatou que o executivo havia concedido um “visto gold” e a nacionalidade cipriota a um empresário malaio, acusado de fraude bancária e lavagem de dinheiro, fugido à justiça do seu país e alvo de um mandato de captura internacional. Essa medida violou a própria lei cipriota, que exige sete anos de residência na ilha e a compra de uma propriedade nesta para poder aceder aqueles benefícios.

Na investigação subsequente, descobriu-se que oito familiares e sócios do governo cambojano haviam conseguido igual benesse, bem como alguns dirigentes venezuelanos.

Foram, ainda, descobertas pela ONG Projeto Relatório da Corrupção e do Crime Organizado (OCCRP) ligações entre o escritório de advogados do presidente, agora gerido pelas suas filhas, e membros da elite russa, alguns dos quais próximos de Putin, em que aquele facilitaria a constituição de empresas fictícias em Chipre para sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro.

No fundo, estes sucessivos escândalos de corrupção não são mais que o reflexo do estatuto do país enquanto “paraíso fiscal” no seio da UE, que o tornam um território vulnerável à criminalidade financeira transnacional.

Depois do trauma nacional que constituiu a grave crise bancária de 2013 e o papel do país enquanto “lavandaria” internacional, estas revelações tiveram como efeito uma perda de credibilidade, não apenas do governo, mas das forças políticas tradicionais, que acabaria por refletir-se nas urnas.

Por seu turno, a resolução do chamado problema cipriota, isto é, a divisão na ilha, manteve-se em ponto morto, em especial após a eleição, em 2020, de Ersin Tatar, da linha dura, favorável à divisão, como presidente da RTNC.

Terá valido ao executivo a boa gestão da crise da CoViD-19, já que a ilha apenas registou, no conjunto das duas partes, cerca de 300 mortos por milhão de habitantes, algo que a situação insular do território também ajuda a explicar.

Contudo, numa economia muito dependente do turismo, a pandemia gerou uma crise social profunda.

Análise dos resultados eleitorais

A União Democrática (DISY), partido liberal-conservador a que pertence o presidente Anastasiades, encabeçado por Averof Neophytou, voltou a ser o mais votado nestas eleições, ao obter 27,8% dos votos, que lhe garantiram a eleição de 17 deputados. Apesar de tudo, registou uma descida face a 2016, quando conseguira 30,7% e 18 lugares.

É, em geral, o partido das classes altas e do mundo dos negócios, mas possui, também, forte implantação nas classes médias e nas zonas rurais. Defende um modelo económico liberal, assente nas privatizações e nos baixos défices, sustentados mais pelos impostos indiretos (mais regressivos) que pelos diretos e o apoio às empresas e ao investimento. É abertamente pró-UE e pró-NATO. Defende uma solução federal para o problema cipriota, embora possua nas suas bases elementos de uma direita nacionalista mais radical e ferozmente anticomunista.

Venceu em quatro dos seis círculos eleitorais (Nicósia, Limassol, Famagusta e Pafos). Os seus melhores resultados verificaram-se nestes dois últimos (31,5% em Famagusta e 29,9% em Pafos), enquanto os mais fracos ocorreram em Kyrenia (24,3%) e Nicósia (25,5%).

Em segundo lugar, ficaram os comunistas do Partido Progressista do Povo Trabalhador (AKEL), liderados por Andros Kyprianou. Com apenas 22,3% dos votos e 15 lugares, registaram o seu pior resultado de sempre. Também em 2016, quando obteve 25,7% e 16 mandatos, o resultado já fora, então, o mais fraco da sua história.

O AKEL continua a ser o partido comunista com maior votação na UE, mantendo o apoio de grande parte das classes trabalhadoras. Ao contrário do seu homólogo grego, após a queda do muro de Berlim e o fim da URSS, abandonou a ortodoxia e tornou-se mais próximo da esquerda radical. É defensor do Estado Social e da propriedade pública dos setores económicos estratégicos. Apoiou, com reservas, a adesão à UE, mas foi contrário à introdução do euro. Após a sua histórica vitória nas presidenciais de 2008, que levaram ao poder Dimitris Christofias, tem vindo a perder apoio. O facto de a crise bancária ter ocorrido na parte final do seu mandato, em 2013, explica, em muito, essa crescente perda de popularidade. Sendo constituído, essencialmente, por cipriotas gregos, tem alguma dificuldade em lidar com a questão nacional. Depois de, nos primeiros anos da independência, ter defendido a Enosis (união com a Grécia), alterou a sua posição no final dos anos 60, advogando a manutenção do “status quo”. Atualmente, defende uma federação neutral e desmilitarizada.

Nestas eleições, venceu em dois distritos (Larnaka e Kyrenia), aqueles onde conseguiu os seus melhores resultados: 26,3% no primeiro e 24,5% no segundo. Em Famagusta, seu tradicional bastião, sofreu fortes perdas e quedou-se pelos 24,4%. Ao invés, os piores ocorreram no mais rural Pafos (17,1%) e em Nicósia (21,1%).

Em terceiro lugar, ficou o Partido Democrático (DIKO), liderado por Nikolas Papadopoulos, que obteve 11,3% e nove lugares. Uma descida na sua votação face a 2016, quando obtivera 14,5%, mas os mesmos nove eleitos.

Estamos em presença de uma formação centrista, que se foi movendo do centro-direita para o centro-esquerda. Adotou, assim, um certo pendor social-liberal, advogando uma economia social de mercado. É pró-UE, mas favorável à manutenção da neutralidade do país, não sendo a favor da adesão à NATO. Tem, em geral, o seu maior apoio nas classes médias e nos pequenos empresários e agricultores. No Parlamento Europeu, integra o grupo socialista. Na questão cipriota, é adepto de uma linha dura, defendendo que a solução para a reunificação passa pela manutenção do Estado unitário, rejeitando a ideia de uma federação bicomunitária.

Neste ato eleitoral, sofreu uma cisão e isso prejudicou os seus resultados, embora tenha conseguido manter o mesmo número de deputados. Os seus melhores desempenhos registaram-se nos distritos de Pafos (18,5%) e Kyrenia (15,0%), enquanto os piores verificaram-se em Famagusta (6,7%) e Larnaka (9,7%).

Por sua vez, o partido da extrema-direita Frente Nacional Popular (ELAM), liderado por Christos Christou, registou uma forte subida, obtendo 6,8% dos sufrágios e elegendo quatro deputados, quando, em 2016, conseguira 3,7% e dois lugares. Alcandorou-se, assim, a quarta força política do país.

Teve ligações com a Aurora Dourada grega, formação nazi-fascista, banida pelo Tribunal Constitucional helénico, que a considerou uma associação de malfeitores. Contudo, em tempos recentes, cortou essas ligações. É ultranacionalista, sendo favorável à Enosis ou a um Estado unitário dirigido pelos cipriotas gregos, responsável pela promoção da língua e cultura helénicas. É, igualmente, anti-imigração, defendendo a expulsão de todos os imigrantes sem papeis e o fim do acolhimento de refugiados. É, ainda, islamofóbico e homofóbico. É anti-UE, anti-NATO e pró-russo, afirmando-se, igualmente, antiglobalista.

Nestas eleições, beneficiou do descontentamento de parte da população com a corrupção, que associa aos partidos tradicionais. Uma parte significativa dos seus votos proveio de eleitores do nacional-conservador Movimento Solidariedade (KA), que, agora, se “afundou” nas urnas. Os seus melhores resultados foram obtidos em Famagusta e Larnaka (7,7% em ambos os distritos), enquanto os piores se registaram em Kyrenia (5,5%) e Nicósia (6,1%).

Na quinta posição, ficou o Movimento pela Social-Democracia (EDEK), liderado por Marinos Sizopoulos, que obteve 6,7% dos votos e quatro mandatos. Teoricamente, registou uma subida face a 2016, quando se ficou pelos 6,2% e três lugares.

Porém, agora, contou, nas suas listas, com a participação da Aliança dos Cidadãos (SYPOL), de Giorgios Lillikas, que, há cinco anos, havia conseguido 6,0% dos votos e três deputados. Ou seja, somando as duas formações, há uma forte descida na votação, de que resulta a perda de dois mandatos, ambos da SYPOL, que ficou reduzida a um parlamentar. Na verdade, apenas cerca de 25% dos eleitores desta terão votado no EDEK.

Este é um partido social-democrata, membro da Internacional Socialista, estando as suas posições em matéria económica e social próximas da generalidade dos seus congéneres europeus. É pró-UE, mas favorável à neutralidade, opondo-se a uma eventual adesão do país à NATO. Tem algum apoio nas classes médias, em especial na função pública. No problema cipriota, é fortemente nacionalista, opondo-se à federalização do país, advogando um Estado unitário.

Já a SYPOL é uma formação populista e de caráter fortemente unipessoal. Relativamente ao seu parceiro, situa-se mais à esquerda nas políticas económicas e sociais, opondo-se fortemente às políticas austeritárias, mas é ainda mais intransigente na questão nacional. Defende, também, o estreitamento das relações com a Rússia.

Nestas eleições, obteve os seus melhores resultados em Pafos (12,3%) e Larnaka (8,7%). Ao invés, em Famagusta (4,0%) e Limassol (4,8%) registou as suas votações mais fracas.

A grande vencedora destas eleições foi a Frente Democrática (DIPA), uma cisão do DIKO, liderada por Marios Garoyian, que obteve 6,1% dos votos e elegeu quatro parlamentares.

A sua criação resultou da crise interna que atingiu o DIKO após as presidenciais de 2018, em que vários elementos do partido se recusaram a apoiar a candidatura presidencial do seu líder. Uns foram expulsos, outros abandoaram-no de livre vontade e ambos criaram uma nova força política.

Ao contrário da formação que abandonaram, o DIPA tem uma abordagem mais moderada do problema cipriota, afirmando ser necessário manter as pontes com os cipriotas turcos, de forma a evitar a anexação do norte da ilha pela Turquia. O novo partido reclama-se centrista e moderado, afirmando-se não ser nem apoiante nem opositor do governo. Na campanha, Garoyan declarou que, tanto nas questões económicas e sociais ou outras políticas internas como no problema cipriota, o seu sentido de voto seria definido caso a caso, dependendo do que consideraria ser o interesse do país.

Assim, neste ato eleitoral, terá captado votos em todos os quadrantes, à exceção da extrema-direita, embora mais de metade do seu eleitorado seja constituído por ex-votantes do DIKO. Porém, terá ido buscar cerca de 1/5 à DISY e uma percentagem significativa à abstenção e novos eleitores e aos ecologistas, tendo ainda penetrado em setores dos eleitorados comunista, social-democrata e populista.

Ao nível territorial, foi em Kyrenia (7,9%) e Larnaka (7,0%) que obteve as suas melhores votações, mas também esteve bem em Nicósia (6,7%) e Limassol (6,4%). Pior foi o seu desempenho em Pafos (3,7%) e Famagusta (4,9%), as suas votações mais baixas.

A última força política a obter representação parlamentar foi o Movimento dos Ecologistas – Cooperação Cidadã (KOSP), liderado por Charalambos Theopemptou, que obteve 4,4% dos votos e elegeu três representantes. Relativamente a 2018, registou uma pequena descida na votação, mas ganhou um lugar, já que, então, chegara aos 4,8%, mas apenas conseguira dois mandatos. Um paradoxo que se explica pela distribuição dos votos entre as diferentes listas e pelo maior peso dos votos em forças políticas que não acederam ao Parlamento.

O KOSP é uma formação ecologista, de centro-esquerda, defensor de políticas ambientalistas e de uma democracia participativa. Ao contrário da maioria dos seus congéneres europeus, tem uma visão nacionalista e moderadamente eurocética. Por isso, na questão cipriota, a sua posição é de linha dura, defendendo um Estado unitário e rejeitando uma federação bicomunitária.

Nestas eleições, o seu resultado soube a desilusão, já que ficou bastante aquém do que previam as sondagens. Como sucede com a maioria dos partidos verdes, obteve o seu melhor resultado na capital, Nicósia (6,8%), seguido de Kyrenia (5,0%). Em contrapartida, os piores registaram-se em Larnaka (2,2%) e Famagusta (2,8%).

Os restantes partidos e os candidatos independentes não obtiveram representar parlamentar, mas somaram, em conjunto, 14,6% dos sufrágios, um forte aumento face às últimas legislativas, em que se ficara pelos 3,2%.

Destes, o mais votado foi o Cidadãos Ativos-Movimento Unido dos Caçadores Cipriotas (conhecido pelo nome Caçadores, Kinigon), que, com 3,3% dos votos, quase conseguiu entrar no Parlamento. Estamos em presença de uma formação ruralista e antiambientalista, defensora do direito à caça sem restrições. O seu melhor resultado foi obtido no círculo de Famagusta, onde chegou aos 6,0%, enquanto o pior se registou, sem surpresa, em Nicósia (2,2%).

Seguiu-se a Geração Mudança (AG), fundada em 2019 pela relativamente jovem Anna Theologou, que se ficou pelos 2,8% dos votos. Criada pela sua líder, após abandonar a SYPOL, a formação, de cariz social-liberal, adotou, inicialmente, o nome de Movimento dos Independentes (Anex) e cooperou com os Caçadores, com vista à apresentação de uma candidatura conjunta. Contudo, divergências sobre o nome da lista levaram à cisão entre as duas partes, levando a líder do Anex a registar o partido com a atual designação. Apesar de algumas sondagens indicarem a possibilidade de ultrapassar a cláusula-barreira, tal não aconteceu. Teve o seu melhor desempenho em Nicósia (4,0%) e o pior em Pafos (1,0%).

Um dos grandes derrotados foi o nacional-conservador Movimento Solidariedade (KA), liderado por Eleni Theocharous, que se quedou pelos 2,3% dos sufrágios, perdendo a representação parlamentar. Em 2016, havia obtido 5,2% e três mandatos. Terá visto cerca de 40% do seu eleitorado de então fugir para o ELAM, enquanto perto de 20% terá ido para outras formações de direita e centro-direita. Em Limassol (3,4%) foi onde esteve menos mal, apesar das perdas sofridas, mas em Larnaka (0,9%) os resultados foram desastrosos, perdendo mais de 80% do seu eleitorado de há cinco anos.

Seguiram-se duas novas formações, Famagusta para Chipre, defensora da reunificação da ilha (1,6%), e o Despertar-2020 (A-2020), formado por lesados da crise bancária (1,4%). Vieram, depois, o Repirar do Povo (PL), da direita nacionalista (1,3%, uma subida face aos 0,9% de 2018), o Partido Cipriota dos Animais (KZK), animalista (1,0%, um pouco menos que os 1,2% de há cinco anos) e, por fim, a nova Coligação Patriótica (PaSy), da extrema-direita ultranacionalista (0,1%).

Os vários candidatos independentes somaram apenas 0,9%.

Por seu turno, os boletins em branco ou nulos ficaram-se pelos 2,4% dos entrados nas urnas, contra 3,1% em 2018, uma descida que poderá explicar-se pela entrada na liça de novas forças políticas.

Finalmente, apesar da pandemia e de alguma desilusão com a política e os políticos, face aos sucessivos escândalos de corrupção, a abstenção pouco aumentou, passando de 33,3% para 34,3%. Algo que se deverá, igualmente, ao aumento da oferta eleitoral.

Um aspeto negativo destas eleições foi a eleição de apenas oito mulheres, uma representação que se fica por uns modestos 14,3% do Parlamento e reflete o caráter ainda extremamente patriarcal da política e da sociedade cipriotas. Aliás, dos dois partidos liderados por mulheres, um perdeu a representação parlamentar (o direitista KA) e outro não a conseguiu obter (o social-liberal AG).

Perspetivas futuras

Dispondo Chipre de um regime presidencialista, as legislativas não têm a mesma importância na formação do governo que noutros países.

Por outro lado, apesar das variações na votação dos principais partidos, a verdade é que as mudanças na composição dos grupos parlamentares não foram tão profundas como se poderia esperar. Afinal, os três maiores partidos perderam, cada um, cerca de 3% dos votos, mas a DISY e o AKEL perderam apenas um lugar e o DIKO manteve os seus nove deputados.

Apesar do descontentamento existente no seio do eleitorado, o AKEL e o DIKO, os dois maiores partidos da oposição, que “chumbaram” o orçamento para 2021 e fizeram uma campanha centrada nas fortes críticas ao executivo, foram, igualmente, penalizados.

Os eleitores mais reacionários, nacionalistas, zangados e/ou desesperados, de classe baixa e alguns pequenos empresários, foram a correr para os braços da extrema-direita ou para o movimento dos caçadores, enquanto os mais moderados e centristas, em especial de classe média, optaram pela DIPA e pela AG, que viam como novidades no panorama político nacional.

Para já, tudo indica que Anastasiades manterá o seu governo minoritário, formado por ministros da DISY e independentes, podendo contar, no Parlamento, com o apoio de outros partidos. O último orçamento foi aprovado, para além do partido do presidente, por EDEK e SYPOL, mas também pela ELAM e, de forma mais relutante, pela KA, que lhe garantiam os 29 votos necessários para a maioria absoluta. De acordo com o jornal Cyprus Mail, tudo indica que, na nova Câmara dos Representantes, voltará a conseguir manter essa maioria, pois os dois primeiros e a extrema-direita deverão manter o seu apoio ao executivo, que poderá contar, igualmente, com a boa vontade da DIPA.

Vejamos o que se segue até às presidenciais de 2023, nas quais o atual chefe de Estado já não poderá candidatar-se

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra