EUA

Censura conservadora nas escolas proíbe milhares de livros

23 de fevereiro 2025 - 12:26

O país que se gaba da proteção constitucional à liberdade de expressão vive uma onda de proibições de livros que visa sobretudo livros juvenis que abordem o racismo, questões de género ou LGBT+. A atriz Julianne Moore é o alvo mais recente.

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Livros banidos nas escolas EUA
Livros banidos nas escolas EUA. Ilustração PEN América

Liberdade para nós, censura para os outros. Tal podia ser o resumo de um certo tipo de pensamento ultra-conservador. A sua expressão nos Estados Unidos da América tem sido, do lado da extrema-direita, que os apoiantes declarados da “liberdade de expressão”, protegida constitucionalmente no país, prontos a indignar-se em seu nome face a qualquer crítica a discursos de ódio racistas ou machistas, não vejam contradição nenhuma entre isso e a proibição nas escolas dos livros que não lhes agradem.

Este país vive uma onda de proibições de livros nas escolas. Segundo um relatório do PEN América, no ano letivo 2023-2024, havia 4.000 mil livros banidos e 10.046 proibições em todo o país. A Florida e o Iowa estão no topo da lista da censura com 4.500 e 3.600 proibições respetivamente.

O documento mostra que os livros proibidos são, “esmagadoramente”, aqueles que incluem pessoas racializadas (44%) e com personagens LGBT+ (39%). Muitos livros (57%) são banidos por incluírem temas ou descrições de relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, sendo atacadas por supostamente terem “conteúdo sexual”.

A organização de escritores lembra que “o que os estudantes podem ler nas escolas providencia o fundamento para as suas vidas, quer estejamos a falar de pensamento crítico, empatia face à diferença, bem-estar pessoal ou sucesso a longo prazo”. O movimento de proibição, que identificam ter-se intensificado a partir de 2021, coloca, de acordo com o estudo “a liberdade de leitura dos estudantes em perigo, avançando pontos de vista extremamente conservadores sobre o que é próprio e permitido nas escolas”.

Para além disso, inclui-se esta onda de proibições numa “campanha mais alargada” que pretende “suprimir a educação acerca de certos pontos de vista, identidades e histórias” e que utiliza “falsidades, medo e ódio para desumanizar, dispensar e menosprezar vozes importantes na esfera pública”.

A mais recente vítima do movimento de interdição é a atriz e escritora Julianne Moore. O seu livro “Freckleface Strawberry”, semi-autobiográfico, foi proibido nas escolas do Ministério da Defesa do país em que estudam mais de 20.000 alunos. Ironicamente, a própria escritora foi formada numa destas escolas. No domingo passado manifestou-se incrédula na conta de Instagram: “nunca pensaria ver isto no país em que a liberdade de expressão é um direito constitucional”.

Ao France 24, a historiadora Esther Cyna, especialista em história da educação, do racismo e política nos EUA, explica que o movimento aumentou depois da derrota de Trump em 2020 e que é uma mobilização “sem precedentes”, isto “em termos de volume e de rapidez”.

Esta investigadora identifica três níveis diferentes de censura: à escola local, num distrito escolar, à escala dos Estados ou ao nível federal.

Se no início do século XX o que havia era censura de manuais escolares e depois houve a caça às bruxas nos anos 1950 contra o comunismo, hoje esta propaga-se ao nível da literatura, sempre com o argumento que é “impróprio” ou “perverte a juventude”, e vai mais longe nas perseguições sendo “um ataque direto que visa negar a existência, a identidade de certas pessoas.”

Sobre o caso de Julianne Moore, sublinha o empenho desta em temas como os direitos LGBT+ e as armas e lembra que o livro “fala de aceitação de si, com uma mensagem de diversidade”, assim “deveria ser simplesmente identificado como tendo uma mensagem progressista”.

No final do mês passado, uma das primeiras medidas do presidente Trump foi acabar por as investigações do Ministério da Educação sobre as proibições de livros.