Racismo

Caso Cláudia Simões: tribunal condena a vítima

01 de julho 2024 - 17:18

Perícias médicas, gravações e fotografias provam que Cláudia Simões foi agredida. Mas o agente policial que a agrediu foi absolvido. A defesa anuncia recurso de “decisão muito injusta”.

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manifestação por Cláudia Simões em fevereiro.
manifestação por Cláudia Simões em fevereiro. Foto de MANUEL DE ALMEIDA / LUSA.

O Juízo Criminal de Sintra condenou esta segunda-feira Cláudia Simões e o agente Carlos Canha a penas de prisão suspensas. No acórdão, a juíza alega que Cláudia teria mordido o agente da PSP. Este foi condenado, mas por agressões a outras duas pessoas, Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que tinham sido levados para a esquadra.

Cláudia Simões foi condenada a oito meses de pena suspensa por ofensa à integridade física qualificada e Carlos Canha foi condenado a de três anos pena suspensa. Dois outros agentes chamados então ao local, Fernando Rodrigues e João Gouveia, foram absolvidos do crime de abuso de poder. Defesa e acusação anunciaram recursos.

A advogada de Cláudia Simões disse ao Público não ter ficado surpreendida, “tendo em conta a grande animosidade da juíza para com a Cláudia [Simões] e com as testemunhas indicadas por ela”. Para a advogada Ana Cristina Domingues, “a justiça falhou em toda a linha. Eu atrevo-me a dizer que a juíza já tinha a decisão na sua cabeça antes de começar o julgamento. Mas temos o Tribunal da Relação de Lisboa. Obviamente, vamos recorrer”, avançou.

Na sentença a juíza escreve que “ninguém fez mal a Cláudia Simões. Cláudia Simões é que não quis pagar o bilhete à filha, deliberadamente atemorizou o motorista, recusou identificar-se, agrediu e empurrou. Serviu-se de impossíveis simulações e agressões. O choro da filha é à mãe que se deve”. De acordo com a juíza, os vídeos divulgados seriam “bem reveladores da atitude violenta e falsa” e que “não se encontrou qualquer motivação racista” por parte do polícia, acusando os cidadãos que assistiram à detenção de “idiossincrasias, preconceitos e pretensões” e considerando que o arguido Carlos Canha “atuou como se impunha, usando os movimentos estritamente necessários”.

Cláudia Simões depois de agredida

Carlos Canha foi condenado apenas por ter agredido duas testemunhas que insistiu em levar para a esquadra. Nas palavras da juíza: “quando descomprimiu, acabou por ser impulsivo e fazer de saco quem nunca devia tê-lo feito”, um “grave abuso de autoridade”.

À porta do tribunal de Sintra expressou-se hoje solidariedade com Cláudia Simões. Manifestantes trouxeram faixas - “contra a justiça racista” e “violência policial mata” - e lançaram palavras de ordem como “punho em riste, Cláudia resiste” e “justiça racista não é justiça”.

Conhecida a sentença, uma das filhas de Cláudia Simões leu uma declaração em que assegurou que se ia continuar a lutar pelos seus direitos. “Estávamos longe de imaginar que, depois do que fizeram à nossa mãe, no dia 19 de Janeiro de 2020, ela fosse retratada neste tribunal como selvagem, arrogante e exagerada, mesmo perante todas as evidências. A vítima não pode ser transformada em culpada. Embora cansados, anunciamos que recorreremos desta sentença, pela minha mãe e por todas as pessoas que já estiveram ou possam estar a passar pela mesma situação”.

Recorde-se que naquele dia, Cláudia Simões tinha-se esquecido do passe da sua filha de oito anos e, depois de uma discussão, o motorista da Vimeca chamou a polícia. Quem interveio foi um agente fora de serviço e sem farda, que a acusa de ter recusado identificar-se. As imagens então divulgadas mostram sem margem de dúvida a ação do agente agarrando-a para a “imobilizar” e os efeitos indesmentíveis dos ferimentos causados. No carro-patrulha houve mais agressões, cometidas perante outros polícias, que ignoraram o que se passava.

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