Mariana Mortágua quer abrir “nova etapa” da relação do Bloco com o antirracismo

29 de junho 2024 - 12:40

Na abertura do encontro antirracista do Bloco, a coordenadora bloquista fez um balanço crítico do peso político deste tema na vida do partido e defendeu a criação de um espaço permanente que traga mais debate e ligação ao movimento.

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Encontro antiiracista do Bloco
Encontro antiiracista do Bloco. Foto de José Sena Goulão/Lusa

Sob o lema “Nosso Futuro, Nossa Libertação”, o Bloco de Esquerda promove este fim de semana na Damaia, concelho da Amadora, um encontro antirracista com debates e conversas sobre o racismo estrutural e a violência de Estado, a participação política, a memória e o colonialismo, o pacto das migrações e a interseccionalidade das lutas (ver fotogaleria). Na abertura houve momentos de poesia e spoken word com Andreia Galvão e Santiago Mbamba Lima e discursos políticos com José Gusmão e Mariana Mortágua.

A coordenadora do Bloco começou por agradecer o trabalho dos militantes antirracistas na iniciativa e preparação deste encontro, lembrando que o antirracismo é um dos elementos fundadores do Bloco de Esquerda em 1999, com a participação de dirigentes antirracistas que formaram uma geração de militantes e trouxeram novos temas para o debate público.

No entanto, acrescentou, os anos decorridos mostraram que houve “uma transformação lenta e insuficiente” do debate interno sobre o antirracismo, em comparação com o dos temas ligados aos movimentos feminista e LGBT. Essa é a razão para Mariana Mortágua ter assumido este sábado a necessidade de fazer um “balanço crítico” deste trajeto e assumir que “existem no Bloco as mesmas estruturas excludentes que existem na sociedade e é preciso encarar isso de frente”.

Uma das insuficiências apontadas é que “falta no Bloco uma estrutura permanente de debate e ação antirracista” que consiga transvsersalizar o antirracismo em toda a ação do Bloco, prosseguiu Mariana Mortágua, defendendo um espaço “que permita contrariar o peso desproporcionadamente minoritário de migrantes e pessoas racializadas nos órgãos dirigentes do Bloco”.

A coordenadora do partido diz esperar que o encontro deste fim de semana sirva para criar esse “espaço permanente de trabalho e reflexão para encontrarmos novas formas de ação política que vão para além das meramente programáticas, com uma ligação muito mais próxima com o movimento antirracista e que nos permita ter mais debate, mais protagonistas e mais militantes ativos no movimento”. E dessa forma abrir “uma nova etapa da relação do Bloco com o antirracismo”, a prosseguir já em setembro com a realização de uma conferência em “para poder falar sobre estes temas da forma mais aberta possível”.

Encontro antiiracista do Bloco
Encontro antiiracista do Bloco. Foto Esquerda.net

“Papel de Portugal no tráfico de pessoas escravizadas não é uma vírgula na nossa história”

No plano político geral do debate sobre o racismo na sociedade, Mariana Mortágua defendeu que o primeiro passo deve ser o reconhecimento de que “o papel que Portugal teve no tráfico de pessoas escravizadas não é uma vírgula na nossa história” e reconhecer o contributo português na construção daquilo que hoje é a ideia de raça. O racismo enquanto estrutura de poder e desigualdade “é uma invenção para desumanizar e justificar a escravatura e o tráfico de pessoas escravizadas. E Portugal teve um papel fundador nesse processo. Essa é a nossa história e a nossa responsabilidade histórica no racismo atual”, apontou.

Por outro lado, “o nosso passado mais recente, que ainda é o nosso presente, é a negação nacional deste papel”, com a criação pela ditadura da “ideia absurda do lusotropicalismo, de um colonialismo português benévolo quando todos os factos históricos desmentem essa ideia”, que não foi ultrapassada com o 25 de Abril. “Por alguma razão entendeu-se que o fim da guerra colonial e a revolução democrática tinha acabado automaticamente com o racismo e com as questões que Portugal tinha de resolver com o seu assado. Isso só contribuiu para alimentar o negacionismo e um dos grandes falhanços - agora que celebramos os 50 anos da Revolução - é precisamente reconhecer esse passado de racismo, colonialismo e escravatura e o papel que os movimentos de libertação tiveram para que acontecesse o 25 de Abril”, prosseguiu.

Além de “contrariar este manto de negação coletiva”, reconhecendo esta história e pedindo desculpa às vítimas, pois “o Estado português enquanto representante desta comunidade histórica tem essa responsabilidade”, Mariana Mortágua defendeu que é preciso pensar “a nossa cultura e educação, não admitindo narrativas únicas”. E isso passa por contextualizar o que existe no espaço público - das estátuas aos museus - e “criar novos exercícios de tradução da história com leituras mais complexas e realistas” em vez da leitura parcial presente nos manuais escolares, pois “não pode ser só a narrativa do colonizador mas também dos colonizados que foram apagados da história” que deve ser ouvida. Além disso, reconhecer o passado significa “políticas de cooperação e desenvolvimento com os países e comunidades que ainda hoje sofrem as consequências desse passado”.

Mariana Mortágua destacou o muito que há por fazer nas políticas públicas de combate ao racismo e discriminação em Portugal, em matérias como o acesso à habitação e “a uma justiça que possa ser verdadeiramente igual”, referindo este setor onde mais trabalho há pela frente e que todos os anos envergonha o país no que diz respeito aos casos de violência policial contra pessoas racializadas.