Auditoras ambientais ajudam multinacionais a destruir a biodiversidade

18 de fevereiro 2025 - 14:36

Investigação jornalística revela como as multinacionais obtêm luz verde para financiar os seus projetos de destruição da biodiversidade nos países do Sul, graças à cumpicidade de empresas auditoras e à hipocrisia de instituições como o Banco Mundial.

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Elefantes e hipopótamos numa reserva natural no Uganda afetada pelos poços de petróleo da TotalEnergies
Ilustração de Sébastien Calvet / Mediapart ©

O site de notícias francês Mediapart, juntamente com os grupos internacionais de jornalismo de investigação Mongabay, dedicado ao jornalismo ambiental, e Africa Uncensored, que investiga abusos de poder no continente africano, juntaram-se para analisar os documentos internos da Biotope, empresa líder em França da auditoria ecológica de projetos, graças a uma fuga de informação obtida pela ONG Climate Whistleblowers.

Estes documentos mostram como as grandes multinacionais recorrem a empresas como a Biotope para elaborar “planos de ação biodiversidade” que tornem os seus projetos conformes às normas internacionais e assim poderem obter o financiamento de grandes instituições como o Banco Mundial, o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento ou o Banco Africano de Desenvolvimento, bem como de muitos bancos públicos e privados. Na realidade, aponta a investigação, trata-se de “operações de ecobranqueamento, ou greenwashing, destinadas a conferir um verniz ecológico” à destruição da natureza.

Estes planos elaborados pelas auditoras servem de garantia junto dos financiadores de que os projetos minimizam tanto quanto possível os danos ambientais e compensam os danos considerados inevitáveis, por exemplo plantando árvores noutros locais ou financiando programas de proteção de espécies em vias de extinção que viram o seu habitat destruído pelo projeto em causa.

A Biotope é uma das principais empresas europeias do setor e também conhecida em França por ter feito os estudos ambientais de projetos polémicos como o do aeroporto de Notre-Dame-des-Landes ou a autoestrada A-69 entre Castres e Toulouse, ambos muito contestados por ambientalistas franceses.

Para a investigadora Stéphanie Barral, socióloga económica do Instituto Nacional de Investigação Agrícola, Alimentar e Ambiental (INRAE) que estudou o mercado de avaliação ambiental, não restam dúvidas acerca do conflito de interesses que impede a independência destas empresas, uma vez que são remuneradas pelos autores dos projetos. Assim, quanto mais a avaliação for ao encontro do interesse do cliente, “mais contratos terá” no futuro.

Prioridade é a satisfação do cliente

E alguns documentos obtidos nesta fuga de informação parecem confirmar isso mesmo, ao mostrarem que a prioridade, mais do que a proteção da biodiversidade, é a satisfação do cliente. Um documento de 2019 sobre o “feedback” dos seus trabalhos dá conta que “muitas missões se seguiram” ao plano de ação biodiversidade feito para a TotalEnergies para um terminal petrolífero na República do Congo em 2015. Noutra missão em 2016, desta vez para um projeto mineiro na Nova Caledónia da multinacional brasileira Vale, sublinha-se que “seguiram-se mais contratos com eles”. Outros documentos registam as pressões dos clientes, classificados como “difíceis” quando confrontados com impactos na biodiversidade impossíveis de ocultar.

Antigos funcionários da auditora Biotope, que não respondeu às questões enviadas pelo Mediapart, disseram que por várias vezes em projetos nos países do Sul, quando chegaram ao local para começar a elaborar o plano de avaliação, verificaram que os trabalhos já tinham começado. Noutros casos, o autor do projeto altera ou corta partes do relatório à última hora.

Além da promiscuidade entre auditores e auditados, esta investigação “Greenfakes” - que irá divulgar nos próximos dias cinco exemplos concretos de ecobranqueamento de projetos ecocidas por parte se multinacionais - debruça-se também sobre o papel das entidades financiadoras dos projetos e da “norma de performance 6” (PS6), criada pela Sociedade Financeira Internacional, uma filial do Banco Mundial para o financiamento privado, e adotada pela maioria dos fundos internacionais. No papel, a norma serve para garantir que não haverá perda líquida de diversidade nos habitats atingidos, mas na prática, como diz um relatório da ONG francesa Os Amigos da Terra, ela serve para transformar “o que é apresentado como um instrumento de proteção da biodiversidade numa cortina de fumo para financiar a destruição de habitats críticos pelas empresas”. A primeira investigação publicada é sobre uma “aberração ecológica”: os poços de petróleo da TotalEnergies em plena reserva natural protegida, a maior do Uganda.

“Extrair petróleo no Uganda, num parque natural povoado por elefantes e leões; arrasar uma floresta tropical na Guiné para criar minas de ferro e de bauxite; ou construir uma barragem na Costa do Marfim, devastando uma joia da biodiversidade” são alguns dos exemplos destes projetos ecocidas branqueados com a cumplicidade de auditores e a hipocrisia das instituições financeiras internacionais, aponta o Mediapart.