França

Após um ano de “limpeza social”, os Jogos Olímpicos de Paris vão começar

04 de junho 2024 - 21:23

Mais de 12.500 pessoas sem abrigo ou noutras situações precárias foram expulsas da zona de Paris por causa do evento desportivo, denunciam as associações. A maior parte não teve direito a qualquer solução de alojamento.

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Le Revers de la Médaille
Ação de rua em dezembro para alertar para a "limpeza social" em Paris nas vésperas dos Jogos Olímpicos. Foto: Le Revers de la Médaille/Facebook

A organização dos Jogos Olímpicos de Paris tem sido precedida de várias operações de “limpeza social”. As denúncias foram feitas ao longo do tempo pelo Le Revers de la Médaille, “o reverso da medalha”, o coletivo que junta mais de uma centena de outras organizações.

Esta segunda-feira o grupo publicou um estudo de 24 páginas, intitulado “Um ano de limpeza social antes dos JOP: circulem, não há nada para ver”, onde sintetiza o que se passou até agora.

Denuncia-se que as populações mais precarizadas, pessoas em situação de sem abrigo, com habitações precárias ou dependentes do espaço público para viver e trabalhar estão a ser expulsas dos seus locais. Entre abril de 2023 e maio de 2024, as expulsões terão sido 12.545 na região de Île-de-France, um aumento de 38,5% comparando com o período 2021-2022. Do total de pessoas expulsas, 3.434 eram menores.

Para além da expulsão pura e simples, outro método tem sido utilizado: a deslocação para centros de acolhimento temporários noutras regiões, que já estão cheios. Mais de 5.000 pessoas foram deslocadas da região de Île-de-France com este expediente, reconhece à própria prefeitura regional.

O Le Revers de la Médaille considera assim estar-se perante um “duplo movimento de dispersão” reforçado com a vinda da competição desportiva que vai pôr muitos olhos sobre o espaço público da capital francesa. Mas afirma que o objetivo de expulsar as pessoas em situações mais difíceis já existia, com o evento a tornar-se um “acelerador” de uma política repressiva já em marcha.

Uma das maiores expulsões coletivas aconteceu em abril do ano passado. O Unibéton, onde moravam cerca de 500 pessoas, na maioria sem papéis, foi desalojado. Em seguida, outros dez prédios foram também desocupados com um total de 1.967 pessoas. De acordo com o documento, “estas ocupações representam raras alternativas aos acampamentos e à vida de rua, na ausência da possibilidade de aceder a alojamento institucional”. Para além do mais, as autoridades trataram de emitir ordens de evacuação sem esperar quaisquer decisões judiciais sobre os casos. Usam, por exemplo, expedientes como a invocação do “perigo iminente”, apesar de estarem a agir sobre situações que se arrastam há muito tempo.

O coletivo sublinha que à maior parte das pessoas não foi oferecida nenhuma solução de alojamento, nem sequer temporária. Apenas 35% tiveram direito a uma solução estatal, apesar de, oficialmente, o Estado estar obrigado pelas suas próprias regras a fazê-lo.

Defendem também que haja um trabalho social profundo em vez de expulsões de vistas curtas apenas com o objetivo de mostrar uma cidade aos turistas que virão assistir aos Jogos Olímpicos. Para eles, o Estado deve “garantir a continuidade do conjunto dos dispositivos sociais”. Calcula-se que seriam precisos 20.000 lugares de alojamento, 7.000 apenas na região da capital francesa. E que deveria ser criado um centro permanente de acolhimento humanitário para pessoas exiladas.