Andaluzia: Direita amplia e regulariza regadios ilegais no Parque Natural de Doñana

14 de abril 2023 - 13:33

Comunidade científica, direção do parque e Governo estão contra a ampliação dos regadios por ser incomportável ecologicamente. A esquerda diz que é uma sentença de morte para um dos mais importantes parques naturais ibéricos. Por El Salto.

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Foto: Estación Biológica de Doñana - CSIC. Publicada no El Salto.

Os dois grupos políticos da direita no Parlamento Andaluz fizeram aprovar uma proposta que vai requalificar os regadios ilegais que secam os sistemas aquíferos do parque nacional de Doñana, em Huelva.

Com os votos do PP e do Vox avança a lei de ordenação dos regadios da área de Doñana, uma norma impulsionada nas últimas horas pelo presidente da Junta, Juanma Moreno, contra o critério da comunidade científica, da própria direção do parque e do Governo central. De facto, a lei supõe uma ampliação dos regadios e a regularização de centenas de poços ilegais que bebem, literalmente, as águas que compõem o parque nacional.

A ministra do Meio Ambiente e terceira vice-presidente do governo, Teresa Ribera, assegurou que vai utilizar “todas as ferramentas constitucionais” para evitar que se o plano de Moreno se concretize e que se apresenta a um mês e meio de umas eleições locais nas quais o PP quer consolidar a sua maioria no Palácio de San Telmo, sede da Junta da Andaluzia.

O certo é que a competência sobre o aquífero principal sobre o qual a lei quer intervir, o 27, é da Confederação Hidrográfica de Guadalquivir, que depende do Estado central e não da Junta da Andaluzia nem das Câmaras Municipais. A lei hoje aprovada requalifica as parcelas mas explica que a água para a rega deve ser proveniente “preferencialmente” da superfície – sem mais detalhes – quando são terrenos que já beberam das águas do parque de maneira ilegal.

Desta forma, o PP tentou afastar de Doñana a tramitação da lei e falar dos direitos dos camponeses, mas acontece que estas águas para irrigação nesta altura só podem vir do ponto do qual a direita quer falar.

A Lei 30/2014, dos Parques Nacionais, permite a intervenção do executivo e a declaração do estado de emergência “com o fim de impedir que se produzam danos irreparáveis e sempre que estes não se possam evitar mediante os mecanismos de coordinação normais”.

Para além disso, o Governo pode recorrer à norma aprovada hoje no Tribunal Constitucional e solicitar medidas cautelares para que o processo paralise até que o órgão de garantias decida sobre o caso.

A Estação Biológica de Doñana, adstrita ao Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), deu o sinal de alarme nas últimas horas contra os planos do governo do Partido Popular na Andaluzia. O presidente deste organismo explicava o problema de fundo que é que “se está a extrair mais recursos do que aqueles que se regeneram anualmente mediante a recarga por precipitação, que é variável e decrescente, estando assim a esgotar-se este recurso natural”.

O biólogo Miguel Delibes, que levou a cabo grande parte do seu trabalho nesta estação, criticava a norma que foi a votos no Parlamento Andaluz por ser “um conto de fadas, una varinha mágica que sacam porque há eleições”. No debate, assegurou-se que “umas 600 famílias” beneficiarão da requalificação. Também não é muito mais concreta a informação sobre quantos hectares serão afetados por esta ampliação da capacidade do regantes. Em 2022, numa carta à UE, estabeleceu-se que seriam 48,62, mas em propostas anteriores os números duplicam essa quantidade de terreno.

Durante o plenário viveram-se momentos de tensão. A deputada do Adelante Andalucía, Maribel Mora, derramou areia sobre o lugar vazio de Juanma Moreno para protestar pelo que a esquerda apresentou como uma sentença de morte para uma das reservas naturais mais importantes da bacia mediterrânica. “20 sociedades científicas alertaram que a citada iniciativa é incompatível com a sobrevivência do Parque Nacional”, recordou Inmaculada Nieto, porta-voz do Por Andalucía.

A problemática é velha. Espanha foi condenada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por incumprir as suas obrigações derivadas da Diretiva Marco da Água devido à multiplicação desses poços ilegais. E a seca agrava o problema: mais de metade das grandes lagoas do parque não se inundaram na última década devido a fatores sistémicos como a falta de precipitações e a decisões políticas como a extensão de áreas cultivadas, a superfície construída no município de Matalascañas, a distância face às estações de bombagem da urbanização e o funcionamento de um campo de golfe.


Artigo redigido pela redação do El Salto. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.