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Alemanha reconheceu genocídio na Namíbia, mas não convence associações

Do lado alemão, o reconhecimento do genocídio de 70 mil pessoas no início do século é tomado como um grande passo. Os descendentes das etnias massacradas dizem que a Alemanha não quer pagar indemnizações mas sim “ajudas ao desenvolvimento” e que o dinheiro não irá para as etnias afetadas.
Tropas alemãs atacam os Herero. Pintura de Richard Knötel. Fonte: Wikimedia Commons.
Tropas alemãs atacam os Herero. Pintura de Richard Knötel. Fonte: Wikimedia Commons.

70 mil pessoas morreram às mãos do colonialismo alemão na Namíbia entre 1904 e 1908. Passados cinco anos de negociações entre os dois países, ficou acordado que a Alemanha reconhece o genocídio, pedirá perdão e vai pagar cerca de mil milhões de euros em trinta anos como forma de ajuda ao desenvolvimento.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Maas, declarou que "à luz da responsabilidade histórica e moral da Alemanha, pediremos perdão à Namíbia e aos descendentes das vítimas pelas atrocidades cometidas” na região que era na altura chamada pelo poder colonialista como Sudoeste Africano Alemão.

No próximo mês de junho vai ser assinada uma declaração conjunta em Windhoek, a capital do país, que será mais tarde ratificada por ambos os parlamentos. O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, pedirá então formalmente perdão pelo sucedido numa cerimónia do Parlamento da Namíbia. Segundo o acordado, o apoio financeiro será destinado a infraestruturas, assistência médica e programas educativos.

Polémica na Namíbia

Na Namíbia, o gesto foi recebido com alguma desconfiança. O porta-voz da presidência, Alfredo Hengari, disse à AFP que é "um primeiro passo numa boa direção”, considerando que é apenas a “base da segunda etapa que consiste em apresentar desculpas seguidas de reparações”.

O presidente da Namíbia, Hage Geingob, promete organizar nas próximas semanas discussões com as associações das comunidades que foram massacradas que estão divididas quanto ao sucedido. Algumas criticam o facto do dinheiro ir para o governo e não ser dado diretamente às comunidades e de ser atribuído sob a forma de “ajuda ao desenvolvimento” e não reconhecidamente como indemnização.

À Deutsche Welle, Mutjinde Katjiua, secretário-geral da Autoridade Tradicional Ovaherero, rejeita o acordo. Diz que o presidente alemão não é bem-vindo e que farão “de tudo em nosso poder para fazer com que sua visita seja irrealizável”. Nandi Mazengo, da Fundação do Genocídio Herero, pensa por sua vez que o reconhecimento agora anunciado não tem valor formal, ou seja não é o reconhecimento do genocídio enquanto crime “regulamentado pelas leis internacionais” e só é feito porque “não traz nenhuma obrigação para eles.” A Alemanha fala de responsabilidade moral e política mas não assume nunca por escrito responsabilidade criminal pelos massacres.

Do lado da oposição namibiana também há muitas críticas. Citados pelo Jornal de Notícias vários responsáveis de diferentes forças políticas mostram as suas reservas. Para Joseph Kauandenge, secretário-geral da Organização Democrática de Unidade Nacional, o que o governo alemão está verdadeiramente a fazer é “recusar-se a aceitar o genocídio e a pagar indemnizações. Querem fugir da sua responsabilidade histórica e esconder-se atrás da ajuda ao desenvolvimento. Para eles somos inferiores". Inna Hengari, deputada do Movimento Popular Democrático, considera “um insulto” o acordo e defende que este vá a votos. Mike Kavekotora, presidente do Congresso para a Democracia e Progresso, diz que o governo foi "fraco na representação das comunidades afetadas" e que "aceitou simplesmente o que estava em cima da mesa".

A história do genocídio dos nama e herero

Entre 1884 e 1915, a Namíbia viveu sob o jugo colonialista alemão, sendo chamada o Sudoeste Africano Alemão. Aquele que é reconhecido como o primeiro massacre do século XX ocorreu entre 1904 e 1908. As tropas do imperador Guilherme II, comandadas pelo general Lothar von Trotha, massacraram 65 mil herero (de um total de cerca de 80 mil pessoas desse grupo) e 10 mil nama (metade da população dessa etnia) na sequência de uma revolta por parte das populações que tinham ficado sem terra e gado.

O general foi claro quanto às intenções do exército alemão: "Eu, general dos soldados alemães, envio esta carta aos Herero. A nação Herero deve deixar o país ... Se recusarem, força-los-ei com tiros de canhão... Qualquer Herero, com ou sem armas, será executado."

Este genocídio planeado incluía, para além do assassinato sistemático de homens, mulheres e crianças desses grupos étnicos através de execuções sumárias, empurrá-los para o deserto, onde os poços foram envenenados, ficaram privados de água e alimentos, condenados assim também à morte. Os sobreviventes enfrentaram os campos de concentração, a violação em massa e o trabalho escravo.

Ainda hoje, os herero e nama vivem em pequenas zonas sobrelotadas ou em bairros de lata não tendo nunca recuperado o acesso à terra que era dos seus ascendentes. Segundo a BBC, os fazendeiros brancos descendentes dos alemães continuam a deter a maior parte das terras agrícolas do país, 70% do total.

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