Feminismo

13 de janeiro de 1975: Maria Teresa Horta lembra dia em que violência machista saiu à rua

13 de janeiro 2021 - 9:31

O Movimento de Libertação das Mulheres pretendia queimar símbolos da opressão de género durante uma iniciativa no parque Eduardo VII, em Lisboa. A poetisa recorda o momento em que as feministas foram insultadas, agredidas e perseguidas por uma multidão de homens. Por Mariana Carneiro.

porMariana Carneiro

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Imagem da reportagem da RTP sobre a manifestação feminista no Parque Eduardo VII, em Lisboa.
Imagem da reportagem da RTP sobre a manifestação feminista no Parque Eduardo VII, em Lisboa.

“A ideia era escolher um sítio deserto, sem casas e carros, onde pudéssemos queimar símbolos da opressão das mulheres”, como objetos utilizados na lida doméstica, revistas pornográficas, o código civil português, livros de autores machistas, brinquedos sexistas, entre outros. “E foi isto que ficou combinado entre nós. Decidimos que uma das mulheres iria vestida de noiva, uma outra de dona de casa e uma terceira de vamp. Queríamos desconstruir os estereótipos à volta das mulheres”, lembrou a escritora em declarações ao Esquerda.net.

De acordo com Teresa Horta, a iniciativa foi anunciada na comunicação social. O Expresso publicou uma notícia na primeira página, “uma coluna de alto a baixo”, em que dizia que as feministas iam estar no Parque Eduardo VII a determinada hora a fazer strip-tease. “Uma mentira descarada. Ficámos estarrecidas. Era inconcebível!”, referiu Teresa Horta.

A notícia, divulgada a 11 de janeiro, intitulava-se “Strip-tease de contestação organizado pelo MLM” e tinha o seguinte teor:

“De acordo com informação fidedigna, D. Francisco Manuel de Melo ombreará como Marquês de Sade, com Moravia, com Kahn, o velho mestre dos adolescentes púberes, na fogueira do MLM (chiu! Cardoso Pires não te mexas agora). Assistiremos ao strip-teasede uma noiva, de uma dona de casa e de uma vamp que darão a flor de laranjeira, o avental e o biquini como pasto às chamas. Qual o papel que caberá à pan-sexualista Maria Teresa Horta, como lhe chama a mais recente edição do Mundo Português, a pérola dos periódicos da língua portuguesa, que é preciso ler para crer?”.

No próprio dia 13 de janeiro, Teresa Horta estava em casa de Madalena Barbosa, no topo do Parque Eduardo VII. As feministas, cerca de quinze, preparavam-se para a iniciativa quando se aperceberam que um grande grupo de homens subia o Parque Eduardo VII na sua direção. Estranharam a situação, mas não a associaram à notícia do Expresso. Quando desceram, depararam-se com duas mulheres com cartazes contra o aborto, que acabaram também por ser alvo da ira da multidão de homens que ali se acumulou.

Como estavam acompanhadas por crianças, inclusive o filho de Teresa Horta, tentaram voltar para trás para as deixar, em segurança, em casa. Mas já estavam a meio do caminho. Optaram por colocar as crianças na carrinha de uma das feministas do MLM que se encontrava ali parada. Os homens tentaram virar a viatura e cercaram-nas. Algumas das mulheres, entre as quais a poetisa, conseguiram escapar com os menores e voltar a entrar no prédio. As restantes foram insultadas, assediadas, agredidas e perseguidas. E, em alguns casos, alvo de tentativa de violação. “Só não tocaram na noiva”, apontou Teresa Horta, acrescentando que isso é representativo da mentalidade daqueles homens. A vamp foi a mais atacada. Algumas mulheres que não integravam o MLM e nem faziam parte da manifestação também foram apanhadas no meio da confusão. Houve quem necessitasse de cuidados hospitalares.

Maria Teresa Horta e as quatro ou cinco feministas que se refugiaram na casa de Madalena Barbosa contactaram a polícia e a comunicação social: Diário de Notícias, Diário de Lisboa, Século… A rádio e televisão também apareceram no local.

“Só se ouviam gritos e insultos. Elas desapareceram logo no meio daquela multidão. Ficámos extremamente preocupadas e ainda tentámos sair de casa. A polícia já estava no local e disse-nos para não sairmos dali”, relatou a poetisa.

Maria Teresa Horta recorda-se que vários homens ostentavam nas suas lapelas a identificação dos respetivos partidos a que pertenciam. “Eram homens de todos os partidos”, assinalou. A feminista contou-nos ainda que, no dia seguinte, ela e outras mulheres que integravam o MLM foram aos respetivos partidos em que militavam, no caso da poetisa o PCP, para denunciar a presença de militantes entre os agressores.

Os acontecimentos no Parque Eduardo VII tiveram uma “enorme repercussão na imprensa”. “Estávamos em liberdade, mas, de repente, as mulheres foram as únicas que sentiram que afinal não havia tanta liberdade quanto isso. Liberdade só para os homens, e talvez para as mulheres que se mantivessem quietinhas e caladinhas”.

“Lutar pela igualdade e pela libertação das mulheres”

No dia da leitura da sentença do processo das Novas Cartas Portuguesas, a 7 de maio de 1974, o tribunal encheu-se de feministas, portuguesas e estrangeiras, que comemoraram efusivamente a absolvição de Maria Teresa Horta, Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. Um grupo formado entre estas mulheres reuniu-se à noite em casa de Isabel Barreno, no Areeiro, para falar sobre a possibilidade de criarem um movimento feminista em Portugal. Surge aí o Movimento de Libertação das Mulheres (MLM).

Maria Teresa Horta recordou esse momento, explicando que o objetivo das fundadoras do MLM era “lutar pela igualdade e pela libertação das mulheres”. “A igualdade na diferença”, clarificou a poetisa.

“Ouvíamos o que as mulheres tinham para dizer. Na sua maioria, eram donas de casa, é preciso não esquecer”, assinalou Teresa Horta. Existia, semanalmente, uma reunião de “consciencialização”. “Era na minha casa que se realizavam estes encontros. Vinham mulheres de várias partes, eram donas de casa, operárias…”, descreveu. Aquilo que ouviu destas mulheres foi aquilo que a poetisa acabou depois por levar para o seu livro ‘As Mulheres de Abril’. Violações por parte dos maridos, a impossibilidade de demonstrar prazer sexual faziam parte dos relatos partilhados.

“Foi uma experiência muito interessante. Foi terrível e muito assustador, mas abriu à nossa frente várias possibilidades. Era preciso consciencializar estas mulheres de que elas tinham direito a ter prazer tal como eles, tinham direito a serem livres”, afirmou Teresa Horta.

O MLM veio depois a ocupar um palacete antigo que estava desabitado, entre o Rato e o Jardim da Estrela. A par das reuniões de consciencialização, o Movimento também organizou várias iniciativas de rua, entre as quais a manifestação feminista no Parque Eduardo VII, a 13 de janeiro de 1975, Ano Internacional das Mulheres.

Mariana Carneiro
Sobre o/a autor(a)

Mariana Carneiro

Socióloga do Trabalho. Mestranda em História Contemporânea. Ativista antirracista e pelos direitos dos imigrantes.