120 mil crianças sem creche “é consequência da decisão do Governo”

09 de outubro 2023 - 13:36

Mariana Mortágua visitou uma creche municipal em Paredes para denunciar que o Governo impede as autarquias de aumentarem a oferta pública. Bloco vai propor projeto de lei para incluir a resposta pública no programa Creche Feliz.

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Jose Soeiro e Mariana Mortágua em visita a uma creche municipal em Paredes.
Jose Soeiro e Mariana Mortágua em visita a uma creche municipal em Paredes. Foto Esquerda.net

A coordenadora do Bloco de Esquerda esteve esta segunda-feira numa creche municipal no concelho de Paredes, distrito do Porto. Acompanhada pelo vereador da Educação, Paulo Silva, Mariana Mortágua testemunhou como apesar da vontade da autarquia em acabar com a lista de espera para a creche municipal, o Governo recusa-se a permitir o financiamento à ampliação deste equipamento social. O programa Creche Feliz inscreveu o direito à creche gratuita na lei portuguesa, mas esse direito não está a ser cumprido devido à ausência de uma rede pública. Uma situação ainda mais grave porque o Governo decidiu excluir as creches públicas, de gestão municipal, daquele programa, apesar de ter alargado o financiamento a entidades do setor privado lucrativo, além do setor social.

“Não é fácil explicar a um pai porque é que ficámos de fora”, disse aos jornalistas o vereador Paulo Silva no final da visita. Impedido de ampliar a resposta municipal ou de poder concorrer a financiamento comunitário para esse efeito, a autarquia de Paredes tenta contornar essa situação pedindo a IPSS que abram vagas utilizando as instalações das escolas públicas. Além disso, a Junta de Paredes tem uma creche (Creche em Expansão) que não foi incluída no Creche Feliz e em que, por isso, as famílias têm de pagar a mensalidade. Por serem servidas por uma creche pública, famílias e crianças são privadas de terem a creche gratuita.

“Se nos permitirem candidatar a fundos comunitários para ampliar a resposta, haverá possibilidade de dar resposta. Fizemos acordos com IPSS para construir mais creches, mas isso vai demorar pelo menos mais um ano para termos mais resposta”, afirmou o vereador Paulo Silva.

Mariana Mortágua traçou o retrato da situação a nível nacional, dizendo que “há 120 mil crianças que não têm vaga numa creche e há pais desesperados sem ter vaga numa creche que possam pagar”. Mas também há soluções “que podem ser aplicadas neste momento”, prosseguiu, dando o exemplo da creche que visitou em Paredes e que não pode ser financiada pelo Estado porque “o Estado recusa-se a financiar creches municipais”.

“Nesta creche onde estão 49 crianças há espaço para ser ampliada e quase duplicar a capacidade. Isso resolveria a lista de espera que a Câmara também tem. Mas não consegue ampliar a creche porque o Estado se recusa a financiar autarquias. Mais do que isso, o Estado admite garantir creche gratuita às creches do privado e do setor social”, o que configura “uma discriminação”.

“O Estado não tem como assegurar vagas nas creches e está a impedir as autarquias que têm espaços disponíveis de abrirem vagas ou ampliarem creches que já existem. Isto não faz qualquer sentido, é o Estado a trabalhar contra si próprio”, prosseguiu Mariana Mortágua.

A coordenadora bloquista anunciou a apresentação de um projeto de lei para dar resposta a este problema: “por um lado, dizer que as autarquias podem e devem abrir creches. Em segundo lugar, que as creches das autarquias possam ser gratuitas para os seus utilizadores e terem os mesmos direitos e condições que têm os utentes das creches privadas ou do setor social. Tem de haver resposta pública de creches”, resumiu.

Com este alargamento, “a oferta aumentava imediatamente”, defendeu Mariana Mortágua, voltando ao exemplo de Paredes. “Nesta creche temos 70 crianças em lista de espera. Se pudessem fazer a expansão poderiam eliminar esta lista de espera”. Um exemplo que pode ser multiplicado “pelo país inteiro”, onde há “edifícios que eram jardins de infância que estão desativados, que as Câmaras querem utilizar e que são impedidos pelo governo central”. Em vez disso, hoje em dia “continua-se a dar ao setor privado e social que não tem sempre a resposta às necessidades”. Ou seja, “se há hoje 120 mil crianças sem creche, isso é consequência da decisão do Governo”, concluiu.

"O Governo está ativamente a destruir o SNS”

Questionada pelos jornalistas sobre o caos nas urgências hospitalares, Mariana Mortágua respondeu que “o problema do SNS é a ausência de recursos estruturais e a recusa do Governo em aumentar a despesa estrutural para dar condições aos médicos para se manter no SNS”

“Essa teimosia do Governo torna-se um travão à possibilidade do SNS dar resposta e manter médicos.
O Governo está ativamente a destruir o SNS”, apontou a coordenadora do Bloco.

“O Governo sabe o que toda a gente sabe e vê o que toda a gente vê: um SNS que funciona porque explora horas extraordinárias ilegais dos funcionários, médicos e não médicos. O Governo é incapaz de partir para a única solução, que é dar condições aos profissionais que asseguram o SNS”, como defendem cada vez mais vozes, “inclusive vozes que estiveram no Governo do PS, no Ministério da Saúde”.

“Ou se aumenta a despesa estrutural para fixar profissionais e dar-lhes condições de trabalho que não impliquem quatro meses de trabalho extraordinário por ano, ou então o SNS será destruído. E a destruição do SNS é um bónus para o privado, que já está a sugar boa parte dos recursos, porque é ao privado que são contratados serviços que o SNS não consegue assegurar”, prosseguiu Mariana Mortágua, apontando o dedo à “arrogância do Governo, que a única coisa que consegue fazer é dividir o país e colocar as pessoas contra os médicos”