Enquanto a polícia espanhola reprimia o referendo na Catalunha, outras cenas de violência policial passaram mais despercebidas ao resto do mundo. Na cidade de Murcia, a população em luta tentou esta semana impedir as obras da linha de alta velocidade (AVE) e o protesto terminou com três feridos.
A luta de Murcia é antiga e as promessas dos governantes também. A estação ferroviária foi inaugurada no século XIX como estação provisória e assim se mantém. Desde então, a cidade cresceu e ficou dividida pela ferrovia, com mais de 200 mil habitantes separados do centro. O governo comprometeu-se a enterrar as linhas que chegam à cidade, de forma a unir finalmente os bairros do sul e do centro, mas o plano que anuniou em setembro não cumpre a promessa e passa pela construção de um muro de 9 quilómetros e 5 metros de altura a acompanhar a nova via.
Farta das mentiras do governo, no início de setembro a população decidiu manifestar-se de forma contínua, uma mobilização que chegou a juntar 40 mil pessoas na Gran Via de Murcia, organizada pela Plataforma Pro-Soterramiento. Defendem o acordo publicado em 2006 no Boletim Oficial da Região de Murcia, que previa o enterramento integral da linha de alta velocidade em conjunto com as já existentes, como foi feito em Córdoba em 1994, e e a substituição da estação central por uma mais adequada à nova capacidade do serviço ferroviário.
A mobilização popular levou a autarquia a propor agora que o comboio de alta velocidade pare na estação de Beniel, a dez minutos do centro, e que a ligação se faça através de outros comboios, como acontece em Vigo ou Zamora, até que a linha para o centro esteja totalmente enterrada. Isso evitaria a construção do muro, a eliminação das passagens de nível e a instalação da catenária de 25 mil volts que acompanha a linha de alta velocidade.
O governo do PP insiste em prometer que a partir de 2023 a linha será enterrada, funcionando à superfície até lá, de forma provisória. Mas os murcianos, que obtiveram a mesma promessa em 1862, quando Isabel II inaugurou aquela que é até hoje a única estação na cidade, têm razões de sobra para desconfiar.