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Rescaldo das Europeias (2): o novo Parlamento Europeu (I)

Introdução
Agora que a “poeira” começa a assentar e estão quase definidos os grupos políticos em que se irá dividir o novo Parlamento Europeu (PE), cuja posse está prevista para o próximo dia 2 de julho, é altura de fazermos uma análise detalhada, não apenas do ato eleitoral, mas também do futuro hemiciclo de Bruxelas e Estrasburgo.
Se a extrema-direita e as direitas populistas e reacionárias não cresceram o que se esperava, não deixaram de registar, como veremos, um avanço significativo. Simultaneamente, as duas grandes famílias europeias (a democrata-cristã/conservadora e a social-democrata) viram a sua representação reduzir-se, embora essas perdas tenham sido parcialmente compensadas com o crescimento dos liberais/centristas, reforçados com a formação de Macron. Por seu turno, no campo alternativo, se os verdes registaram uma forte subida, a esquerda viu a sua bancada enfraquecer.
O papel do Parlamento Europeu
Antes de passarmos à análise dos resultados eleitorais e da futura composição da instituição parlamentar da UE, é bom termos a noção do papel do Parlamento Europeu na arquitetura institucional desta.
Se, do ponto de vista teórico, a Comissão representa o interesse comum da união e o Conselho os Estados membros, o Parlamento representa os cidadãos da União Europeia.
É composto por um número máximo de 751 membros, presidente incluído. Os eurodeputados (Members of the European Parliament, MEP) são eleitos por sufrágio universal, livre, direto e secreto para um mandato de cinco anos.
O número de MEP por país é determinado com base no princípio da proporcionalidade degressiva, isto é, os Estados mais povoados têm maior número de representantes, mas, ao contrário do que sucede na proporcionalidade pura, o número de habitantes por eleito deve ser sucessivamente menor à medida que diminui a dimensão dos países, o que garante mais lugares aos menos povoados. Ou seja, enquanto um eurodeputado alemão representa mais de 800.000 cidadãos, um maltês representa cerca de 50.000 pessoas. No caso português, esse valor é aproximadamente de 500.000. Porém, nenhum estado pode ter mais de 96 eurodeputados nem menos de seis.
Aquele valor é fixado por iniciativa do próprio PE e após aprovação unânime do Conselho Europeu. Desde 2009, ano em que decorreu o primeiro ato eleitoral sob a égide do Tratado de Lisboa, que o número total de MEP é igual ao máximo permitido. Algo que poderá mudar se e quando o Brexit se concretizar.
Assim, se e quando aquele ocorrer, o PE verá os atuais 751 membros reduzidos a 705, já que nem todos os 73 eurodeputados britânicos serão substituídos, ficando os restantes 46 lugares reservados para futuros alargamentos. Na redistribuição dos outros 27, foram tidas em conta as dinâmicas demográficas mais recentes e uma maior aproximação ao princípio da proporcionalidade degressiva, previsto nos tratados. Ao mesmo tempo, é necessário observar os limites máximo e mínimo de representantes aí definidos: nenhum Estado poder ter mais de 96 nem menos de seis, como vimos atrás.
Os países que verão as suas delegações aumentar serão a França (de 74 para 79), a Itália (de 73 para 76), a Espanha (de 54 para 59), a Polónia (de 51 para 52), a Roménia (de 32 para 33), a Holanda (de 26 para 29), a Suécia (de 20 para 21), a Áustria (de 18 para 19), a Dinamarca, a Finlândia e a Eslováquia (as três de 13 para 14), a Irlanda (de 11 para 13), a Croácia (de 11 para 12) e a Estónia (de 6 para 7).
Por sua vez, Alemanha (96), Bélgica, Grécia, República Checa, Portugal e Hungria (todos 21), Bulgária (17), Lituânia (11), Eslovénia e Letónia (ambas 8), Chipre, Luxemburgo e Malta (os três com 6) manterão o mesmo número de elementos.
Na sua eleição do PE é obrigatório o sistema de representação proporcional, embora a fórmula possa variar de país para país, como veremos.
O seu presidente é eleito, de entre os seus membros, para um mandato de dois anos e meio, renovável, sendo assistido por 14 vice-presidentes.
Os eurodeputados agrupam-se por grupos políticos, de acordo com as respetivas afinidades ideológicas, e não por nacionalidades.
Para formar um grupo político, são necessários, pelo menos, 25 eurodeputados de um mínimo de sete Estados membros (ou seja, 1/4 destes).
Está sedeado em três cidades: Estrasburgo (onde se realiza a sessão anual, em março, e 12 sessões plenárias por ano, durante quatro dias cada), Bruxelas (onde reúnem as comissões parlamentares e se efetuam seis sessões plenárias por ano, com a duração de dois dias cada) e Luxemburgo (onde se situa o secretariado geral, ou seja, os serviços administrativos).
Ao contrário dos Parlamentos nacionais, o PE não possui poder de iniciativa legislativa, que, de acordo com os tratados, é um exclusivo da Comissão Europeia. Ou seja, os seus membros não podem apresentar propostas de lei, mas apenas apreciar e votar as que aquela lhes apresenta. Uma disposição dos tratados que constitui uma limitação considerável nos seus poderes.
A partir de Maastricht, passou a ser possível à assembleia parlamentar da UE sugerir que a Comissão legisle sobre um determinado assunto. Porém, a sua sugestão não vincula aquela, que apenas necessita de justificar por escrito a sua negativa, sem que daí existam consequências legais.
Um dos poderes mais importantes que possui é o orçamental, isto é, a apreciação e aprovação do orçamento anual da UE, que decorre entre maio e dezembro do ano anterior. Existem, porém, duas condições restritivas a que os parlamentares têm de obedecer: respeitar os montantes definidos nas perspetivas financeiras plurianuais e manter o equilíbrio entre receitas e despesas.
Há, ainda, a referir o papel do PE na escolha do presidente da Comissão Europeia.
De acordo com o Tratado de Lisboa, este é nomeado pelo Conselho Europeu, tendo a escolha que ser aprovada por maioria qualificada (55% dos Estados, representando 65% da população da UE), tendo em conta os resultados das eleições para o PE.
Contudo, a sua nomeação tem de ser ratificada pela maioria absoluta do PE (376 MEP).
Depois, o presidente nomeado, em conjunto com o Conselho Europeu, escolhe a sua equipa de comissários (na prática, estes são apontados pelos governos nacionais).
Com o colégio constituído, distribui os diferentes pelouros por eles. Seguidamente, estes são inquiridos, individualmente, pela comissão parlamentar correspondente ao pelouro que lhe foi atribuído. Se a apreciação desta for negativa, o presidente é convidado a substituí-lo, o que implica novas negociações deste com o respetivo Estado membro.
Por fim, o novo colégio de comissários é votado, como um todo, pelo PE, que o aprova por maioria absoluta dos seus membros.
Se obtiver aprovação, resta-lhe ter o apoio da maioria qualificada do Conselho Europeu para a nova Comissão Europeia entrar em funções.
Diferentes legislações eleitorais
A única determinação europeia para a eleição do Parlamento Europeu é, como vimos, a obrigatoriedade de adoção de um sistema de representação proporcional em todos os Estados membros. Tudo o resto é da responsabilidade destes, o que leva a uma grande diversidade de procedimentos na escolha dos seus representantes no hemiciclo de Bruxelas e Estrasburgo.
Assim, se a maioria dos países utiliza um círculo único nacional de apuramento para a distribuição dos mandatos, existem três exceções: a Bélgica (onde há três círculos de base étnica, correspondentes aos colégios flamengo, valão e alemão), a Irlanda (dividida em três circunscrições eleitorais: Dublin; Centro e Noroeste; Sul) e o Reino Unido (onde aquelas são em número de 12: a Grande Londres, as oito regiões de planeamento inglesas, a Escócia, Gales e a Irlanda do Norte).
Por seu turno, Alemanha, Polónia e Itália possuem, igualmente, círculos regionais (os 16 “lander” alemães, 13 e cinco, respetivamente), mas os lugares são distribuídos a nível nacional, para o que existe um sistema de mandatos compensatórios.
No que respeita às fórmulas eleitorais, estas variam.
O método de Hondt é o mais frequente nas europeias, sendo utilizado em Portugal, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Estónia, Polónia, República Checa, Hungria, Eslovénia, Croácia, Roménia e Reino Unido (à exceção da Irlanda do Norte).
França e Holanda utilizam o quociente eleitoral simples, mas como os lugares remanescentes são atribuídos de acordo com a média mais alta, na prática, os resultados vão ser idênticos ao daquele.
Por seu turno, o método de Saint-Laguë é usado na Alemanha e na Letónia, enquanto a Suécia utiliza uma versão modificada do mesmo (com 1,2 como primeiro divisor, em vez de 1).
Já na Itália, na Bulgária e no Chipre vigora a quota de Hare-Niemeyer, isto é, o quociente eleitoral simples com o maior resto para os lugares remanescentes.
Entretanto, a Eslováquia usa o método de Hagenbach-Bischoff, dividindo os votos válidos pelo número de lugares mais um. Também aqui os mandatos sobrantes são atribuídos aos maiores restos.
Na Grécia, utiliza-se um sistema de proporcionalidade reforçada, através da quota Droop (praticamente igual ao anterior, mas com o quociente acrescido de uma unidade). Porém, consideram-se a totalidade dos votos válidos para a divisão, após o que os mandatos em falta são distribuídos pelos maiores restos.
Por fim, a Irlanda e Malta utilizam o voto único transferível, um sistema de voto preferencial individualizado, também instituído nas respetivas legislativas. É, ainda, utilizado na Irlanda do Norte, tal como nas suas eleições regionais.
Há, ainda, a considerar a existência de cláusulas-barreiras em alguns Estados, embora estas não possam exceder 5% dos votos válidos.
É esse o valor mais utilizado, vigorando em França, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Croácia, Roménia e Bélgica (nesta última, a nível de cada um dos colégios eleitorais); na Itália, Áustria e Suécia é de 4%, na Holanda 3,85% (100/26), na Grécia 3% e em Chipre 1,8%. Neste último país, é totalmente irrelevante, derivando da extensão da lei eleitoral nacional então existente para as europeias. No caso holandês, esta reduzir-se-á se o Brexit se concretizar, passando para 3,45% (100/29).
Nos restantes, estão ausentes da legislação eleitoral para o PE. Na Alemanha, a cláusula-barreira foi abolida antes das europeias de 2014, por determinação do Tribunal Constitucional, que considerou não fazer sentido a sua existência, uma vez que se trata de um ato eleitoral onde não está em causa a estabilidade governativa.
Há, ainda, cinco países onde o voto é obrigatório para os residentes no território nacional: Bélgica, Luxemburgo, Bulgária, Grécia, Chipre, embora nestes dois últimos as penalizações legais previstas para a abstenção raramente sejam aplicadas.
Varia, igualmente, a idade legal para eleger e ser eleito. Se a primeira é quase sempre fixada nos 18 anos (as exceções são a Áustria e Malta, onde foi reduzida para 16, ou a Grécia, onde os que fazem 18 anos até ao final do ano podem votar, mesmo antes de atingirem aquela idade), já a segunda varia de Estado para Estado: 18 anos em Portugal, Espanha, Malta, França, Luxemburgo, Holanda, Alemanha, Áustria, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Hungria, Eslovénia e Croácia; 21 em Chipre, Bélgica, Irlanda, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia e Bulgária; 23 na Roménia e 25 em Itália e Grécia.
Como podemos verificar, apesar de estarmos a eleger o mesmo órgão, a legislação varia de Estado para Estado. E, tal como sucede nas impressões digitais, não há duas iguais!
Artigo de Jorge Martins para esquerda.net
No texto seguinte, iniciaremos a análise dos resultados eleitorais e do novo Parlamento Europeu por grupos políticos, começando pelos três maiores.
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