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República Checa: pequena descrição do país e da sua história

A República Checa, que teve em Havel o seu primeiro presidente, defrontou-se com as dificuldades e os problemas sociais decorrentes da transição para o capitalismo. A sua base industrial e localização permitem-lhe superá-las mais facilmente. Artigo de Jorge Martins.
“Vaclav Havel sorrindo”, primeiro presidente da República Checa – Foto de jamretsam324, 2008, licenciado sob CC BY-NC 2.0
“Vaclav Havel sorrindo”, primeiro presidente da República Checa – Foto de jamretsam324, 2008, licenciado sob CC BY-NC 2.0

As eleições legislativas realizadas nos passados dias 8 e 9, na República Checa, levaram à derrota do primeiro-ministro centrista populista Andrej Babiš, ao triunfo da coligação de centro-direita, à derrota dos Piratas no seio da coligação liberal-progressista, a um ligeiro recuo da extrema-direita e à hecatombe de social-democratas e comunistas, que ficam, pela primeira vez em democracia, fora do Parlamento.

Neste artigo, fazemos uma pequena descrição do país e abordamos a sua história, ao mesmo tempo antiga e recente; noutro artigo, fizemos a descrição do sistema político e eleitoral, a análise das eleições e as perspetivas para o seu futuro político próximo.

Um país da Europa Central

A República Checa (por vezes, designada por Chéquia) é um país da Europa Central, limitado a oeste pela Alemanha, a sul pela Áustria, a leste pela Eslováquia e a norte pela Polónia, com uma superfície de cerca de 79 mil Km2.

O seu território é constituído por três grandes regiões: a Boémia, a maior, que ocupa o Oeste e o Centro; a Morávia, o Leste, e a Silésia Checa, a mais pequena, no extremo Nordeste.

É, em geral, planáltico, rodeado de várias cadeias de montanhas de relativamente baixa altitude (o pico mais alto, situado na cadeia dos Sudetas, não vai além dos 1603 metros), em especial nas áreas fronteiriças com a Alemanha e a Polónia. As zonas mais planas correspondem aos vales dos rios Elba (Labe, em checo) e do curso final do Vltava (que banha Praga), seu afluente, no centro-norte da Boémia, do Morava, no sul da Morávia, e, em menor grau, do Oder, na Silésia.

O seu clima é, em geral, temperado continental, com invernos frios e moderadamente secos e verões mais ou menos quentes e húmidos.

A República Checa possui mais de 10,7 milhões de habitantes. Destes, 1,3 milhões vivem na capital, Praga. A segunda cidade é Brno, a maior urbe da Morávia, com cerca de 400 mil, seguindo-se Ostrava, na Silésia, com quase 300 mil, e Plzen, na floresta da Boémia, com perto de 200 mil.

De acordo com os últimos censos, 64,3% identificam-se como checos, 5,0% morávios, 1,4% eslovacos, 0,5% ucranianos, 0,4% polacos e 3,1% outras pertenças, enquanto 25,3% não responderam.

Considerado o país mais descristianizado da Europa, não surpreende que 34,5% dos seus habitantes se afirme ateu ou agnóstico, havendo apenas 11,6% que se declaram cristãos praticantes (dos quais 10,4% católicos, 1,0% protestantes e 0,2% ortodoxos), 6,8% cristãos não praticantes e 2,4% fiéis de outras religiões, havendo 44,7% de não respostas.

Ao nível económico, é um país bastante industrializado, que tem tido um rápido crescimento após a adesão à UE. O seu PIB por habitante, em paridade do poder de compra, era, em 2020, de cerca de 41.700 dólares, correspondente a 94% da média da UE. Contudo, existe uma enorme assimetria entre Praga (205% acima daquele valor médio) e o resto do país (dos 64% do Noroeste aos 83% da Boémia Central, que rodeia a capital, e do Sueste, onde se situa Brno).

Um Estado recente com um grande passado

Após várias invasões, tribos eslavas estabeleceram-se no atual território checo, no século VII, aí criando o primeiro reino eslavo da Europa Central.

No século seguinte, nasce o principado da Grande Morávia, entretanto cristianizado, que atinge o seu apogeu no sec. IX. Contudo, no final deste, acaba derrotado pelos húngaros. No seu seio, surgira, entretanto, o ducado da Boémia, que, em 1002, ganha o estatuto de estado do Sacro Império Romano-Germânico, com direito a voto na respetiva Dieta. Em 1212, é elevado a reino. É também no sec. XIII que chegam os primeiros colonos alemães, que se instalam nas áreas periféricas montanhosas do seu território.

É na Boémia que surge, no século XV, a primeira grande tentativa séria de reforma da Igreja Católica, da autoria do teólogo reformador Jan Huss, que acabaria queimado na fogueira. Contudo, o seu pensamento espalhara-se e a tentativa de esmagamento dos seus seguidores por parte das forças imperiais leva às chamadas guerras hussitas, que durarão 20 anos (1419-39). Nestas, os hussitas derrotam as cinco cruzadas enviadas pelo Papa contra si e, no final, 90% da população declara-se hussita. É criada, então, a Igreja dos Irmãos Morávios, na prática a primeira igreja protestante, antes do nascimento do protestantismo propriamente dito.

Em 1526, a Boémia passa para o controlo dos Habsburgos da vizinha Áustria, católicos. As relações entre os checos e estes nunca foram as melhores e, em 1618, ocorre o episódio da defenestração de Praga (vários nobres protestantes checos atiram pela varanda dois enviados do Imperador e o seu secretário), acontecimento que dará início à guerra dos 30 anos. A nobreza checa, com o apoio da burguesia, assume o poder em Praga, mas a revolta é esmagada em 1621 e o governo imperial impõe a conversão aos protestantes, que apenas tinham como alternativa a sua expulsão do território.

Muitos recusam e acabam expulsos, o que vai levar à decadência da região, a braços, durante os séculos XVII e XVIII, com várias guerras, fomes e pestes, que a fazem perder cerca de 1/3 da sua população. Como ponto positivo, o início da abolição da servidão, em 1781.

O domínio austríaco

Em 1806, as guerras napoleónicas conduzem ao fim do Sacro Império e a Boémia é integrada no Império Austríaco, perdendo o seu estatuto de estado eleitor daquele.

O sec. XIX é marcado pelo fervilhar dos nacionalismos românticos em grande parte da Europa e a Boémia não é exceção. Aqui, surge o chamado Renascimento Nacional Checo, que pugna pelo reviver da língua, cultura e identidade nacional checas.

Em 1848, ano da chamada “primavera dos povos”, a revolta de Praga proclama um conjunto de reformas liberais, como o fim definitivo da servidão, e a autonomia da Coroa da Boémia, mas acaba esmagada no ano seguinte.

Em 1867, o compromisso entre a Áustria e a Hungria leva ao estabelecimento da monarquia dual, deixando de fora os checos, que esperavam igual tratamento.

Entretanto, a Boémia vai-se industrializando, em especial nas áreas habitadas por alemães, e torna-se a zona mais industrializada do Império Austro-Húngaro. Isso leva ao surgimento de uma importante burguesia liberal e de um forte movimento operário. Este organiza-se no partido social-democrata, que, juntamente com pensadores progressistas, luta pela instauração do sufrágio universal. Em 1907, este é instituído para os homens.

O nascimento e os primórdios da Checoslováquia

A derrota na 1ª guerra mundial leva à desagregação do Império Austro-Húngaro e à criação da Checoslováquia, em finais de 1918, sob a liderança de Tomáš Masaryk, líder do Conselho Nacional Checoslovaco. A independência do novo Estado é reconhecida pela Conferência de Versalhes, em 1919. Para além da Boémia, da Morávia e do extremo sul da Silésia, que integravam o reino da Áustria, o novo país integra a Eslováquia, que fazia parte da Hungria, e, pelo Tratado de Trianon, a Ruténia, no extremo leste, até então igualmente sob domínio húngaro.

A nova república dota-se de um sistema democrático relativamente estável, mas era um Estado plurinacional e isso colocava-lhe vários problemas. Dos seus habitantes, as minorias nacionais representavam 1/3 da população: 23,5% a alemã, 5,5% a húngara, 3,5% a ucraniana e 1% a polaca. A isso acresciam as frequentes tensões entre checos e eslovacos: os primeiros, mais ricos, urbanos e laicos; os segundos, mais pobres, rurais e católicos.

Apesar de tudo, o país, que detinha cerca de 80% das indústrias do Império Austro-Húngaro, era, então, o 10º mais industrializado do mundo e apresentava elevados níveis de desenvolvimento económico. Contudo, a maioria das suas indústrias localizava-se nas regiões periféricas da Boémia e da Morávia (designadas genericamente por Sudetas, mesmo as áreas que não se situavam no maciço com esse nome), maioritariamente habitadas pela minoria alemã e eram, em grande parte, detidas por alemães, sendo os seus trabalhadores igualmente germânicos.

Quando da criação da Checoslováquia, os alemães dos Sudetas pretenderam a integração do seu território na Áustria ou na Alemanha, mas, em Versalhes, franceses e ingleses rejeitaram essa pretensão. Apesar do seu descontentamento pela integração num Estado eslavo, não criaram desestabilização até à chegada de Hitler ao poder, em 1933. A partir daí, instigado por Berlim, Konrad Henlein, líder do Partido Alemão dos Sudetas (SDP), inicia uma campanha de agitação, com exigências cada vez maiores, que o governo checo não podia satisfazer. Após a anexação da Áustria pela Alemanha nazi, em março de 1938, era uma questão de tempo até o ditador alemão se virar para a Checoslováquia.

A vergonha de Munique e o desmembramento

Em setembro desse ano, após vários incidentes fronteiriços, protagonizados por provocadores nazis, Hitler exige a entrega dos Sudetas à Alemanha, sob ameaça de guerra. O governo checoslovaco, que tinha na região, não só a maioria das suas principais indústrias, mas também as suas mais importantes defesas militares, recusa o ultimato. Tem o apoio da França (com quem tinha um pacto de defesa) e do Reino Unido, cujas opiniões públicas apoiavam a defesa da única democracia da Europa Central.

Quando a guerra parecia inevitável, Mussolini propõe a realização de uma cimeira a quatro para resolver a questão. Na Conferência de Munique, onde os representantes checoslovacos não estiveram presentes, os primeiros-ministros britânico, Chamberlain, e francês, Daladier, em nome do apaziguamento, cedem vergonhosamente, às exigências do ditador alemão.

Abandonada e sem alternativa, a Checoslováquia entrega os Sudetas à Alemanha, que expulsa os checos aí residentes, enquanto o presidente Beneš se demite e se exila em Londres, de onde liderará, mais tarde, o governo no exílio. De imediato, a Polónia ocupa o pequeno distrito de Tešin, área de disputa entre os dois países, e, pouco depois, a Hungria anexa o sul da Eslováquia, onde existe uma grande população húngara, enquanto Eslováquia e Ruténia se tornavam regiões autónomas.

Em março de 1939, com o apoio de Berlim, a primeira declara a independência, tornando-se um Estado fantoche pró-nazi, sob a direção de monsenhor Jozef Tiso, um clérigo católico, enquanto a segunda é ocupada pela Hungria. Dois dias depois, tropas alemãs entram em Praga, instaurando aí o chamado protetorado da Boémia e da Morávia e acabando com o que restava do país.

Na 2ª guerra mundial, a resistência checoslovaca assassina o “gauleiter” Heinrich, provocando uma feroz retaliação nazi e, no verão de 1944, dá-se um levantamento nacional eslovaco, que leva à ocupação da Eslováquia pelas forças alemãs.

O país é o último a ser libertado. Em setembro desse ano, o exército soviético atravessa a fronteira oriental e, no início de maio de 1945, tropas estadunidenses ocupam a região ocidental dos Sudetas e o sudoeste da Boémia. Entretanto, uma revolta estala em Praga, saindo vitoriosa em 9 desse mês, com o apoio das tropas soviéticas, a quem, pelos acordos de Ialta, cabia a entrada na capital checa.

A tomada do poder pelo partido comunista

A Checoslováquia reunifica-se e forma-se um governo provisório, que integrava as várias forças que se haviam oposto à ocupação (comunistas, social-democratas, social-liberais e, ainda, democrata-cristãos morávios e eslovacos) na chamada Frente Nacional (NF).

Beneš regressa, reassume a presidência e assina os famosos decretos que levam à expulsão das populações alemãs dos Sudetas e à confiscação de todas as suas propriedades, decisão que é ratificada pelos Aliados na Conferência de Potsdam. Pouco depois, acorda em transferir a Ruténia para a URSS, onde será integrada na república da Ucrânia. Entretanto, estadunidenses e soviéticos retiram as suas tropas do país. No ano seguinte, assina um acordo com a Hungria para um repatriamento limitado das populações húngaras residentes na parte sul da Eslováquia, que voltara para o estado checoslovaco. Contudo, ao contrário do que sucede com os alemães, dos quais poucos restam, a expulsão dos húngaros acaba por não se consumar, sendo poucos os que abandonam o país.

Em 1946, o Partido Comunista (KSČ), cuja popularidade subira graças ao papel dos soviéticos na libertação, assume um discurso moderado de unidade das forças democráticas e aceitação da democracia. Com ele, vence as eleições, com 38% dos votos (41% na Boémia e Morávia, mas apenas 27% na Eslováquia, atrás dos democrata-cristãos locais). Face aos resultados, Beneš chama o líder comunista, Klement Gottwald, a formar governo. Sem maioria no Parlamento, o seu partido não detém a maioria dos ministros, mas ocupa os ministérios mais importantes, como o Interior, enquanto a Defesa fica entregue a um independente seu simpatizante, o que lhe permite controlar as forças policiais, neutralizar as forças armadas e ocupar posições-chave no aparelho de Estado.

Contudo, no ano seguinte, o crescente controlo do partido sobre a sociedade e a rejeição, após uma visita de Gottwald a Estaline, do Plano Marshall, inicialmente aceite pelo executivo, reduziu a popularidade do KSČ. Em fevereiro de 1948, após o titular do Interior recusar aplicar uma decisão tomada por maioria no conselho ministerial, os ministros não comunistas abandonam o governo, esperando que o PR convocasse novas eleições, que, tudo indicava, lhes seriam favoráveis.

Pressionado pelos soviéticos, Gottwald radicaliza as suas posições e exige de Beneš a formação de um novo gabinete, apenas com membros do KSČ e “compagnons de route”. Para o efeito, ameaça com uma greve geral, enquanto as suas milícias, armadas pela polícia, ocupam os ministérios e invadem as sedes dos restantes partidos. Temendo uma guerra civil e subsequente intervenção soviética, o presidente cede a Gottwald. Estava consumado o “golpe de Praga”, mais um episódio da “guerra fria”, que marca a rutura definitiva entre as duas grandes potências vencedoras da 2ª guerra mundial (EUA e URSS).

Pouco depois, o partido social-democrata (ČSSD), dirigido por um apoiante do PC, é integrado no KSČ, enquanto os dirigentes dos outros partidos são presos e substituídos por simpatizantes comunistas. Antes, Jan Masaryk, ministro dos Negócios Estrangeiros, filho do primeiro presidente do país e apoiante dos social-democratas, morre ao cair da varanda do seu apartamento, na véspera de partir para o exílio em Londres. Suicídio na versão oficial, assassinato na da oposição, possibilidade de acidente, ainda hoje há dúvidas sobre o sucedido. Entretanto, em 9 de maio, é aprovada uma nova Constituição, que, embora formalmente pluralista, consagrava, na prática, o poder dominante do KSČ. Beneš recusa assinar o documento e demite-se. Já então doente, acabará por falecer três meses depois.

O regime “comunista” e a Primavera de Praga

Rapidamente, é adotado o regime de partido único e uma economia planificada e centralizada, ao estilo soviético. A repressão, inicialmente, abate-se sobre os opositores, mas, no início dos anos 50, vira-se para o interior do partido, onde, ao estilo estalinista, têm lugar várias “purgas”, que levam à execução de leais militantes comunistas.

Após a morte de Gottwald, em 1953, assume o poder Antonin Novotný, que, apesar da desestalinização ocorrida na URSS, mantém a linha dura. Em 1960, é aprovada uma nova Constituição, onde fica expresso o papel dirigente do Partido Comunista. Contudo, a intensificação da repressão e a estagnação económica que tomou conta do país, após o grande crescimento dos anos 50, levam ao aumento do mal-estar na sociedade, inclusive no seio do partido. Em 1967, é aprovado o Novo Modelo Económico, da autoria do economista eslovaco Ota Šik, que introduz alguns mecanismos de mercado na economia planificada. Ao mesmo tempo, ocorrem também tentativas de democratização do partido, onde se travam intensos debates.

No início de 1968, o secretário-geral é demitido, sendo substituído por Alexandre Dubček, um reformador eslovaco, que dará início à chamada Primavera de Praga. A censura é levantada e, progressivamente, vão aparecendo artigos e publicações críticas. Afirmando pretender um “socialismo de rosto humano”, o novo líder defende o papel dirigente do PC, mas garantindo as liberdades cívicas fundamentais. Embora declare não pretender abandonar o Pacto de Varsóvia ou o COMECON, apela a reformas nestas organizações, que permita aos países signatários reduzir a sua dependência da URSS.

O apoio da população ao movimento é grande, levando a uma intensa mobilização e participação populares. Entretanto, o partido social-democrata reganha autonomia e prepara a sua legalização, ao mesmo tempo que surgem numerosos clubes de reflexão política. Por seu turno, fica acordado que, no ano seguinte, o país assumirá a forma de uma federação entre República Checa e Eslováquia, com a criação de dois Parlamentos regionais, a par com o nacional.

Contudo, as lideranças da URSS e dos restantes países do bloco soviético manifestam a sua preocupação e, na noite de 20 para 21 de agosto, as tropas do Pacto de Varsóvia invadem o país. Dubček e outros dirigentes reformistas são presos e levados para Moscovo. Os soviéticos formulam, então, a chamada “doutrina Brejnev”, segundo a qual os países seus aliados dispunham de soberania limitada, reservando-se a URSS o direito de intervir em qualquer deles “se e quando estiver em risco o sistema socialista”. Seguindo o apelo do seu líder, que temia um “banho de sangue” semelhante ao ocorrido na Hungria, em 1956, a população checa e eslovaca inicia uma resistência não violenta. Num episódio dramático, o estudante Jan Palach imola-se pelo fogo em pleno centro de Praga.

Em abril de 1969, o secretário-geral é substituído por Gustav Husák, outro eslovaco, que rapidamente dá início à chamada “normalização”, revertendo as medidas reformistas da Primavera de Praga, à exceção da federalização do país, que, no novo contexto, se torna mais teórica que prática. Ao mesmo tempo, os elementos reformadores são expulsos do partido e os quadros intelectuais demitidos dos seus empregos e obrigados a trabalhos não qualificados. A população fica anestesiada e resigna-se, embora não deixem de aparecer movimentos de contestação, como a Carta 77, escrita por um grupo de intelectuais e artistas de Praga. Apesar de o seu efeito ter sido maior no Ocidente que no país, os seus autores são perseguidos, demitidos dos seus empregos e alguns presos. Um dos seus signatários, Jan Patočka, morre após várias horas de detenção.

A “revolução de veludo”

A “perestroika” de Gorbachev não colhe a adesão do PC checoslovaco, apesar da estagnação económica do país a partir dos anos 80. Contudo, em dezembro de 1987, Husák demite-se e Mikloš Jakeš assume o cargo de secretário-geral, mas mantém a linha dura. Porém, a partir de meados do ano seguinte, a contestação vai subindo de tom e começam a aparecer manifestações antirregime, em especial em Praga e Bratislava.

No dia 17 de novembro de 1989, a violenta repressão de uma manifestação estudantil, em Praga, leva à criação, na região checa, do Fórum Cívico (OF), liderado pelo dramaturgo Václav Havel, um dos signatários da Carta 77, e da sua ala eslovaca, o Público Contra a Violência (VPN), ao qual adere, igualmente, Dubček. Perante a pressão popular, incentivada pela queda do muro de Berlim, na semana anterior, o PC cede e Jakeš demite-se no dia 24. Estava consumada a chamada “revolução de veludo”.

Em finais do ano, Havel é eleito presidente do país e Dubček assume a presidência do Parlamento. Nas legislativas de junho de 1990, o OF e o VPN vencem com grande maioria, mas, com a instauração do novo regime democrático, rapidamente se desagregam, dando lugar a vários partidos. Nas eleições de 1992, o conservador-liberal Partido Democrático Cívico (ODS), de Václav Klaus, admirador confesso de Margaret Thatcher e com um programa radical de liberalização económica, vence na República Checa, enquanto, na Eslováquia, o triunfo sorri ao nacionalista e populista Movimento para uma Eslováquia Democrática (HZDS), de Vladimir Mečiar, que se afirma defensor de uma confederação checa e eslovaca.

O fim da Checoslováquia e a nova República Checa

Essa pretensão não é aceite pelos checos, pelo que Klaus e Mečiar acordam na dissolução da federação no final do ano, o que leva à demissão de Havel do cargo de presidente federal. No dia 1 de janeiro de 1993, a Checoslováquia deixa de existir, dando lugar a dois novos países: a República Checa e a Eslováquia.

A República Checa, que terá em Havel o seu primeiro presidente, defronta-se com as dificuldades e os problemas sociais decorrentes da transição para o capitalismo, mas a sua base industrial e a sua localização no centro da Europa, vizinha da Alemanha, permitem-lhe superá-las mais facilmente que os seus vizinhos. O país goza de alguma estabilidade política e o poder vai alternando entre o ODS e os social-democratas do ČSSD.

Em 1999, adere à NATO e, em 2004, à UE. Contudo, a histórica desconfiança checa face às intensões alemãs traduz-se num certo euroceticismo, de que Klaus foi grande expoente. Por isso, fica fora do euro.

O país experimenta, desde a adesão, um elevado crescimento económico, beneficiando dos fundos estruturais e do afluxo de numerosos investimentos estrangeiros. Em 2020, o seu PIB por habitante em PPC já tinha ultrapassado o da Espanha e igualado o da Itália, mas o descontentamento vai crescendo, em especial devido ao aumento da corrupção, e o populismo cresce.

Artigo de Jorge Martins

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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