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Presos dos EUA começam greve contra “escravatura moderna”

Reclusos de 17 estados dos EUA começaram esta terça-feira uma greve contra o “complexo prisional industrial”, com greves de fome e recusa a fazer trabalhos durante o período.
Foto Tayeb MEZAHDIA via Pexel/Creative Commons

A mobilização, que tem duração prevista de 19 dias, pede melhores condições nas prisões, o direito ao voto, melhores salários, revisão de leis que contribuem para o encarceramento em massa, serviços de reabilitação para todos os reclusos e o fim das mortes nas prisões.

A data escolhida marca o aniversário da morte do ativista antiprisional George Jackson, um membro do Partido dos Panteras Negras. Jackson é reconhecido pelo seu trabalho teórico e por ser uma voz presente no movimento prisional dos anos 1970, quando aconteceram diversas greves e protestos.

Outro fator que motivou as mobilizações deste ano é a rebelião que aconteceu em abril no Lee Correctional Institution [Instituto Correcional de Lee], na Carolina do Sul, quando sete presos foram mortos e 17 ficaram severamente feridos. Uma testemunha disse à Associated Press que os mortos foram “empilhados uns em cima dos outros”, com a leniência dos funcionários da prisão.

Uma questão de direitos humanos

A JLS (Jailhouse Lawyers Speak, organização que representa os reclusos em greve) afirmou que é uma “questão de direitos humanos”, em entrevista à Raven Rakia, do Appeal. “Os reclusos entendem que estão a ser tratados como animais. Nós sabemos que as condições estão a causar dano físico e mortes evitáveis. As prisões são uma zona de guerra, é como se já estivéssemos mortos, então, o que temos a perder?”.

A principal exigência que une os presos é a revogação da 13ª emenda da Constituição Federal estadunidense, considerada responsável pela “escravidão moderna”. A emenda permitiu que, após a abolição da escravatura, as pessoas pudessem ser colocadas em regime “de servidão involuntária” como parte de punição por crimes cometidos.

Por conta disso, eles são forçados a trabalhar de graça ou por cêntimos de dólar por hora em trabalhos degradantes ou de alto risco, como aconteceu, recentemente, no combate aos incêndios no estado da Califórnia. Para combater o fogo, os presos recebiam apenas um dólar por hora. A remuneração média nas prisões dos EUA é de US$ 0,20 cêntimos por hora trabalhada.

“Queremos o fim imediato da escravidão prisional. Todas pessoas presas sob a jurisdição dos EUA devem receber o salário real estabelecido no seu território pelo seu trabalho”, diz a declaração oficial da greve. Segundo Amani Sawari, porta-voz da greve, em entrevista à Vox, os prisioneiros, além de terem que pagar as suas despesas e gastos dentro da prisão - compra de roupas, saúde oral e dental, livros, materiais de estudo-, também são os “ganha-pão” das suas famílias e tem diversas obrigações financeiras.

“A única coisa que eles têm é o próprio corpo. Se eles escolherem não trabalhar, limpar ou cozinhar, essa é a ferramenta que eles possuem. As prisões não funcionam sem trabalho dos presos”, disse Sawari.

Viés racial

Os Estados Unidos têm a maior população prisional do mundo, com cerca de 2 milhões e trezentos mil presos em 2013, ou 655 pessoas a cada 100 mil, segundo dados do Gabinete de Estatística Jurídica. Enquanto os afro-americanos compõem apenas 13% da população total do país, eles representam 40% dos estadunidenses presos.

Em entrevista ao portal Shadowproof, um representante da JLS, preso na Carolina do Sul, descreveu as prisões como uma continuação da escravatura. “Eu lembro-me do meu bisavô e eles falavam sobre isso [as cadeias]. Prisão é escravidão. Eles diziam que estavam a ser forçados a voltar para as plantações [latifúndio de monocultura à base de trabalho escravo]. Isso é algo que sempre entendemos. É claro que as coisas evoluíram, o sistema evoluiu, é mais sofisticado e as pessoas tentaram mudar a linguagem para se desligar desse passado”.

Para Sawari, os presos querem ser vistos como pessoas que contribuem para a sociedade. “Não há um setor da indústria que não seja afetado pelas prisões, da produção de placas de automóveis ao fast food que comemos, até as lojas em que compramos nossas coisas. Então, precisamos reconhecer como apoiamos o complexo industrial prisional através dos dólares que gastamos”.


Artigo de Pedro Ribeiro Nogueira no portal Brasil de Fato.

*Com informações do The Appeal e Vox. Edição: Tayguara Ribeiro

 

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