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Polícia que chamou “aberração” às ideias de Ventura suspenso

O SOS Racismo diz que Manuel Morais, ex-sindicalista que se notabilizou pelo combate anti-racista na polícia, está a ser alvo de perseguição. O agente do Corpo de Intervenção também disse que queria “decapitar” o racismo.
Manuel Morais junto a uma bandeira do sindicato que dirigiu durante cerca de 30 anos. Pormenor de uma fotografia publicada na sua página de Facebook.
Manuel Morais junto a uma bandeira do sindicato que dirigiu durante cerca de 30 anos. Pormenor de uma fotografia publicada na sua página de Facebook.

Manuel Morais, um agente do Corpo de Intervenção da PSP que foi dirigente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia durante 30 anos e foi expulso do sindicato pelas suas denúncias de racismo nas forças de segurança, foi alvo de um processo disciplinar por ter chamado “aberração” ao líder da extrema-direita portuguesa, André Ventura, e por ter defendido a “decapitação”, em sentido figurado, do racismo.

O Diário de Notícias noticiou este sábado que o superintendente-chefe Paulo Lucas, comandante da Unidade Especial de Polícia, lhe aplicou dez dias de suspensão devido a uma publicação no Facebook em junho de 2020 onde se podia ler : "Decapitem estes racistas nauseabundos que não merecem a água que bebem" e se apelava ao combate contra o racismo e “aberrações” como André Ventura.

No processo, o agente da polícia esclareceu que "em momento algum quis ofender ou decapitar alguém no verdadeiro sentido da palavra, nomeadamente na pessoa do Sr. deputado. Apenas quis transmitir que é necessário decapitar ideias racistas que prejudicam a sociedade em geral". Manuel Morais lembrou nas suas declarações o contexto da publicação: na altura, havia notícias de estátuas às quais tinham sido cortadas as cabeças e ele queria dizer "que seria melhor acabar com o racismo, ou seja, decapitar o racismo".

Informou igualmente que tentou entrar em contacto com André Ventura "para esclarecer que não lhe desejava mal e pedir desculpas caso a sua publicação o tivesse ofendido, no entanto, tal não lhe foi possível". A palavra “aberração” não se referia à pessoa “mas sim a muitas ideias que o mesmo já expressou publicamente”. O ex-sindicalista disse ainda em sua defesa que apagou a publicação assim que teve consciência que o que escrevera criou “mal-entendidos”.

Nada disso lhe valeu. Paulo Lucas, o comandante que avaliou o caso, acha que os comentários violam o “dever de prossecução do interesse público", o “dever de aprumo”, o “dever de correção” e o princípio que "os polícias não podem fazer declarações que afetem a sua isenção política e partidária, a coesão e o prestígio da instituição".

Não é o primeiro processo disciplinar em que é visado. Em novembro de 2019 foi alvo de uma repreensão escrita por ter declarado ao Expresso sentir "nojo do assalto de André Ventura" a uma manifestação de polícias.

“Falta de empenho da direção da PSP no combate ao racismo é evidente”, diz SOS Racismo

No domingo, o SOS Racismo reagiu ao caso em comunicado em que afirma que “repudia a perseguição contra Manuel Morais”.

Para a organização, “o facto da PSP entender proceder contra o agente em causa, suspendendo-o de funções, sem mesmo que tivesse havido uma qualquer queixa” “só pode ser entendido como uma perseguição política pelo compromisso de Manuel Morais com o combate contra o racismo dentro das forças de segurança”.

O SOS Racismo diz que “a falta de empenho da direção nacional da PSP no combate contra o racismo é evidente”. E não esquece que o atual diretor da instituição declarou na sua tomada de posse que “não viu nada de anormal” nas agressões de um polícia a Cláudia Simões e que a direção da PSP fez um comunicado de imprensa descartando a “motivação racista” do assassinato de Bruno Candé, tese desmentida no despacho de pronuncia da acusação. A direção da PSP não responde ainda aos jornalistas se vai aplicar sanções disciplinares contra os agentes condenados no caso da Esquadra de Alfragide.

Por isso, conclui-se, que “seja pela inércia, seja pela sua cumplicidade, a atual direção da PSP prova não estar à altura da sua responsabilidade no combate contra o racismo”. Já que “uma direção da polícia que persegue um quadro seu em função do seu compromisso anti-racista não faz falta à defesa da decência, da dignidade e da democracia”.

Exige ainda “uma tomada de posição inequívoca da tutela que garanta que nenhum agente policial vai ser perseguido por combater o racismo”.

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