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Morte assistida: Como se posicionam as candidaturas presidenciais?

O diploma deverá ser votado na sexta-feira. Após aprovado, será enviado para Belém, cabendo ao presidente da República decidir sobre a sua promulgação. Lembramos aqui as posições das candidatas e dos candidatos sobre o direito a uma morte digna e qual o ponto de situação do processo legislativo.
Foto de Alberto Biscalchin, Flickr.

Marcelo: “Não há ressurreição sem sofrimento e morte"

A posição pessoal do atual presidente da República, e candidato, Marcelo Rebelo de Sousa é sobejamente conhecida. Alinhado com as posições da hierarquia da Igreja, Marcelo posiciona-se contra a despenalização da morte medicamente assistida. Em novembro de 2019, durante uma iniciativa do movimento Comunhão e Libertação, o chefe do Estado falou sobre eutanásia e sobre a sua experiência enquanto voluntário junto de doentes terminais: “Não há ressurreição sem sofrimento e morte", enfatizou.

Apesar de, em 2018, ter afirmado que não usaria o veto político em função apenas das suas convicções pessoais, Marcelo Rebelo de Sousa escusou-se, durante o debate com Marisa Matias, a 2 de janeiro, a antecipar o que fará quando o diploma chegar a Belém.

A posição de Marisa Matias não poderia ser mais distante. A candidata tem-se posicionado de forma intransigente pelo direito à dignidade e a uma morte digna, acompanhando aquela que foi uma das principais lutas do ex-coordenador bloquista João Semedo, falecido em 2018. O Bloco foi o primeiro partido em Portugal a assumir a defesa do direito à auto-determinação e a reconhecer os direitos fundamentais dos doentes terminais a decidirem sobre a sua vida e o seu corpo, tendo a reivindicação da morte assistida ficado consolidada no seu programa eleitoral de 2009. No âmbito das suas funções como eurodeputada, Marisa Matias foi uma das primeiras signatárias do manifesto pelo direito a morrer com dignidade na Europa.

No que respeita aos restantes candidatos, Ana Gomes também se posiciona a favor da legalização da eutanásia. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, em outubro passado, a candidata assinalou que a sua experiência pessoal, com a morte do seu marido, reforçou essa convicção.

Comunistas votam contra morte assistida

O grupo parlamentar do PCP foi a única bancada da esquerda a votar contra a proposta. Os comunistas optaram ainda por não participar no grupo de trabalho constituído no âmbito da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, que ficou responsável por fundir num só articulado os cinco projetos aprovados na generalidade em 20 de fevereiro passado. Questionado no debate frente a Marcelo Rebelo de Sousa, transmitido na TVI, João Ferreira comprometeu-se, no entanto, a respeitar a decisão do Parlamento.

Já o partido de Tiago Mayan Gonçalves defende no seu programa que a "eutanásia é uma questão de cidadania e deve ser regulamentada" e que "a criminalização da eutanásia é inaceitável". No entanto, a Iniciativa Liberal não se coibiu de votar a favor da proposta de referendo sobre um direito fundamental. O candidato Vitorino Silva, por sua vez, desafiado no programa Vichyssoise, da rádio Observador, a assumir a sua posição, admitiu que vetaria a eutanásia porque preferia que a matéria fosse a referendo.

No que respeita a André Ventura, há sempre um antes e um depois. Já em pré-campanha eleitoral para as presidenciais de 24 de janeiro, o candidato de extrema-direita garantiu que sempre foi contra a despenalização da eutanásia. O Polígrafo desmentiu-o. Ou melhor, André Ventura desmente-se a si próprio, deixando-nos registos escritos das posições que vai assumindo conforme melhor lhe convém. Sujeitas a comparação, as posições do antes e do depois não batem certo. Enquanto aluno da Faculdade de Direito na Universidade Nova, André Ventura defendeu a eutanásia. No seu programa político de 2019, André Ventura já é outro, negando, em absoluto, o direito a uma morte digna. Ainda assim, a sua convicção não foi suficientemente forte para comparecer à votação em plenário, em outubro de 2020, da proposta de referendo sobre a despenalização da eutanásia. André Ventura optou por fazer campanha nos Açores nesse dia.

Lei deverá ser votada esta sexta-feira

A 20 de fevereiro foram aprovados cinco projetos de lei, do PS, Bloco, PAN, PEV e Iniciativa Liberal (IL), sobre a despenalização da morte medicamente assistida. Entretanto, em outubro de 2020, a proposta de referendo sobre esta matéria, apoiada pela hierarquia da Igreja Católica, CDS-PP e Chega, foi chumbada com os votos contra do PS, Bloco, PCP, PEV e PAN, de nove deputados do PSD e das duas deputadas não inscritas.

Já no início deste ano, a 6 de janeiro, o grupo de trabalho responsável por encontrar um texto de substituição, tendo por base os cinco projetos aprovados, finalizou os seus trabalhos. O texto final foi aprovado pelo PS, Bloco de Esquerda e PAN. CDS votou contra e PSD absteve-se. O PCP optou por não participar no grupo de trabalho. O diploma irá agora, na próxima quarta-feira, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser ratificado, e deverá ser levado a plenário na sexta-feira, dia 15, para ser votado.

Após a sua aprovação, a lei que reconhece o direito a uma morte digna segue para Belém. Quando o tiver nas suas mãos, o presidente da República terá oito dias para decidir se envia o diploma para apreciação do Tribunal Constitucional. Caso opte por não o fazer, o chefe do Estado terá de decidir, num prazo de 20 dias, se veta ou promulga a lei.

O que prevê a lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida?

O texto final estipula que não é punível a “antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.

O diploma prevê ainda a intervenção, nas diferentes fases do processo, de dois ou três médicos: de um médico orientador, um médico especialista e ainda de um médico especialista em psiquiatria, caso surjam "dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade séria, livre e esclarecida".

E é garantida a fiscalização do processo, com a criação de uma Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, composta por "cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação" nas áreas médica, jurídica e bioética. Esta comissão tem cinco dias para emitir pareceres, caso o processo tenha sido aprovado pelo médico orientador.

Atualmente, a prática da morte assistida em Portugal pode ser punida com penas que variam entre um a oito anos de prisão. No país vizinho, a despenalização da morte assistida foi aprovada em dezembro. Apenas o Vox e o PP votaram contra a proposta.

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